Enquanto analisava um manuscrito medieval raro na Inglaterra, a estudante de doutorado em história Jessica Hodgkinson notou algo incomum: uma série de pequenos recortes pouco visíveis na parte inferior de algumas páginas. Juntas, as marcas formavam o nome feminino Eadburg, além de rabiscos misteriosos.

A equipe de pesquisa liderada pela doutoranda acredita que esses esboços foram produzidos por uma mulher de alto nível social, tendo em vista que, há 1,2 mil anos (idade estimada do achado), era uma época em que apenas a elite sabia ler e escrever. Para eles, Eadburg é o nome da pessoa que fez as anotações.

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Aplicação da tecnologia ARCHiOx para análise das letras inscritas na parte inferior de uma das páginas do manuscrito. Créditos: Jessica Hodgkinson e John Barrett

Embora o significado dos esboços quase invisíveis nas páginas não seja claro – em um caso, eles retratam uma pessoa com os braços estendidos, alcançando outra pessoa que está segurando uma mão como se quisesse detê-los – os cientistas sugerem que Eadburg escreveu seu nome para destacar passagens do texto – uma cópia dos “Atos dos Apóstolos” que foi feita no sul da Inglaterra entre os anos de 700 e 750.

“Atualmente, identificamos cinco instâncias do nome de Eadburg escritas na íntegra em cinco páginas diferentes do manuscrito”, disse Hodgkinson por email ao site Live Science. “Outras formas abreviadas do nome – incluindo E, EAD e EADB – foram encontradas nas margens dessas e de outras páginas mais de 10 vezes até agora”.

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Hodgkinson conta que avistou o nome Eadburg, precedido por uma cruz, enquanto estudava o manuscrito medieval raro na Biblioteca Weston, que faz parte das Bibliotecas Bodleianas da Universidade de Oxford.

Sua equipe aplicou uma tecnologia de imagem desenvolvida pelo projeto Análise e Gravação do Patrimônio Cultural Bodleiano em Oxford (ARCHiOx), em colaboração com a Fundação Factum (um grupo sem fins lucrativos com sede na Espanha que busca preservar obras de arte antigas com tecnologia digital). 

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De cima para baixo: 1) Uma renderização não editada da superfície 3D da parte inferior da página 18 com a inscrição agora visível. 2) Uma versão aprimorada feita pelo remapeamento tonal. 3) Uma versão anotada digitalmente. 4) A anotação digital com a renderização removida. Créditos: Jessica Hodgkinson e John Barrett

Segundo John Barrett, líder técnico do projeto ARCHiOx, as palavras e desenhos ocultos no manuscrito raro foram revelados usando um método chamado registro estéreo fotométrico, que examina o material sob diferentes condições de iluminação para construir um modelo 3D de sua superfície. Barrett explica que o método pode revelar marcas tão rasas quanto um quinto da largura de um cabelo humano.

A técnica revelou os esboços deliberados deixados pela misteriosa Eadburg. Tais marcas sem tinta, conhecidas como “ponto seco”, foram descobertas em outros manuscritos medievais, mas, na maioria das vezes, consistem apenas em cruzes simples para destacar seções do texto.

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De cima para baixo: 1) Captura utilizando iluminação convencional. 2) Detalhe da renderização 3D não editada da inscrição. 3) Anotação digital da inscrição. 4) Imagem mostrando a anotação digital aplicada na posição exata em que foi gravada usando tecnologia estéreo fotométrica. Créditos: Jessica Hodgkinson e John Barrett

“As adições de Eadburg ao manuscrito são incomuns e emocionantes”, disse Hodgkinson. “Elas mostram o nome de mulher várias vezes, inclusive como parte de uma inscrição mais longa que poderia ter sido escrita na língua vernácula do inglês antigo, ao lado de uma série de desenhos intrigantes”.

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Não é possível saber se a própria Eadburg fez os escritos secretos, mas é a situação mais provável. “Atualmente, isso não pode ser definitivamente determinado”, disse Hodgkinson. “Analisarei as inscrições para entender melhor seu sentido e significado”.

Ela espera entender mais sobre os misteriosos escritos e desenhos, e talvez até mesmo descobrir quem foi Eadburg. A hipótese mais provável aponta para uma senhora que serviu de abadessa de uma comunidade religiosa feminina em meados do século 8. No entanto, existem mais sete mulheres com esse nome nos registros da época.

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