Não importa o idioma ou as diferenças entre as espécies: a linguagem das emoções é universal. Um artigo publicado quarta-feira (9) na revista Proceedings of the Royal Society B revela uma intrigante conexão emocional entre crocodilos e seres humanos, demonstrando que o sofrimento é um elo que transcende as espécies. 

Investigando o fascinante mundo da bioacústica, os autores do estudo descobriram como os crocodilos-do-Nilo (Crocodylus niloticus) reagem aos choros e gemidos de bebês humanos e primatas, evidenciando uma comunicação emocional surpreendente entre animais diferentes.

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Liderado por cientistas do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, o estudo mergulhou nas margens de lagoas em um zoológico no Marrocos para observar como os crocodilos se comportam. 

Os pesquisadores equiparam alto-falantes controlados remotamente, por meio dos quais reproduziram gravações de choros de bebês humanos, bonobos e chimpanzés. O resultado foi fenomenal: os crocodilos, notórios predadores africanos que podem atingir impressionantes 18 metros de comprimento, foram atraídos pelos sons angustiantes.

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Experimento com crocodilos-do-nilo descobriu que esses animais reagem a choros de bebês humanos e primatas. Crédito: Clayton Harrison – Shutterstock

Sofrimento é compartilhado entre diferentes espécies

Nicolas Grimault, diretor de pesquisa bioacústica e um dos autores do estudo, ressaltou a relevância dessas descobertas. “O sofrimento é algo compartilhado por espécies muito distantes”. 

A pesquisa sugere que os gemidos infantis, embora atrativos como possíveis refeições, podem também suscitar uma resposta de ajuda por parte dos crocodilos, subvertendo a visão convencional desses répteis temíveis. Ou seja, é possível que eles tivessem sido atraídos por um “sentimento” de preocupação – e não simplesmente por encontrarem nesses sons a possibilidade de uma refeição estar por perto.

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Embora as respostas variassem entre eles, quase todos os crocodilos tiveram reações à reprodução dos sons de angústia. A cientista cognitiva Piera Filippi, da Universidade de Zurique, na Suíça, destacou que as descobertas têm implicações profundas para a sobrevivência dessas criaturas e enfatizou a importância de reconhecer os complexos mecanismos que impulsionam a interação entre diferentes espécies.

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Gênero dos crocodilos pode influenciar nos resultados

Alguns questionamentos ainda permanecem. O sexo dos crocodilos, por exemplo, não pôde ser determinado pelos pesquisadores devido a limitações práticas. J. Sean Doody, biólogo conservacionista da Universidade do Sul da Flórida, nos EUA, ressaltou a relevância dessa lacuna de informação, afirmando que a identificação do gênero poderia oferecer percepções cruciais para compreender se a resposta dos crocodilos era motivada por instintos predatórios ou parentais.

Alguns crocodilos tentaram morder os alto-falantes, provocando uma reação inesperada em outros. “Vimos um crocodilo que veio e tentou defender o alto-falante de outros. Ele colocou seu corpo na frente do alto-falante e se virou para enfrentar seus companheiros predadores”, relatou Grimault ao jornal The New York Times.

O estudo também suscitou reflexões sobre a dualidade desses répteis. A capacidade de reconhecer e reagir a gritos angustiados pode ser uma manifestação de seu papel como pais zelosos, desafiando o entendimento comum de que eles sejam meros caçadores implacáveis. A flexibilidade nas respostas sugere uma complexidade surpreendente no comportamento desses animais.

Em última análise, essa pesquisa nos leva a repensar nossa compreensão das interações entre espécies e nos mostra que, sob a aparência temível dos crocodilos, há nuances emocionais e comportamentais profundamente arraigadas. 

Os resultados do estudo nos convidam a reconsiderar a percepção que temos dos reinos animais e a reconhecer que a linguagem das emoções não conhece fronteiras, unindo até mesmo os seres mais improváveis em um elo inesperado de compreensão e comunicação.

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