Cientistas da área de física do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) conseguiram aprisionar elétrons em um cristal puro pela primeira vez. Essa conquista inédita permitiu a formação de uma banda eletrônica plana em um material tridimensional. Além disso, os pesquisadores mostraram que, por meio de manipulação química, é possível transformar o cristal em um supercondutor, um material que conduz eletricidade sem resistência.

O que você precisa saber:

  • A possibilidade de aprisionar elétrons em um estado coletivo, conhecido como banda eletrônica plana, abre caminho para o estudo dos efeitos quânticos entre elétrons e comportamentos exóticos, como a supercondutividade e formas únicas de magnetismo.
  • Esses fenômenos podem ter aplicações futuras na otimização de linhas de transmissão de energia ultraeficientes, na criação de bits quânticos para supercomputadores e no desenvolvimento de dispositivos eletrônicos mais rápidos e inteligentes.
  • A estrutura atômica do cristal é fundamental para a formação do estado aprisionado dos elétrons.
  • Os cientistas sintetizaram o cristal com uma disposição de átomos que se assemelha aos padrões entrelaçados da arte japonesa de cestaria, conhecida como “kagome”.
  • Nessa geometria específica, os elétrons ficam “enjaulados”, em vez de saltarem entre os átomos, e se acomodam na mesma banda de energia.
  • A equipe de pesquisa afirma que esse estado de banda plana pode ser obtido com praticamente qualquer combinação de átomos, desde que eles estejam dispostos na geometria tridimensional inspirada no “kagome”.
  • Os resultados obtidos, publicados na revista Nature, fornecem uma nova maneira de explorar estados eletrônicos raros em materiais tridimensionais.
  • No futuro, esses materiais podem ser otimizados para viabilizar linhas de transmissão de energia ultraeficientes, bits quânticos em supercomputadores e dispositivos eletrônicos mais rápidos e inteligentes.

Agora que sabemos que podemos criar uma banda plana a partir dessa geometria, temos uma grande motivação para estudar outras estruturas que possam apresentar novos fenômenos físicos e servir como plataforma para novas tecnologias.

Joseph Checkelsky, autor do estudo e professor associado de Física do MIT

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Armadilha em 3D para elétrons

Recentemente, físicos alcançaram sucesso ao aprisionar elétrons e confirmar o estado plano eletrônico em materiais bidimensionais. Entretanto, cientistas identificaram que elétrons aprisionados em duas dimensões podem facilmente escapar pela terceira, tornando desafiador manter estados planos em 2D.

Em sua nova pesquisa, Checkelsky, Comin e seus colaboradores buscaram concretizar bandas planas em materiais 3D, onde elétrons seriam aprisionados em todas as três dimensões, permitindo uma manutenção mais estável de estados eletrônicos exóticos. A equipe concebeu a ideia de que padrões kagome poderiam desempenhar um papel crucial.

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Em trabalhos anteriores, a equipe observou elétrons aprisionados em uma grade bidimensional de átomos, semelhante a alguns designs kagome. Quando os átomos eram organizados em um padrão de triângulos interconectados e compartilhando cantos, os elétrons eram confinados no espaço hexagonal entre os triângulos, ao invés de saltarem pela grade. No entanto, assim como outros pesquisadores, constataram que os elétrons podiam escapar pela terceira dimensão.

A equipe indagou: uma configuração 3D de grades semelhantes poderia funcionar para confinar os elétrons? Em busca de uma resposta, exploraram bancos de dados de estruturas de materiais e depararam-se com uma configuração geométrica específica de átomos, geralmente classificada como pirocloro — um tipo de mineral com geometria atômica altamente simétrica.

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A estrutura 3D do pirocloro formava um padrão repetitivo de cubos, sendo que a face de cada cubo assemelhava-se a uma grade kagome. Descobriram que, teoricamente, essa geometria poderia efetivamente aprisionar elétrons dentro de cada cubo.

Pousos acidentados em terreno rochoso

Para testar a conjectura, os cientistas sintetizaram, em laboratório, um cristal de pirocloro. Realizaram medições da energia de elétrons individuais no cristal para verificar se estavam na mesma banda plana de energia. Através da espectroscopia de fotoemissão com resolução angular, conseguiram superar os obstáculos das superfícies irregulares em materiais tridimensionais.

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Analogamente a pousar um helicóptero em pequenas plataformas em um terreno rochoso, a equipe mensurou as energias de milhares de elétrons em um cristal sintetizado em cerca de meia hora. Confirmaram que, majoritariamente, os elétrons no cristal exibiam a mesma energia, validando o estado plano em 3D do material.

Para investigar se poderiam manipular os elétrons coordenados para um estado eletrônico exótico, os pesquisadores sintetizaram o mesmo cristal com átomos de ródio e rutênio em vez de níquel. Calculando teoricamente que essa troca química deveria resultar em uma banda plana de energia zero, descobriram que, de fato, ao sintetizar um novo cristal com uma combinação ligeiramente diferente de elementos, na mesma geometria tridimensional kagome, os elétrons do cristal exibiram uma banda plana, desta vez em estados supercondutores.

“Isso introduz um novo paradigma para pensar sobre como descobrir materiais quânticos novos e fascinantes”, afirma Comin. “Demonstramos que, com esse ingrediente especial dessa disposição atômica capaz de aprisionar elétrons, sempre encontramos essas bandas planas. Não é apenas uma coincidência. Daqui em diante, o desafio é otimizar para alcançar a promessa de materiais de banda plana, potencialmente mantendo a supercondutividade em temperaturas mais elevadas.”