Me interrompa se você já viu isso antes: uma metrópole futurista com visual que mistura elementos noir e cyberpunk, sinalizando um futuro onde a humanidade foi devastada. É, até aqui, essa descrição serve para quase todo jogo que você viu ser lançado nos últimos anos. Entretanto, quantos deles colocou você na pele de um gato?

Veja bem: não um “gato mágico”, “gato bárbaro”, “gato com poderes”. Um gato, apenas. Um gato, que faz gatices. Como o felino que lhe mostra toda a sua indiferença neste exato momento – sério, olhe para ele, “não ligando” para você.

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A premissa acima é o que dita o progresso de Stray, jogo independente com cara de “AAA” desenvolvido pela BlueTwelve Studios e lançado no último dia 19. O Olhar Digital jogou a versão para PlayStation 5 do título, disponibilizada gratuitamente para usuários assinantes dos planos Extra e Deluxe da PlayStation Network (PSN).

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Stray tem uma narrativa simples – batida, até -, porém bastante eficiente: você é um gato, do tipo que derruba vasos de parapeitos, arranha sofás e carpetes e mia por qualquer motivo. Inicialmente, não há uma “missão” específica tendo em vista que você, um felino de rua recém-separado de seu bando graças a um salto mal calculado tal qual mostram milhares de vídeos no TikTok, simplesmente quer chegar de um ponto a outro.

E entre esses pontos, há um mapa bastante expansivo, inicialmente verdejante e ensolarado (porém depois, escurecido, cinza, quase uma noite ininterrupta), por onde um tutorial vai guiando seus movimentos, sem grandes complicações: um botão mia, as alavancas movimentam seu personagem e a câmera, e um dos gatilhos o faz correr com mais afinco.

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Apenas quando o mascote robótico “B12” (BlueTwelve…pegaram?) – uma consciência humana presa em um drone de pequeno porte – é introduzido que a trama começa a tomar forma: amnésico, o pequeno robô interage com os personagens do jogo (todos, também robôs) e com partes do cenário, em busca de reativar a sua memória e dar, enfim, uma contextualização em vários aspectos – por que o mundo está desse jeito? Onde estão as pessoas? Como os robôs desenvolveram consciência e sentimentos?

A jogabilidade em Stray é tanto horizontal como vertical, mas os momentos mais frenéticos deixam os controles um pouco a desejar (Imagem: Annapurna Interactive/Divulgação)

O gênero em que Stray se encaixa é um misto de jogo de aventura e jogo de plataforma, mas nenhum dos dois se sobressai muito. Os quebra-cabeças de progressão do jogo são bem contextuais, fugindo apenas um pouco do óbvio: não existem indicadores visuais evidentes salvo para quando você passa perto de um elemento com o qual pode interagir, mas é fácil determiná-los em meio ao cenário cinza e “fumacento” – você é um gato, afinal: todo gato gosta de subir em quinas, estantes e parapeitos.

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Essa verticalização não é exatamente novidade nos games, mas dá um tom diferenciado: por causa de sua apresentação visual, muito de Stray se passa no chão, e não raro, você se vê preso olhando para o caminho “à frente” do seu personagem, convenientemente se esquecendo que também é possível pegar perspectivas mais…elevadas. É uma agradável surpresa que se repete repetidamente ao longo do jogo.

A variação de oponentes é o que peca um pouco, mas não chega a atrapalhar a experiência de jogo: os Zurks são formas evoluídas de bactérias que comem, literalmente, qualquer coisa; enquanto os Sentinelas são drones de policiamento de áreas fechadas. Fora isso, os únicos outros personagens são os robôs inseridos dentro de cidades ora vistosas em neon, ora manchadas de fuligem, fumaça e sujeira. Vale lembrar, aliás: TODOS os robôs com quem você interage seguem exatamente o mesmo modelo – um tem um chapéu, outro veste um cachecol, mas todos são exatamente iguais.

Dentro desse pano de fundo, “ser um gato” é ao mesmo tempo o “menos” e o “mais” interessante no jogo: de um lado, os cidadãos com quem você interage conversam com o seu personagem como se o felino fosse um tipo diferente de robô – um que cabe em lugares apertados ou que tem movimentos rápidos, acrobáticos e elásticos. Eles não entendem muito a diferença entre um ser robótico e um ser biológico e o mundo exterior, para eles, é teoria da conspiração.

Por outro lado, todas as ações que você espera de um gato comum – ao menos, um mais amoroso que a média – estão lá: você pode passear entre as pernas dos outros, atraindo emoções (convenientemente representadas nos monitores que lhes servem de cabeça) e reações como “ataques de fofura”, derrubar um ou outro no chão porque ele se assustou ao vê-lo passando à frente. Parte disso, inclusive, ajuda você na realização das side quests – missões auxiliares que não dependem do progresso principal, mas dão um sabor diferenciado à interação gato-robôs.

É na movimentação que Stray erra com mais intensidade: a falta de um botão dedicado para pular – coisa que todo gato faz – é amplamente percebida. A navegação vertical, como dissemos, é contextualizada: se você não estiver próximo de uma estante ou parapeito ou ar-condicionado, o comando para subir não aparece e seu gato não pula.

Isso também se reflete um pouco nas seções mais arriscadas: em Stray, você tem virtualmente zero defesas contra os inimigos – que costumeiramente vêm em hordas contra você. A sua única opção, então, é correr e fugir, esquivando-se dos ataques da melhor forma que uma seção linear lhe permite. Nessas horas mais agitadas, a movimentação não é veloz como deveria e, não raro, você vai se ver em momentos de “quase morte” – e acredite, você não quer ouvir o último miado do felino protagonista. Dói no coração, cara…

A grosso modo, Stray é definitivamente uma excelente pedida, e dá à Sony um gostinho do que é ter um usuário satisfeito em receber um jogo 100% novo e totalmente “hypado” como gratuidade em seu catálogo de assinaturas – convenhamos, o Gamepass faz isso há anos (bem mais barato, diga-se) e a Sony precisava de uma solução similar.

Entretanto, não dá para dizer que ele, sozinho, vale a assinatura nos consoles: embora ele tenha um preço relativamente módico para PC (R$ 63,79), no PlayStation 4 e PlayStation 5 ele não sai por menos de R$ 149,50 para não assinantes, enquanto a disponibilidade gratuita fica para usuários da PS Plus Extra ou PS Plus Deluxe – respectivamente, R$ 339,90 e R$ 389,90 no plano de 12 meses.

Isso porque, contando com todas as side quests, a narrativa principal e MUITA enrolação (você é um gato, vai querer fazer gatices: o André Fogaça deve estar até hoje “miando” para o cachorro dele), o jogo não passa de oito horas de duração. Nesses momentos é que  você é friamente relembrado que, apesar de toda a sua beleza, Stray ainda é um jogo indie, sem a expectativa de sequências, horas e DLCs que correspondem a qualquer jogo da EA ou Activision.

Talvez isso seja para o melhor: de uma forma geral, Stray se sustenta com as próprias pernas, em um jogo que tem começo, meio e fim. Não enxerguei, honestamente, muito espaço para uma sequência, ou uma expansão. Posso estar errado, mas acho que a experiência felina nos games começa e termina aqui (o que para mim, está muito bom).

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