A vida sob o gelo da Antártida não é fácil. Com temperaturas que variam de -2°C a 10°C e uma cobertura permanente de gelo por boa parte do continente, o continente austral pode não parecer o melhor lugar do mundo para se viver. Apesar de tudo, a vida, principalmente a invertebrada, prospera sob a superfície fria do mar antártico e animais como os polvos vivem relativamente bem. Mas como é possível viver em um ambiente tão hostil?

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Como não congelam abaixo de 0°C?

Para responder a essa pergunta, uma equipe internacional, liderada pelo neuro-biólogo Gaddiel Galarza-Muñoz da universidade de Porto Rico resolveu olhar para os polvos antárticos do gênero Pareledone. Para entender melhor como esses animais sobrevivem ao frio intenso e meses de escuridão no polo sul, os cientistas analisaram uma curiosa mudança molecular que seria a chave para entender a vida desses animais.

Enzimas são proteínas especializadas produzidas pelo corpo para cumprir funções específicas. Elas funcionam acelerando e facilitando reações químicas que são vitais para a manutenção da vida. A história biológica das enzimas está diretamente ligada com a evolução da vida na terra. Codificadas pelos genes e sintetizadas dentro das células nos organismos vivos, cada enzima é altamente específica com relação às substâncias com as quais interage.

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Porém, enquanto as enzimas são cruciais na manutenção do funcionamento celular, elas são extremamente suscetíveis as condições ambientais. Altas temperaturas, variações extremas de pH e substâncias químicas específicas podem desnaturar as enzimas, comprometendo sua estrutura tridimensional e, consequentemente, sua capacidade catalítica. Esse processo de destruição ou inativação enzimática é muitas vezes reversível sob condições mais favoráveis, mas em alguns casos, pode levar à perda permanente da função enzimática.

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Imagem: Ilustração 3D de uma cadeia de aminoácidos (proteínas). Créditos: Christoph Burgstedt/Shutterstock

Sendo assim, para entender como os polvos antárticos vivem em águas congelantes, o melhor lugar para se olhar são as enzimas; o frio reduz a taxa de atividade enzimática em 30 vezes, e ainda assim os polvos permanecem vivos e saudáveis.

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Para desvendar esse mistério, a equipe interinstitucional de pesquisadores concentrou-se em uma das enzimas mais importantes do sistema nervoso – a bomba de íons sódio-potássio. Esta proteína fica na membrana celular, bombeando íons sódio para fora da célula e trazendo íons de potássio para dentro, um processo crucial para devolver os neurônios ao “repouso” após a atividade.

Para entender quais as diferenças entre os processos dos polvos antárticos, os pesquisadores analisaram primeiramente como as bombas de sódio-potássio funcionavam nos polvos Octopus bimaculatus, uma espécie similar, mas que habita águas mais quentes. Embora as bombas fossem em grande parte iguais, havia algumas diferenças entre as duas.

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Ao comparar ambos processos a equipe descobriu 12 mutações que conferiam tolerância ao frio, para os pesquisadores essas mudanças afetam como parte da bomba se movimenta na membrana celular. Eles acreditam que nos polvos antárticos a bomba se move com menos arrasto na membrana, permitindo que ela funcione de forma mais eficaz mesmo sob condições difíceis.

A pesquisa, que foi publicada no Proceedings of The National Academy of Sciences, traz uma nova maneira de olhar para as espécies que vivem em ambientes extremos como os polvos antárticos vivem. Além de trazer uma nova abordagem para estudarmos como esses animais evoluíram e prosperaram mesmo sob temperaturas tão congelantes.