Arqueólogos encontraram o que aparenta ser resíduos de sangue de 13 mil anos de grandes mamíferos, provavelmente mamutes e mastodontes, em 120 pedras afiadas usadas pelo antigo povo Clóvis – uma cultura americana pré-histórica que viveu na fase final da última Era do Gelo.

“Esta é a primeira evidência direta da caça e esquartejamento desses animais no leste dos EUA”, disse Christopher R. Moore, professor pesquisador da Universidade da Carolina do Sul e principal autor do artigo que detalha a descoberta, publicado este mês na revista Nature Scientific Reports

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Se confirmados, esses resultados trazem nova luz sobre o que pode ter causado a extinção de herbívoros gigantes da Era do Gelo, uma questão que está assumindo maior importância à medida que os humanos enfrentam taxas crescentes de extinção entre muitos dos animais com quem compartilhamos o planeta. 

Resíduo de sangue encontrado em ferramentas de pedra atribuídas ao antigo povo Clóvis sugere a caça de animais de grande porte, como o mastodonte, no leste dos EUA no fim da última Era do Gelo. Crédito: Ed Jackson/Universidade da Geórgia

Caça foi responsável pela extinção de grandes mamíferos na Era do Gelo?

Alguns especialistas afirmam que os primeiros humanos da América caçavam mamutes e mastodontes à beira da extinção. Outros citam mudanças ambientais, um impacto de asteroide ou fragmento de cometa, ou, ainda, alguma combinação de fatores como as razões mais prováveis pelas quais aquelas espécies desapareceram da paisagem.

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“Na África, [os grandes mamíferos] estão sendo rapidamente erradicados da maioria das áreas pela caça ilegal e perda de habitat”, disse Moore. “Essas extinções terão efeitos profundos e permanentes no ecossistema do continente, removendo os grandes herbívoros. A mesma transformação do ecossistema aconteceu na América do Norte há 13 mil anos”.

Há quem conteste essa teoria, alegando ser improvável que o resíduo de sangue tenha sobrevivido a milhares de anos sem ser contaminado.

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Alguns estudiosos contestam a análise alegando ser improvável que o resíduo de sangue tenha sobrevivido a milhares de anos sem ser contaminado. Crédito: Moore, C.R., Kimball, L.R., Goodyear, A.C. et al.

“Muitos pesquisadores, incluindo eu, duvidam da validade de alguns dos estudos que fazem de resíduos de sangue”, disse Joseph Gingerich, professor associado de antropologia da Universidade de Ohio, que pesquisa o povo Clóvis há 20 anos, em entrevista ao jornal The Washington Post. Embora tenha elogiado os autores do estudo por examinarem um grande volume de amostra de pedras, ele afirma que a técnica de análise usada já produziu resultados falhos antes.

Um estudo de 2014 mapeou o esquema genético de um esqueleto masculino de Clóvis e concluiu que “cerca de 80% de todas as populações nativas americanas atuais nos dois continentes americanos são descendentes diretos dessa família”.

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Segundo Moore, até agora, os estudiosos não sabiam “quase nada” sobre a dieta daquele povo na parte oriental dos EUA. “Esse é o nosso grande problema em termos de entender o povo Clóvis na Carolina do Sul, Carolina do Norte e estados vizinhos”, disse ele. “Eles caçaram? Os grandes mamíferos estavam aqui? Os nativos os caçavam?”.

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Estudo usou técnica de análise criminal para identificar sangue

Para descobrir, Moore viajou pela Carolina do Sul coletando pontos da era Clóvis de museus, coleções particulares e bases militares. Ele providenciou para que todos os artefatos fossem testados em um laboratório em Portland, Oregon, e depois os embalou em uma caixa de proteção. 

Os artefatos foram lavados em banho ultrassônico com solução fraca de amônia para remoção dos resíduos proteicos. Os funcionários do laboratório então testaram os resíduos por meio de uma técnica chamada imunoeletroforese cruzada, que já foi usada para identificar sangue ou sêmen de cenas de crime. 

Os pesquisadores testaram os resíduos por meio de uma técnica chamada imunoeletroforese cruzada, que já foi usada para desvendar crimes. Crédito: Saiful52/Freepik

Esse método aproveita a forma como o sistema imunológico responde a substâncias estranhas, ou antígenos, confrontando-os com proteínas chamadas anticorpos, produzidas pelo organismo. O laboratório testou os resíduos contra anticorpos retirados de várias famílias de animais. 

Foram detectadas cinco correspondências para Proboscidea, uma ordem de grandes mamíferos que inclui elefantes modernos, bem como mastodontes, mamutes e gomphotheres extintos, que eram animais semelhantes a elefantes com dentes especiais para pastar. Resíduos de outras pedras correspondiam a animais da família dos cavalos e de mamíferos ruminantes, como bisões.

O método de teste de resíduos usado pela equipe de Moore “é uma técnica mais antiga que não é muito usada no trabalho atual [criminal]”, disse Cynthia Zeller, professora associada de química no Laboratório de Identificação de Restos Humanos da Universidade Towson. “A última vez que usei foi há pelo menos 20 anos”.

Zeller, que trabalhou na Divisão de Ciências Forenses da Polícia do Estado de Maryland, disse que a técnica é confiável, mas foi substituída por métodos que fornecem resultados mais rápidos.

Alguns pesquisadores expressaram dúvidas de que resíduos encontrados em facas de pedra ou pontas de lança poderiam ter sobrevivido milhares de anos sem serem levados pela chuva ou contaminados por urina ou fezes de animais. No entanto, Moore disse que os resíduos de proteína se acumulam em microfissuras na pedra e ficam selados e protegidos por argila e outros sedimentos.

Zeller, no entanto, achou os testes de resíduos convincentes porque revelaram proteínas de mamíferos semelhantes a elefantes, “e os elefantes não vagam pelos EUA há algum tempo”.

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