As baterias de íons-lítio são fundamentais para a produção de veículos elétricos, um setor que está ganhando cada vez mais força em todo o mundo. No entanto, o descarte dessas baterias ainda é um problema ambiental e pesquisadores espalhados pelo planeta tentam buscar alternativas para reverter o atual cenário. No Brasil, um dos trabalhos mais avançados é conduzido no Center for Advanced and Sustainable Technologies (Cast), da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em São João da Boa Vista (SP).

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Baterias de lítio

  • Uma bateria de íons-lítio é composta por várias pequenas pilhas, chamadas de células, que formam um pacote maior.
  • A primeira etapa de qualquer processo de reciclagem ou reaproveitamento de baterias é o desmembramento desse pack. 
  • O procedimento mais tradicional prevê a detecção das células que ainda estão aptas a formar um novo pacote, dando origem a uma bateria de segunda vida.
  • As células que chegaram ao fim de sua vida útil são encaminhadas para o descarte.
  • E são elas o foco do trabalho dos pesquisadores brasileiros.
  • As informações são da revista Pesquisa FAPESP.

Reciclagem dos produtos

As metodologias em desenvolvimento pelos pesquisadores recorrem a processos de hidrometalurgia, que preveem a lixiviação, ou seja, a separação dos metais contidos nas baterias (como cobalto, lítio, cobre, grafite e alumínio) por sua contínua dissolução em meio aquoso.

Nossas técnicas possibilitam a recuperação e o reaproveitamento de materiais com potencial tóxico e estimulam a economia circular. Com isso, é possível reduzir o impacto ambiental que seria gerado por novas atividades minerais.

José Augusto de Oliveira, engenheiro ambiental e coordenador do Cast

A sequência do processo desenvolvido na Unesp envolve a separação de todos os componentes das células, como os plásticos contidos no invólucro e usados como isolante entre a estrutura metálica e o material interno. Esse último é constituído pelo cátodo (polo positivo da bateria), uma lâmina de alumínio onde estão os óxidos de lítio e de cobalto, pelo ânodo (polo negativo), uma lâmina de cobre envolvida em grafite, e por uma membrana plástica que faz a separação entre os dois polos. Por estar em contato com ambos, essa membrana pode conter grafite e óxidos metálicos.

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O desmanche da célula é feito manualmente, com o auxílio de máquinas para cortar. As folhas metálicas obtidas são submetidas a um banho com uma solução química aquosa criada para remover o cobre e o alumínio, que já saem do processo prontos para a reutilização. Já o grafite e os óxidos de lítio e de cobalto com alto grau de pureza são obtidos após a filtração das respectivas soluções. O processamento da membrana exige, igualmente, uma filtração e uma etapa posterior de separação para a purificação dos óxidos metálicos presentes nela.

Os reagentes químicos utilizados são de fontes orgânicas. Foram escolhidos para minimizar impactos ambientais e maximizar o benefício econômico e a segurança laboral. A tecnologia está sendo aprimorada. Só no final do processo, vamos conseguir calcular os impactos ambientais e a viabilidade econômica.

Mirian Paula dos Santos, pesquisadora responsável pelo processo de extração dos óxidos metálicos

O potencial econômico da metodologia é favorável. A etapa atual de desenvolvimento da técnica, que gerou um depósito de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em 2020, proporciona uma taxa de recuperação de 90% do óxido de lítio com 98% de pureza; quando contaminado com grafite, a taxa é de 50% de pureza.

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Esses resultados permitiram à Unesp fechar um acordo de desenvolvimento tecnológico e de licenciamento de uma versão de seu processo de reciclagem, com novos reagentes, com uma empresa brasileira com atuação global. Em um primeiro momento, o objetivo é utilizar a tecnologia para reciclar as baterias dos veículos que ela produz. Posteriormente, a companhia, cujo nome não pode ser revelado por questões contratuais, avalia com a Unesp uma estratégia comercial para viabilizar a oferta do serviço de reciclagem de forma abrangente a terceiros.

(Imagem: Léo Ramos Chaves/revista Pesquisa FAPESP)

Água como solvente

Outra técnica para reciclagem das baterias de íons-lítio em desenvolvimento no Cast segue uma rota não convencional, que utiliza água em condição supercrítica como solvente para recuperar os óxidos metálicos.

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Para isso, a água deve ser submetida a uma temperatura superior a 374 graus Celsius [oC] e a uma pressão de 240 atmosferas [atm]. Sob essas condições, já não há mais diferença entre seu estado líquido e gasoso. A água supercrítica, submetida a temperatura e pressão extremas, tem uma reatividade adequada para processar, tratar e extrair compostos inorgânicos, como os óxidos metálicos encontrados nas baterias de lítio.

Lúcio Cardozo Filho, engenheiro químico e responsável pelo projeto de pesquisa

Embora levar a água à condição supercrítica não seja algo simples, o fluido utilizado não precisa ser de boa qualidade, podendo ser água de reúso, e o processo não emprega nenhum reagente químico adicional para a extração dos óxidos metálicos.

A reciclagem de baterias de íons-lítio é um processo mais sustentável e econômico do que a retirada dos minerais da natureza. No caso do lítio, são necessários 100 quilos (kg) do mineral bruto para produzir 1,6 kg de lítio. Já um processo de reciclagem é capaz de recuperar 7 kg de óxido de lítio em cada 100 kg de bateria. A extração do minério tem alto impacto ambiental pelo uso intensivo de água, além de o refino ser eletrointensivo, com os materiais rochosos aquecidos a temperaturas acima de 1.000 ºC, o que consome muita energia.

A demanda global por armazenamento em baterias de lítio deve crescer de 700 gigawatts-hora (GWh) em 2022 para 4,7 mil GWh em 2030, de acordo com estudo da consultoria McKinsey. O aumento da demanda, dizem especialistas, faz com que a recuperação e o reaproveitamento dos materiais metálicos que formam essas baterias se imponham.