Quanto mais pessoas compram cartelas de loteira, mais é provável que alguma delas tenha a combinação de números vencedora. Essa mesma lógica é usada por alguns pesquisadores para justificar a existência de um multiverso: quanto mais planetas existirem nesses múltiplos universos, mais é provável que algum deles tenha as condições exatas para abrigar a vida humana.

Essa analogia embasa uma teoria física e filosófica de “ajuste fino”, em que um valor (seja numérico ou não) ou conjunto de valores muito específico são usados para explicar um fenômeno. No entanto, o filósofo e escritor britânica Philip Goff, em um artigo publicado no site The Conversation, prega que a existência ou não de um multiverso não é bem assim.

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Como a física entende o multiverso?

Nem os físicos têm certeza sobre o multiverso. Para os que acreditam na teoria do “ajuste fino”, ele poderia ser real justamente pelo exemplo inicial: são necessários múltiplos universos para que um seja habitável.

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Para embasar essa teoria, eles aplicam o exemplo à existência de matéria escura, a força que motivou a expansão do universo em primeiro lugar. Se ela fosse apenas um pouco mais forte, não conseguiria se manter unida e nunca chegaria a formar planetas, estrelas e nenhum outro tipo de astro. No entanto, se fosse apenas um pouco mais fraca, não suportaria a gravidade e teria se destroçado — da mesma forma, não formaria nada do que conhecemos hoje.

Ou seja, para que o universo se forme, um conjunto exato de fatores teve que acontecer, nem mais, nem menos. Essa mesma corrente de pensamento justifica a existência de um multiverso: para haver um planeta com as condições necessárias para vida, existem outros tantos que não têm as mesmas condições.

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universo
Existência de outros universos ainda não é uma certeza absoluta (Imagem: Nuamfolio / Shutterstock.com)

Multiverso pode não ser real

  • No entanto, Goff defende que isso é uma falácia. Ele dá um exemplo que desafia a teoria do “ajuste fino”.
  • Suponha que uma pessoa (a qual ele chama de Betty) esteja jogando bingo em um lugar do mundo. Ela é a única jogadora do local e, logo no primeiro minuto de sorteio, tira todos os números que precisa para completar a cartela.
  • Segundo a teoria do ajuste fino, outras pessoas teriam que estar jogando em outros lugares do mundo e não tendo seus números sorteados para que alguém tivesse esse conjunto de fatores exatos. Assim, não seria improvável que, de tantas pessoas, uma conseguisse o feito.
  • Goff defende que isso não faz sentido porque, por mais que possam haver outras pessoas jogando bingo no mesmo momento ao redor do mundo, é mais provável que Betty tenha tido apenas sorte.
  • A mesma coisa acontece ao girar um dado. É comum acreditar que quanto mais tiramos um número específico, como um seis, menos provável será tirá-lo na próxima rodada. Só que, na verdade, a probabilidade de tirar qualquer número em qualquer rodada é exatamente o mesmo.

Outras teorias

Outras teorias ainda dizem que, porque conhecemos nosso universo dessa maneira, não conseguimos imaginar outras situações, mas isso não significa que elas não existem. Seria a mesma coisa de dizer que Betty não poderia completar a cartela de bingo com outros números, apesar de saber que existem outras.

Apesar do caso ser verdadeiro, para Goff, ainda não justificaria a afirmação de que há outras pessoas jogando bingo.

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Imagem ilustrativa do Universo
(Imagem: NASA/Unsplash)

É real ou não?

A resposta é: não se sabe.

Goff menciona uma hipótese que poderia justificar a existência do multiverso. Os cientistas trabalham com uma teoria de inflação, em que o universo aumentou de tamanho ao longo do tempo, podendo ter criado outros universos. Se isso aconteceu uma vez, pode acontecer novamente e criar ainda mais universos dentro de um grande multiverso.

Do lado contrário, ele explica que os pesquisadores trabalham com evidências claras e a única evidência que se tem de um multiverso é na base da probabilidade.

O multiverso que tanto ouvimos falar pode ser real ou não, mas não saberemos a reposta tão cedo.