De um lado, um país abaixo do nível do mar, do outro, a força sem dimensão das águas e seus fenômenos naturais: essa é a luta travada há mais de cem anos pelos Países Baixos, dando origem aos famosos diques da Holanda. Em suma, a construção nada mais é que uma estrutura construída para conter a entrada da água na região, sendo engenhosa e efetiva — salvo o dia em que, sim, ela falhou. 

Esta é mais uma reportagem de uma série especial sobre megaprojetos ao redor do mundo. O Olhar Digital já abordou também a maior ponte marítima do mundo, que fica na China, e a hidrelétrica de Itaipu, no Brasil, a maior do mundo em energia acumulada. 

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Leia mais! 

O que são os diques da Holanda? 

Implementado há mais de 100 anos, os diques da Holanda, também chamados de diques de fecho, nada mais são que morros artificiais gigantescos que separam o mar da região dos Países Baixos, isolando a área de norte a sul e evitando enchentes no país. 

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Com 32 quilômetros, o projeto foi construído em fases, com a barreira principal, chamada Afsluitdijk, levando cinco anos para ser levantada — a primeira parte do projeto, que adicionou experiência e mostrou o tamanho do problema aos engenheiros, começou lá em 1920. Grandioso, os diques vão até o fundo mar, sendo conhecidos não apenas por sua dimensão e importância, mas pelos trabalhadores envolvidos que, até hoje, são considerados heróis no país, dada a efetividade do megaprojeto. 

Afsluitdijk, no norte da Holanda. Imagem: shutterstock/Steve Photography
Afsluitdijk, no norte da Holanda. Imagem: shutterstock/Steve Photography
Imagem: shutterstock/Arjen de Ruiter

De forma simplificada, devido à localização dos Países Baixos, os holandeses aprenderam a ‘erguer o solo’ para ganhar firmeza contra a força das águas. Para a empreitada, foram usados restos de detritos moreia da própria região, além de blocos de pedra fundidos e fincados no mar. Além de, claro, muita pesquisa, mão de obra, materiais, barcos e máquinas. 

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  • Estima-se que 23 milhões de m³ de areia tenham sido utilizadas; 
  • Além de 13,5 milhões de m³ de material morênico; 
  • Durante a execução, de 4 a 5 mil operários trabalharam na obra dos diques. 

Com o “muro” erguido do lado Norte, a Holanda ganhou naturalmente rios e lagos (como o Ijsselmeer e Markermeer), o que causou um efeito interessante: água salgada fora e água doce dentro. Para mantê-los nos níveis de segurança, o país usa os famosos moinhos de vento para bombear a água para fora. 

Entendendo melhor: 

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  • O processo é mais ou menos o contrário de uma represa. Enquanto para a represa a área é isolada e alagada, no caso dos diques, a área é isolada e a água drenada com o auxílio de canais e bombas. É como se os holandeses estivessem empurrando o mar e ocupando o espaço da água — sim, é uma nação tentando avançar sobre o mar. 
  • O projeto seguiu com uma dinâmica semelhante ao trabalho de formigas, digamos. Barcos seguiam pelo traçado previsto para a barreira e depositavam o material entre duas linhas paralelas (a largura do dique). O espaço entre elas era preenchido até que sobressaísse o nível do mar.  
  • Imerso, o dique era então reforçado a partir de terra com rochas basálticas e ainda mais elevado com areia e argila, onde plantas foram posteriormente cultivadas. 
  • Depois dos trabalhos de finalização e polimento, o Afsluitdijk, principal dique que fica ao norte da Holanda, foi oficialmente inaugurado em 1933.

O dia em que os diques da Holanda falharam

Para se ter uma noção dos riscos enfrentados pela Holanda, um terço do país está dentro de uma área extremamente vulnerável a enchentes. Segundo informações do blog da Brazabe, de construções, a cidade que está a um nível mais baixo é a de Zuidplaspolder, situada a 6,80 metros abaixo do nível do mar. 

Embora hoje não se tema tanto as enchentes, já que o projeto foi sendo atualizado, tornando-se muito mais seguro com o tempo, em fevereiro 1953, quando já havia diques, uma tempestade violenta atingiu o Mar do Norte e, combinada com uma maré altíssima, resultou em um grande desastre. 

Diques foram arrebentados, especialmente no sul do país, nas províncias de Zeeland (Zelândia), e partes de Noord-Brabant (Brabante do Norte) e Zuid-Holland (Holanda do Sul) foram inundadas. Segundo informações do UOL, mais de 1.800 pessoas e 30 mil animais morreram. Fazendas ficaram submersas. Além disso, 70 mil residentes foram evacuados, aproximadamente 100 mil pessoas perderam seus lares, isso sem mencionar o impacto ambiental e de áreas férteis, todas tomadas pela água. 

Em 1953, os diques no sul da Holanda cederam (Foto: Rijkswaterstaat, Data-ICT-Dienst, Beeldarchief Rijkswaterstaat https://beeldbank.rws.nl – uso autorizado desde que citada a fonte) via blog Daniduc.

Após a tragédia, o governo holandês viu a necessidade de reforçar os diques, principalmente ao sul, criando um novo plano para a região: foi quando surgiu o mega Projeto Delta de prevenção de inundações, um complexo de diques e comportas em massa ao longo do litoral sul dos Países Baixos. 

O resultado disso foi o Deltawerken, uma obra monumental que, dada sua magnitude, demorou décadas para estar finalizada, sendo concluída após os anos 2000. A obra complementar é considerada uma das sete maravilhas do mundo moderno, segundo a American Society of Civil Engineers. 

Entendendo melhor: 

  • Os diques da Holanda têm uma dimensão gigantesca, já que vão de um ponto a outro no país. O Afsluitdijk representa as obras dos diques ao norte e o projeto Deltawerken mais ao sul, contudo, são vários subprojetos, com mais nomes, que dividem a obra em várias partes, conforme o trajeto.  
Diques da Holanda ao Sul. Imagem: shutterstock/Picture Partners
Diques da Holanda ao Sul. Imagem: shutterstok/GLF Media

Cabe pontuar que essa não foi a única tragédia de enchente no país. Em anos ainda mais distantes, e em diferentes épocas, o território enfrentou novamente a força do mar, com baixas de mais de 50 mil mortes. 

Diques da Holanda: mais que proteção 

Com todo esse contexto histórico, não é necessária tanta explicação para se entender a importância dos diques da Holanda, certo? Mas vale ressaltar que, além da base principal do projeto, a proteção da nação, as obras impulsionaram muito o desenvolvimento populacional e econômico do país. 

Além de ganhar maior área para cultivo, também ganhou casas, comércio e, consequentemente, mais empregos, revolucionando a economia local. Como o solo holandês ficou maior — lembre-se, o povo avança para cima do mar, conquistando terreno — o país literalmente cresceu, ganhando um espaço que atualmente também é aproveitado para fonte de energia eólica. 

Mais que uma proteção contra enchentes, os diques da Holanda se tornaram ainda uma extensa rodovia (principalmente ao sul), que se mistura ao infinito horizonte. Eles também resultaram em novas províncias, dando vida à região de Urk e Flevoland. 

Na época em que se realizou a construção dos diques da Holanda, não havia computadores, com os meios utilizados sendo muito simples comparados aos disponíveis atualmente. Por isso, o projeto também é considerado um dos maiores feitos da engenharia civil. 

É importante destacar que, apesar de hoje a Holanda ter mais segurança, a questão das enchentes é uma preocupação contínua, principalmente com as atuais mudanças climáticas. O governo do país já estuda mais formas de complementar o sistema de proteção dos diques, dado que disso depende a sobrevivência de uma nação inteira.