Não é surpresa para ninguém os diversos avanços da tecnologia em medicina, da mesma forma que não é novidade a possibilidade de rastrear doenças antes mesmo que elas se manifestem, ou seja, conseguir verificar uma pré-disposição ao câncer, por exemplo, sem ter nenhum sintoma. No entanto, você sabe quais são os pré-requisitos ou como solicitar esses tipos de exames? 

Existem diversos métodos de rastreamento. Eles vão desde um exame básico para casais que investigam uma causa de infertilidade até o mapeamento do nível de risco aumentado de desenvolver ou transmitir doenças hereditárias, como neurológicas – por exemplo, o famoso teste do pezinho, realizado quando nascemos, é um tipo de teste genético, já que que detecta até seis tipo de doenças. 

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Hoje, um dos tratamentos que mais se beneficia de testes genéticos é o do câncer de mama, já que a descoberta precoce (desta e outras doenças) influencia muito no sucesso do tratamento. 

Imagem: shutterstock/Salov Evgeniy

Diferentes tipos de testes genéticos 

Contudo, é importante esclarecer que quando falamos em testes genéticos a expressão abrange um catálogo enorme de possibilidades, nomes e termos técnicos. Para facilitar, vamos nos concentrar em dois tipos (ou cenários):  

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  1. Teste genético de diagnóstico, aquele que quando um médico suspeita de uma doença genética – ou já tem em mãos um histórico de doenças na família – ele pode solicitar; 
  1. Teste genético disponível para o consumidor – aquele que você, curioso para saber mais sobre as possibilidades de desenvolver alguns tipos de doenças, solicita, como cliente, às empresas especializadas que disponibilizem o tipo de exame. 

De acordo com Miguel Mitne Neto, Geneticista e Gerente Sênior de Genômica do Fleury Medicina e Saúde, em entrevista exclusiva ao Olhar Digital, as duas frentes correspondem da seguinte maneira:

“Há o modelo quando se tem uma doença sendo investigada, com foco em investigação diagnóstica, como casos de câncer de mama em que você tem outros casos de cânceres na família e identifica uma transmissão dessa condição de uma geração para a outra – aqui, o teste genético poderá identificar uma variante que irá responder qual o gene responsável por essa condição que está sendo transmitida – o método pode ser aplicado para outras doenças, desde comuns a raras”, disse Mitne.

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“Na outra frente, teremos testes voltados para o consumidor final, ou seja, que não existe uma condição clínica prévia, e sim apenas um interesse da pessoa em saber sua pré-disposição a desenvolver um câncer [por exemplo], mas não tem nenhuma manifestação da doença ainda”, explicou. 

O teste no âmbito diagnóstico (tipo 1) é aquele que somente o médico pode solicitar. Geralmente, ocorre a partir da suspeita médica diante de sintomas e histórico e é realizado com prescrição médica. No segundo cenário, da pessoa que quer apenas investigar a pré-disposição (tipo 2), a solicitação também pode ser conversada com o médico, mas a pessoa tem a liberdade de contatar uma empresa especializada que disponibilize testes do tipo e realizar a compra. 

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Segundo o especialista é importante destacar, independentemente do cenário em que o teste foi solicitado, a necessidade do chamado aconselhamento genético. A ferramenta, disponibilizada em ambos os casos pelo Fleury, visa ajudar na interpretação dos resultados e dar apoio nos casos em que doenças (ou pré-disposição a condições clínicas) sejam detectadas. 

“Um aspecto muito importante aqui é o aconselhamento genético. É um serviço fundamental e tem que estar acoplado. No âmbito de diagnóstico isso fica sob a responsabilidade do médico que fez a solicitação, no âmbito do DTC * [Direct To Consumer, em inglês], nós somos a única empresa que oferece esse tipo de serviço com o aconselhamento já acoplado”, ressaltou Mitne, acrescentando que, no caso do Fleury, valores adicionais não são cobrados. “Está dentro do pacote que ofertamos. A gente entende que isso é algo muito importante para o indivíduo, para que ele consiga tomar as decisões mais assertivas”. 

* DTC, ou Direct To Consumer (ou D2C), é um modelo de gestão onde empresas e marcas vendem o seu produto e serviços ao cliente final, sem intermediário, seja ele distribuidor ou varejista. O sistema é visto como uma revolução no relacionamento entre empresa (ou grupo) e consumidor, já que simplifica o processo de compra ou aquisição de produtos e serviços. 

teste genético
Imagem: shutterstock/Natali _ Mis

Qual é o teste que recebo em casa? 

Aqui pode ocorrer uma confusão, afinal os dois testes mencionados podem, em determinadas situações, ser enviados à casa do paciente ou cliente para a coleta. Destacamos o uso das expressões paciente e cliente porque é isso que separa um teste do outro; o paciente é aquele que o médico solicita o teste genético (o cenário 1). A depender da condição do indivíduo, é possível que a coleta seja feita em casa – caso seja alguém debilitado ou incapacitado de se locomover até o laboratório; já o cliente é o que não tem uma doença (cenário 2), ele pode tanto solicitar o teste no balcão da empresa, como pedir pela internet e receber em casa. 

“É complicado porque mesmo o teste diagnóstico hereditário a gente consegue mandar para a casa do paciente, mas ele recebe após a avaliação da prescrição médica e preenchimento de questionário. No outro, o cliente solicita ali no site e recebe na casa dele o kit. Ele mesmo faz a coleta com o swab [cotonete], faz o envio e acabou. Ele recebe as informações depois”, esclareceu o porta-voz do Fleury. 

Algum desses é o teste de ancestralidade? 

Mais uma confusão de informações aqui. Famoso na internet, muitas pessoas buscam pelo teste de ancestralidade acreditando que ele dará uma visão sobre possíveis quadros de saúde. No entanto, Mitne afirmou que o testes de ancestralidade são outra coisa, embora eles também se baseiem em genética. 

“Os testes de ancestralidade vão fazer uma avaliação mais ampla para dizer ‘olha, o seu backgroud está compartilhado com indivíduos que são de origem europeia, um tanto ameríndia, afrodescendente e etc. Então, é para isso. Testes de ancestralidade não vão fazer avaliação de informação clínica”. 

Teste de ancestralidade. Imagem: shutterstock/Production Perig

Para ir além na dimensão que testes genéticos podem alcançar, além das duas frentes que mencionamos (que não cobre o teste de ancestralidade), há também testes que avaliam características genéticas voltadas ao bem-estar no sentido de funcionamento do corpo. Por exemplo, testes que observam como você metaboliza gorduras, nutrientes ou vitaminas, qual sua pré-disposição de massa muscular, etc. “Esses casos [também] não estão avaliando o indivíduo em sua forma clínica, ele não está doente”, pontuou o geneticista. 

Testes de ancestralidade podem ser adquiridos pela internet por meio de diversos laboratórios, assim como os testes de genética com intuito de panorama clínico vendidos ao consumidor final. 

Meu convênio cobre os testes de genética? Tem no SUS? 

Como é possível prever, testes de genética não são baratos e os preços podem variar bastante. No caso dos testes do tipo DTC eles podem ir de R$ 400 a R$ 1.500, a depender do que a empresa oferece (pacotes completos e promoções). Testes de ancestralidade costumam ser mais baratos, na faixa de R$ 200, mas também podem ter preços elevados caso a companhia faça pacotes com teste de ancestralidade + saúde, por exemplo. 

Já no casos de testes de genética no campo de diagnóstico (tipo 1) os valores podem ir muito mais além. Geralmente os pacientes têm cobertura de seus convênios, visto que a solicitação é feita a partir de prescrição médica por um especialista. Vale lembrar aqui, no entanto, que o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) possui critérios de elegibilidade para coberturas específicas, algo que precisará ser checado com sua operadora de saúde.

Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro sancionou projeto de lei que acaba com a limitação de procedimentos cobertos pelos planos de saúde, o chamado rol taxativo. A sanção volta o rol para o exemplificativo, cobrindo todos os tratamentos indicados e necessários independentemente de estarem listados. Entenda mais aqui! 

Isso não quer dizer, claro, que o seu convênio vai cobrir testes genéticos do tipo 2, aqueles que partem da curiosidade do CLIENTE em saber sobre sua pré-disposição a doenças, pois não é interessante para a operadora de saúde esse tipo de serviço – embora pela perspectiva de alguns especialistas isso faça parte de uma avaliação preventiva. A cobertura de procedimentos fica restrito a condições clínicas já existentes e comprovadas. 

plano de saúde
Imagem: Arquivo/Agência Brasil

Já no Sistema Único de Saúde (SUS) a disponibilidade dos testes é limitada, e claro, voltada ao âmbito de diagnóstico. Segundo reportagem da Veja Saúde, tramita no Congresso um projeto de lei para obrigar o SUS a cobrir testes genéticos que servem para prevenir câncer de mama e ovário, inclusive com métodos que ajudem a determinar o tratamento para os tumores.  

Onde pedir um teste genético? 

Como mencionamos, testes genéticos no âmbito DTC (o tipo 2) podem ser solicitados a partir de uma busca pela internet. No entanto, você também encontra na farmácia, com uma vasta diversidade de marcas. No caso do Grupo Fleury, o braço de testes de genética vem sob o nome ‘Sommos DNA’, e você pode solicitar pelo site. A empresa ainda não tem um local físico para atender aos pedidos. 

É importante ressaltar que os resultados dos testes de genética são baseados em variáveis que são comparadas com a população geral. Os dados são complexos, assim, não espere receber um SIM ou um NÃO para uma doença específica, por isso o acompanhamento, leitura e interpretação de um especialista é essencial. Geralmente, nos testes que recebemos em casa, coletamos, enviamos e aguardamos o resultado, tudo vem bem explicado de forma simples para que possamos entender, mas, mesmo assim -principalmente em caso de dúvidas ou resultados específicos – isso não descarta a necessidade da análise de um médico. 

Pontos de complexidade

Existem pesquisas que medem o risco de doenças específicas, como diabetes, e identificam variáveis que colaboram para a doença. No entanto, a premissa e embasamento são complexos, a ponto de não podermos afirmar que exista um teste genético que diga, com certeza, que você tem ou não a possibilidade de ter a doença. 

“Para alguns tipos de diabetes tipo 1, que tem um padrão hereditário, existe uma variabilidade nos indivíduos. Então, para algumas famílias, sim, [a pesquisa] faz sentido. Agora, colocar isso dentro de um teste que é de ampla requisição, ou seja, que não existe um gargalo para dizer ‘esse cara é elegível e esse não’, é complicado. É muito complexo”, disse Mitne.  

teste genético em casa
Imagem: shutterstock/Microgen

O mesmo vale para a doença de Alzheimer, existem variantes genéticas identificadas em pessoas com a condição que colaboram para a neurodegeneração, contudo, a investigação só fará sentido a partir do conhecimento de um especialista do histórico familiar, o que exigirá ações personalizadas no que diz respeito à família. Em pessoas que não tenham esse histórico, a avaliação é muito mais ampla e difícil, já que não existe nem ao menos uma suspeita ou indicativo. A mesma coisa acontece com doenças ainda sem cura (que também é o caso do Alzheimer).  

Em todos os casos, o ideal é conversar com seu médico sobre suspeitas e ele irá avaliar se há a necessidade de testes mais aprofundados e específicos, até porque existem critérios para a necessidade de um exame preciso como este, como o grau de parentesco – o que também pode ser bem variável, já que pode ser um cálculo baseado em fenótipo e ambiente (eu avisei, é complexo e muito individual). 

“As informações que estão ali [nos testes] são limitadas a algumas populações e o componente ambiental de interferência, especialmente quando você tem uma herança poligênica [fenotípico resultante da ação de diversos genes], com maior interferência”, explicou o especialista, dando o seguinte exemplo: “digamos que precisamos de cinco genes específicos para que a pessoa seja elegível para diabetes. Além deles, precisamos também do fator ambiental, que precisa ser bem definido – e é o que desmonta essa tentativa de criar um roteiro, já que o ambiente é variável. Assim, não há como determinar, com certeza, quem vai ou não desenvolver a diabetes”. 

Em resumo, é por isso que é importante a compreensão de um médico e geneticista no que diz respeito a exames e testes genéticos. Os resultados apontam possibilidades com base em variáveis e diversos outros fatores. Caso ali, na leitura de um resultado de teste, o especialista encontre uma variável que geralmente está presente em quem tem diabetes, ou mesmo as relacionadas ao Alzheimer, ele poderá medir o grau de relevância, mudar para um âmbito diagnóstico e definir uma orientação inicial. 

Imagem: shutterstock/Hananeko_Studio

Por que o exame genético é importante? 

Muitos podem acreditar que fazer um teste genético não é algo necessário ou de tanta importância, principalmente quando falamos daquele teste tipo 2, do âmbito DTC (para o cliente), afinal, se não sinto nada, por que procurar? Porém, para muitos especialistas, sendo Mitne um deles, o tipo de exame funciona como forma de prevenção, beneficiando as pessoas curiosas, já que deixa elas com um passo à frente quando o assunto é saúde.

“No DTC, quem é a pessoa que se beneficia disso? É a pessoa curiosa! Em geral, a curiosidade é o que faz a gente se movimentar, e isso é o que traz o benefício, ter essa pulguinha atrás da orelha. Se o ‘será que’ se tornar uma verdade, a pessoa se torna muito mais aderente a determinados direcionamentos.” 

Posso confiar no teste genético? 

Sim, testes genéticos de empresas sérias e já conhecidas por sua credibilidade são confiáveis. Os testes genéticos partem da análise do DNA, processo de identificação criado em 1985 pelo geneticista Alec Jeffreys, na Universidade de Leicester, na Inglaterra. A partir disso, e com avanço da ciência e diversos estudos, mais métodos e formas de rastreamentos começaram a ser identificados. 

Miguel Mitne destacou, no entanto, que pode, sim, surgir resultados de indivíduos que apresentam determinadas variantes, mas que nunca desenvolveram a doença relacionada, e isso tem total relação com o tema sobre a complexidade dos genes e suas variáveis que mencionamos anteriormente. 

“A informação que está lá é sobre o DNA da pessoa. A interpretação clínica disso depende de todo um contexto do indivíduo. Por isso, o cliente curioso que não tem nenhuma doença precisa de uma orientação do aconselhador para dizer ‘olha, isso aqui quer dizer que você tem ou não uma maior pré-disposição ao câncer’, por exemplo”. 

Imagem ilustra o profissional responsável pela segurança e privacidade de dados de uma empresa, o DPO
Crédito: Shutterstock

Uso dos dados de testes genéticos e a LGPD 

Desde a chegada da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), com vigência a partir de 2020, plataformas estão mais atentas a respeito do uso e tratamento de dados, principalmente no que diz respeito à saúde e aos dados sensíveis. De forma geral e simples, a regra é clara: dados de pacientes só poderão ser coletados e armazenados em sistemas com a autorização dos mesmos.

No âmbito do diagnóstico, que se refere aos exames realizados por pacientes, os dados estão protegidos sob as exigências da LGPD a respeito das informações sensíveis do indivíduo, bem como outras informações que ficam sob código de sigilo entre médico e paciente. Na opção DTC – ao consumidor -, os dados também estão sob proteção da lei e um termo de consentimento é assinado para que o cliente tenha conhecimento de como os dados serão tratados. A ação é importante tanto para o consumidor (paciente ou cliente), que fica atento ao uso das suas informações e pode recorrer no caso de vazamentos, e também para a empresa, que com os cuidados e adequação evita a perda de dados e outras dores de cabeça jurídicas.

“Os dados de exames são dados pessoais sensíveis e por tal razão devem ser tratados com maior rigidez e segurança. [Conforme] Nos termos do art. 11 ao 13 da LGPD, eles não podem ser compartilhados ou usados em regra geral para finalidades diversas sem o consentimento do titular, sendo apenas admitido o uso sem o consentimento em casos excepcionais como por exemplo determinação legal para controle de uma pandemia”, afirmou Leandro Alvarenga, advogado especializado em LGPD, em entrevista ao Olhar Digital.

Pode ocorrer a necessidade de um termo de consentimento em casos clínicos – para o uso de dados em estudos, por exemplo. Contudo, não há necessariamente uma exigência quanto às pesquisas, ficando mais a critério de um ponto de vista ético. Isso porque a lei exige que dados de algumas doenças, como foi no caso da Covid-19 mencionado por Alvarenga, sejam divulgados em prol do bem-estar coletivo e para o avanço de investigações (principalmente em situações de doenças raras, erradicadas ou desconhecidas). Neste âmbito, a regulação pede que, quando possível, os dados sejam divulgados de forma anônima.

“Na parte de regulação legal obrigatória, uma portaria determina que você passe os dados para o governo federal em casos de doenças infectocontagiosas, como Ebola ou varíola dos macacos, para decidir políticas públicas. Mas [para outros casos] tudo depende de como o dado está tratado e o tipo de exame”, esclareceu o advogado especialista.

No caso dos testes de genética voltados ao consumidor, os dados se encaixam no âmbito de dados sensíveis, portanto, sendo regidos pela mesma lei de testes em âmbito diagnóstico.

“O mais importante para o cliente é como a gente explica a finalidade desses dados. ‘Por que eles serão incorporados na plataforma? Iremos tratá-los dessa tal forma, vamos extrair essa e essa informação e te entregar os resultados’. Mas tem toda uma camada de segurança [no processo] e níveis de proteção”, garantiu o geneticista Mitne.

Aqui vale lembrar que o titular dos dados tem direito a acessar as informações, bem como o de revogar o consentimento ao uso dos dados.

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