Um templo na Guatemala escondia dois fragmentos do que arqueólogos afirmam ser a evidência mais antiga de uso do calendário maia, em referência a uma das mais antigas e mais avançadas civilizações pré-colombianas da América Latina.

Segundo análise feita em radiocarbono, os dois fragmentos – que, juntos, leem “7 CHIB´AAT” (“corsa” ou “veado” em uma tradução aproximada) – são de alguma época entre 300 a.C (antes de Cristo) e 200 a.C. Segundo historiadores, essa parte do calendário é diferente da chamada “Conta Longa”, que se tornou conhecida por ser aquela que “previa” o fim do mundo em 2012.

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Fragmentos encontrados na Guatemala formam, quando unidos, um termo específico do calendário maia: descoberta é a evidência mais antiga de uso do sistema de contagem de dias da civilização pré-colombiana
Fragmentos encontrados na Guatemala formam, quando unidos, um termo específico do calendário maia: descoberta é a evidência mais antiga de uso do sistema de contagem de dias da civilização pré-colombiana (Imagem: Stuart et. al/Reprodução)

Compreender a marcação dos dias, meses e anos dos maias requer um estudo mais amplo: de acordo com especialistas, de três a quatro formatos de calendário eram usados ao mesmo tempo – além da Conta Longa, eles também aplicavam o “calendário divino” (Tzolk’in), de onde esses fragmentos vêm. Esse calendário tinha 260 dias por ano, sendo marcado por uma combinação de 13 números e símbolos representando alguns dias – “veado” sendo um desses símbolos.

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Apesar da fama e de serem responsáveis pelo aprimoramento do sistemas, não foram os maias quem inventaram esse formato, que encontra evidências de uso também em outras civilizações anteriores a eles – e muitas depois, como os astecas. Hoje, formas desta contagem ainda podem ser encontradas dentro dos maias modernos.

“Esse é o único calendário que sobrevive a todas as conquistas e guerras civis da Guatemala”, disse David Stuart, autor primário do estudo e professor de Escrita e Arte Mesoamericana na Universidade do Texas-Austin. “Os maias de hoje, em muitas comunidades, mantiveram esse formato como uma forma de se conectar aos seus ideais de destino e como as pessoas se relacionam com o mundo ao seu redor. Não é “reviver” um costume antigo, mas sim preservá-lo”.

Stuart foi parte da equipe que descobriu o sítio arqueológico de San Bartolo, ao norte da Guatemala, em 2001. Neste mesmo lugar, agora, foram encontrados os fragmentos, que o especialista afirma serem parte de um mural. A região, no auge da civilização maia, correspondia à antiga cidade de Tikal. Nesta cidade também havia imensas pirâmides e projetos arquitetônicos. Até hoje, ninguém conseguiu determinar o motivo, mas a maioria dos historiadores afirmam que Tikal foi gradualmente abandonada pelo seu povo, devido à superpopulação e escassez de alimentos.

O interessante é que San Bartolo tem murais imensos feitos em camadas, tal qual uma cebola. Isso porque, segundo Stuart, os murais artísticos eram normalmente construídos uns por cima dos outros, adicionando desenhos novos a obras antigas. Em outras palavras, escavar mais fundo pode revelar mais informações de épocas cada vez mais distantes.

O problema, contudo, é que essas descobertas não seguem uma ordem específica, e fragmentos de várias épocas acabam se misturando. No atual exemplo, os dois fragmentos foram identificados entre mais de 7 mil descobertos entre 2002 e 2012.

O calendário Tzolk’in, segundo os arqueólogos, ainda é usado atualmente como uma forma de “adivinhação”. Os maias modernos, que correspondem a mais ou menos 7 milhões de pessoas vivendo em regiões como Guatemala, Belize, México, El Salvador e Honduras, conseguem interpretar “7 CHIB´AAT”, por exemplo, e traduzi-lo para um contexto próximo do nosso calendário gregoriano.

Entretanto, engana-se quem pensa que isso tem um significado exclusivo: “7 CHIB´AAT” poderia ser tanto “segunda-feira” como “18 de abril”, ou qualquer outro dia, segundo os maias contemporâneos – essas especificações trazem mais um “contexto temporal” do que um dia específico.

Sobre os outros calendários, o Haab’ era um sistema solar de contagem que marcava exatos 365 dias por ano, mas nunca considerava o nosso ano bissexto, então sua precisão não era das mais exatas. A já mencionada Conta Longa anotava grandes ciclos e eventos. Foi esse formato que muito erroneamente identificou 2012 como “o ano do fim do mundo”: naquele ano, segundo a Conta Longa, um ciclo terminaria.

“Todo mundo dizia ‘é o fim do calendário’, mas eles não entenderam que um outro ciclo estava para começar”, disse Stuart.

Um estudo completo sobre os fragmentos já está disponível no jornal científico Science Advances.

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