Vamos colocar essa na categoria de “sim, porém depende”, mas é possível que nós tenhamos descoberto um outro mamífero – além dos humanos – que faça prática da agricultura e cultivo de alimentos. Mas já avisamos: tudo depende de uma discussão de linguagem.

Segundo um time de biólogos da Universidade da Flórida, é possível afirmar que algumas espécies de marmota (Geomys pinetis) também cultivam seus alimentos, graças à ação de construção de seus longos túneis pelos quais os desenhos animados mais antigos juram que elas roubavam nossas hortaliças.

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Ainda falta o chapéu de palha e o cigarro sem filtro, mas essencialmente, a marmota é um mamífero fã da agricultura, assim como os humanos
Ainda falta o chapéu de palha e o cigarro sem filtro, mas essencialmente, a marmota é um mamífero fã da agricultura, assim como os humanos (Imagem: Discovery Channel/Reprodução)

A dúvida vem de uma questão linguística: apesar de ser uma parte essencial da indústria, nós nunca chegamos a um consenso do que é, de fato, a “agricultura”. Sim, obviamente trata-se do cultivo de alimentos por conta própria, mas os processos da atividade nunca foram estabelecidos como algo fixo.

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É bem neste espaço vazio que entra o estudo dos biólogos da Flórida: segundo o paper publicado – e revisado pelos pares, ou seja, aceito como um fato científico – no jornal Current Biology, ao cavar seu longo túnel, a marmota revolve a terra de tal forma que não apenas ela coleta vegetais presentes nessa agitação toda – o mamífero está, efetivamente, praticando a agricultura ao adubar o solo por dentro.

“As marmotas são os primeiros ‘fazendeiros’ mamíferos”, disse Francis Putz, biólogo e co-autor do estudo. “A prática da atividade agrícola já é conhecida em algumas espécies de formigas, besouros e cupins, mas nunca foi vista em outros mamíferos”.

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A inspiração do estudo veio de forma engenhosa: o time observou como raízes de árvores e outros vegetais tendem a pressionar encanamentos subterrâneos, forçando adaptações por seus gestores. Daí que veio a ideia de descobrir se o mesmo efeito ocorria também nos túneis das marmotas e, em caso positivo, como os roedores atuavam para manter as fontes de alimento dos túneis já construídos, bem como construir outros novos.

Uma forma – praticamente a única, na verdade – de uma marmota se alimentar é devorando raízes. Com base nessa ideia, os cientistas monitoraram o crescimento de raízes em seções isoladas de alguns túneis, estimando que elas fornecem algo entre 20% e 60% da ingestão calórica diária dos pequenos animais.

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E quando as raízes atingem os túneis, elas entram em contato com as fezes e urina dos roedores, encorajando seu crescimento. Evidentemente, não estamos falando de uma marmota puxando um arado e vestindo suspensórios jeans e camisa xadrez, mas o resultado é similar às atividades de fazenda mais sofisticadas praticadas por nós, humanos.

Mais além, os animais se dedicam a proteger seus túneis, tal qual nós cercamos terras de cultivo – em uma interpretação mais flexível, isso pode ser entendido como “manutenção agrícola”, logo, um mamífero não humano praticando agricultura.

Mais além, a ação de bagunçar a terra para cavar seus túneis contribui para um melhor fluxo de oxigênio, efetivamente permitindo um melhor trânsito de nutrientes para cima, melhorando o cultivo de plantas que fazendeiros – os humanos, mesmo – praticam.

A ideia não vem sem resistência, porém: há quem afirme que, para uma ação dessas ser de fato considerada “agricultura”, é necessário o ato de “plantar” algo – o que as marmotas não fazem.

Sobre isso, o time da Flórida acredita ter uma resposta simples. Segundo eles, “plantar” nem sempre foi uma ação feita pelos humanos – árvores que rendem frutos, por exemplo, estão “plantando” sementes quando as frutas caem, e mesmo quando cuidadas pela mão humana, são mais “mantidas” que “plantadas”.

Por essa definição, as marmotas podem entrar no clube dos fazendeiros.

“Plantar um vegetal, para alguns, é o que constitui ‘agricultura’”, disse Putz. “Mas eu acho que o problema é intelectualmente empolgante justamente porque isso não é bem uma regra”.

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