Seu nome é Caverna de Royston. Ela leva este nome por estar situada na cidade de mesmo nome – Royston -, localizada a 75 km de Londres, na Inglaterra. Seu design é de um buraco no chão com diversas figuras – que podemos considerar mal escavadas.

Só que o que impressiona nessa caverna não é seu design, tampouco a forma como os desenhos foram entalhados, mas, sim, o que foi desenhado: rostos sem expressão com instrumentos de tortura em suas mãos.

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Seu administrador, Nicky Paton, falou sobre cada uma delas. “Aquela é Santa Catarina, na roda de execução. Ela tinha apenas 18 anos quando foi martirizada”, contava ele, animado, ao repórter Daniel Stables, da BBC Travel. “E aquele é São Lourenço. Ele foi queimado até a morte sobre uma grelha.”

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Além de imagens cristãs, vê-se algumas pagãs, como um grande cavalo e uma sheela na gig, símbolo de fertilidade representado por uma mulher com órgãos sexuais exagerados.

Há ainda uma pessoa com um crânio em uma mão e uma vela na outra (“Ser ou não ser, eis a questão”?), aparentando uma espécie de cerimônia de iniciação, o que poderia indicar o real propósito desse buraco no meio de uma cidade britânica.

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Como se não bastasse a bizarrice dessas figuras, há uma ainda mais assustadora – a que mostra a execução rudimentar dessa figura, quase infantil.

Descoberta há três séculos

A caverna foi descoberta em 1742, por um trabalhador que estava escavando as fundações de novo espaço do mercado de manteiga da cidade. Ele encontrou uma pedra de moinho enterrada, que escondia a construção.

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Como sabemos, a cultura há 300 anos era diferente das atuais, o que nos faz entender o porquê de terem, então, deixado um garoto que estava de passagem ter recebido uma vela e baixado ao poço recém-descoberto para analisá-lo. A população pensava que haveria um tesouro escondido ali.

Mas então, o garoto descobriu uma xícara quebrada, joias, um crânio, ossos humanos e as famosas paredes gravadas com os rostos inexpressivos.

“O que torna a caverna tão curiosa para os visitantes e historiadores é que ela ainda é um enigma – até hoje é um mistério quem a fez, quando e por quê”, afirma Paton. “Principalmente porque não existe documentação sobre a sua existência antes daquela descoberta acidental. Nenhum livro, nenhum desenho, nenhum diário – nada que sugerisse que ela estava ali.”

Desde aqueles tempos, muitas teorias acerca da origem da caverna cercam-na. Os ligados ao esoterismo afirmam que o local está na interseção de duas linhas de ley (caminhos antigos que acredita-se conectar lugares com poderes espirituais). Como exemplo, a Linha de Michael atravessa os círculos de pedra de Stonehenge e Avebury, ambos também localizados no Reino Unido.

Também é possível verificar que a Caverna de Royston está localizada exatamente abaixo do entroncamento de duas antigas estradas de grande importância: a via Icknield e a rua Ermine. A primeira é uma estrada histórica que corre ao longo da escara de giz do sul da Inglaterra, indo de Norfolk a Wiltshire. Já a segunda é uma estrada romana que, originalmente, ligava Londres a York.

Atualmente, apenas uma lápide resta de uma cruz que estava instalada na junção das duas estradas, denominada Lady Roisia, nobre mulher local, de quem acredita-se que a cidade tenha herdado seu nome.

Vista aérea da parte sul de Royston (Imagem: Tom Curtis/Shutterstock)

Primeiras impressões sobre sua origem

Ainda em 1742, dois meses depois da descoberta do espaço, o antiquário William Stukeley começou a escrever sobre seus primeiros estudos acerca do que ele acreditava ser seu propósito.

Stukeley observou que as cruzes eram comuns nos principais entroncamentos da cidade. Elas tinham como propósitos naquela época – na qual a religiosidade era muito importante e os índices de alfabetização baixos -: “relembrar as pessoas de fazer suas orações e guiá-las para o caminho a que elas queriam ir.”

Quem era religioso, segundo o antiquário, construía “celas e grutas em rochas, cavernas e ao lado das estradas”, guiando e rezando pelos viajantes que por ali passavam.

Na própria caverna, há outro importante símbolo religioso: um grande entalhe de São Cristóvão, o santo padroeiro dos viajantes. Isso dá mais credibilidade ao escrito de Stukeley.

Cavaleiros Templários?

Mas, apesar do que Stukeley defendeu, a população local ficou mais fascinada com outra teoria. Alguns defendiam que a caverna foi esconderijo dos Cavaleiros Templários, ordem guerreira religiosa que defendia interesses da Igreja Católica e que acumulou inúmeros tesouros e influência por toda a Europa, até ser censurada e violentamente eliminada em 1307 (entre esses tesouros, estaria a Arca da Aliança, e todos eles podem estar hoje enterrados na famosa ilha de Oak Island).

Esta teoria ganhou força, pois os Templários fundaram a cidade próxima, Baldock, em 1140, além da existência de documentos que comprovam o comércio semanal com o mercado de manteiga de Royston entre 1149 e 1254.

A historiadora local, Sylvia Beamon, crê que a caverna era uma estrutura que já existia, mas que foi utilizada pelos Templários para o armazenamento de alimentos perecíveis, para suas diversas orações diárias e também para passarem a noite nos dias de mercado, quando passaram a ser malvistos e impedidos de entrarem no priorado de Royston após inúmeras disputas com o prior local, todas elas documentadas.

“Uma capela templária provavelmente se tornou uma necessidade maior do que qualquer outra coisa”, escreveu ela no seu livro Royston Cave: Used by Saints or Sinners? (A Caverna de Royston: usada por santos ou pecadores?, em tradução livre), publicado em 1992. “Ela fornecia refúgio noturno para os comerciantes templários e… um armazém para os produtos do mercado.”

Caverna encontra-se no subterrâneo de Royston. O que mais está escondido? (Imagem: Metin Celep/Shutterstock)

Datação dos entalhes

A historiadora entende que o formato circular da caverna se refere à Igreja do Santo Sepulcro em Jerusalém, além de ter sugerido que os entalhes que cobrem as paredes dela de cima a baixo possuem símbolos da arte templária, a saber, ilustrações de símbolos do coração e de Davi, rei bíbilico.

Contudo, não é possível comprovar suas origens. Apesar de que a crença popular seja de que a caverna fora pintada com cores brilhantes, não há mais tanto pigmento restante, além de que o que sobrou está contaminado, impedindo assim a datação por carbono 14.

Além disso, infelizmente, não existe nenhum outro material orgânico em seu interior que possa ser datado. “E os restos humanos?”, você pode se perguntar. Pois bem, estes se perderam há muito, considerando, inclusive, os quase 300 anos passados desde a descoberta do local, além do pouco zelo que havia em muitas regiões do planeta até, talvez, o século XIX.

Dessa forma, a maneira mais confiável para datar os entalhes é o chamado exame estilístico, conduzido em 2012 pelo Museu de Armas de Leeds, Inglaterra. Essa análise concluiu que as roupas curtas dos homens e os chapéus e penteados das mulheres indicam que o local deve ser do período compreendido entre 1360 e 1390, sendo que a imagem de São Cristóvão também foi datada dessa época.

A pesquisa indicou que é improvável que qualquer um dos entalhes seja de antes de 1350, um século depois dos trabalhos dos Templários em Royston e décadas após sua extinção.

Ainda, os entalhes possuem iconografias cristãs, sem simbolismo comumente associados aos cavaleiros, como ilustrações do Santo Sepuclro e da Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém, ou, ainda, de dois cavaleiros em um só cavalo.

Apesar de os Templários serem conhecidos por construírem igrejas redondas, a forma circular da Caverna de Royston não indica necessariamente uma ligação com os cavaleiros religiosos. Isso porque a maior parte das igrejas redondas encontra-se na Escandinávia, região esta na qual os Templários jamais estiveram.

Mesmo os símbolos pagãos encontrados na caverna, como a sheela na gig, não são tão misteriosos assim. Ela também aparece em igrejas medievais do Reino Unido e em outras regiões europeias.

Dessa forma, a pergunta que fica é o porquê dessa possível conexão com os Templários. É possível que, em 1742, as mesmas suposições que remontam a uma ótima história nos dias atuais também estivessem em seu imaginário da mesma forma – talvez, até mais empolgante do que atualmente.

“O risco é que as pessoas tenham tentado contar histórias desde o primeiro dia: ‘venham ver a caverna dos Templários!'”, afirma Tobit Curteis, outro responsável pela conservação da caverna. “Só porque alguém inventou uma história 300 anos, não quer dizer que ela fosse mais verdadeira naquela época do que é hoje.”

Por sua vez, a professora, historiadora medieval e autora de vários livros sobre os cavaleiros, Helen Nicholson, concorda com Curteis. “As pessoas na Inglaterra são fascinadas pelos templários desde que eles foram proibidos, no século XIV”, afirma.

Além disso, os julgamentos dos Templários após sua proibição estavam cercados de acusações de condução de cerimônias ocultas em lugares secretos subterrâneos – e qual o melhor lugar para isso senão a Caverna de Royston?

“Na verdade, são histórias de terror góticas”, afirma Nicholson. “Elas provavelmente foram inventadas porque as pessoas que haviam trabalhado com os Templários sofriam forte pressão dos inquisidores papais para dizer algo que confirmasse as acusações.”

“De qualquer forma, essas histórias provavelmente são o motivo por que os entalhes da caverna de Royston [foram] atribuídos aos Templários. Na realidade, os templários não eram uma ordem subterrânea”, conclui a professora.

Razões que causam a fascinação pela caverna

Curteis indica que a verdadeira fascinação pela caverna se dá por sua sobrevivência e redescoberta. “Perdemos 99% das outras obras de arte daquele período, de forma que a caverna é incrivelmente especial”, afirma ele. “Mas talvez não pelas razões que algumas pessoas imaginam.”

Claro que o local não deixa de ser misteriosa, pois é fato que alguém, em 1300, fez os incríveis entalhes, que, assim como os objetos encontrados cerca de 400 anos depois, seguem inexplicáveis, e talvez assim permaneçam para sempre.

Com informações de Época Negócios, BBC Travel e BBC Brasil

Imagem destacada: SevenMaps/Shutterstock

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