Imagine um túnel, que liga duas ilhas do Japão. Até aí, ok. Só que ele passa por baixo do mar! Conheça o Seikan Tunnel.

Esta é a quarta de uma série de reportagens sobre megaprojetos ao redor do mundo, publicada todas às terças e quintas-feiras. O Olhar Digital já abordou a construção da ilha artificial de Dubai, o Lincoln Tunnel e a usina de Itaipu.

publicidade

Leia mais:

Algumas curiosidades sobre o Seikan Tunnel

  • O Seikan Tunnel, projetado para a passagem de trens, é considerado o maior do mundo com uma seção que passa por baixo d’água;
  • Sua medida total é de 53,85 quilômetros, com cerca de 23,3 quilômetros abaixo do mar, ou seja, quase metade de sua extensão sofre pressão marinha;
  • Esse trecho, que passa por baixo do Estreito de Tsugaru, está localizado 100 m abaixo do mar;
  • Como ilustra o IFLScience, ele é o segundo túnel ferroviário mais longo no mundo, perdendo apenas para o Gotthard Base Tunnel, que passa pelos Alpes Suíços – mas que não passa por baixo do mar.

publicidade
Localização do Estreito de Tsugaru (Imagem: NASA/Calthech/Wikimedia Commons)

Desafios na construção de um túnel

Segundo Pedro Henrique Cerento de Lyra, coordenador do curso de Engenharia Civil do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), “a construção de um túnel é um processo complexo que envolve vários estudos e etapas”, como investigação e caracterização geológica, escavação ou perfuração e explosão, entre outros.

A construção de um túnel sob o leito marinho, como o Túnel Seikan, apresenta desafios significativos e requer uma engenharia e planejamento cuidadosos. As condições não foram fáceis, com vários problemas de deslizamento de terra e inundações no durante a sua construção.

Pedro Henrique Cerento de Lyra, coordenador do curso de Engenharia Civil do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT)

Para efetuar a manutenção de um túnel, Lyra destaca que esse é um processo contínuo e complexo “que envolve inspeção regular para identificar sinais de deterioração ou danos, manutenção preventiva para evitar problemas futuros, reparos e reabilitação conforme necessário, e gestão e operação diárias para monitorar o túnel e manter o equipamento”.

publicidade

Sobre o tipo de perfuração e explosão do Seikan Tunnel, o professor explica que esse tipo de abordagem permite “controle mais preciso do processo de escavação, minimizando riscos associados a condições geológicas imprevisíveis”.

Início dos trabalhos fora do papel

O projeto do Seikan Tunnel levou várias décadas para sair do papel e chegar à sua glória. Ele foi projetado para ligar as ilhas de Honsu e Hokkaido, fazendo parte da linha ferroviária japonesa de Kaikyo.

publicidade

A responsável pela construção do túnel foi a Linha Ferroviária Nacional do Japão, conforme a Brittanica.

O governo japonês já desejava ligar as duas ilhas desde o período Taisho, entre 1912 e 1925, com os estudos sobre como isso poderia ser realizado começando em 1946, após a perda de territórios e a necessidade de acomodar quem estava retornando desse conflito.

Vista aproximada da entrada do Seikan Tunnel (Imagem: Bmazerolles/Wikimedia Commons)

Porém, a decisão para conceber o projeto se deu, em definitivo, após a passagem do tufão Marie pelo Japão, em 1954, afundando cinco barcos no estilo ferry-boat que estavam passando pelo Estreito de Tsugaru, causando a morte de 1,43 mil pessoas.

No ano seguinte, a Linha Ferroviária Nacional do Japão iniciou seus estudos para construir um túnel capaz de cruzar o estreito por baixo dele. As escavações do ousado projeto começaram em 1964. Claro que, uma construção de tamanha magnitude foi conturbada e passou por vários contratempos.

Para se ter uma ideia, foram sete anos para que a construção começasse. A seção principal do túnel foi construída entre 1971 e 1985, sendo oficialmente inaugurado em 1988.

Ainda, as respectivas encostas das ilhas de Honsu e Hokkaido foram contempladas com estações subterrâneas: a Tappi-Kaitei e a Yoshioka-Kaitei, que também servem como pontos de fuca em casos emergenciais.

Detalhe do Seikan Tunnel e sua extensão visualmente falando (Imagem: www.demis.nl/Wikimedia Commons)

Além de serem equipadas com túneis menores, válvulas para exaustão de fumaça e monitores que indicam as rotas de fuga, as estações possuem museus que explicam toda a história do Seikan Tunnel.

Foram empregados pelo menos 3 mil trabalhadores. Desses, infelizmente, foram registradas as mortes de, pelo menos, 34 durante todo o período da obra. Além disso, como relata a PBS, a rocha e o solo sob o Estreito de Tsugaru eram imprevisíveis, impedindo o uso de uma máquina de perfuração de túneis.

Ao invés disso, os trabalhadores precisaram perfurá-lo meticulosamente e explodir 54 quilômetros através de uma grande zona suscetível a terremotos.

O custo total de construção do Seikan Tunnel foi de incríveis ¥ 689 bilhões (cerca de US$ 4,6 bilhões, ou R$ 22,74 bilhões). Outros estimam que o valor foi ainda maior: ¥ 1,1 bilhão (US$ 7 bilhões, ou R$ 34,61 bilhões), apesar de não estar claro até hoje de onde veio o valor.

Interior do Seikan Tunnel (Imagem: Encino/Wikimedia Commons)

Uso do Seikan Tunnel

Tamanho investimento acabou valendo a pena. Estima-se que cerca de 50 trens de carga passam pelo Seikan diariamente, tanto de carga, como de passageiros. Inclusive, ele suporta a passagem de trens-bala, que chegam a impressionantes 320 km/h. Em média, são 30 desses trens supervelozes testando a consistência do Seikan Tunnel.

Em 2016, novos trens foram instalados na malha ferroviária, mas, nos dois primeiros anos, eles tiveram sua velocidade limitada a 140 km/h para diminuir o risco de descarrilamento de trens de carga de bitola estreita que viajavam na velocidade oposta.

Isso poderia acontecer graças à física, pois as grandes velocidades do trens-bala causam grandes ondas de choque do ar, que poderiam causar os descarrilamentos.

Sobre esse processo, João de Sá Brasil Lima, doutor e coordenador do curso de Engenharia Mecânica do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), explica:

Quando trens se movem em túneis, eles movimentam à sua frente uma quantidade significativa de ar. Como o espaço entre os vagões e o túnel é pequeno, a massa de ar deslocada pelo trem tem dificuldade em ir para a parte de trás do trem. Com isso, à medida que o trem se desloca, a pressão na frente do trem aumenta e quanto maior a velocidade do trem, maior a pressão.

João de Sá Brasil Lima, doutor e coordenador do curso de Engenharia Mecânica do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT)

“Caso a pressão atinja determinado valor, pode ocorrer o fenômeno conhecido por onda de choque, que consiste em pulso de pressão. Esse pulso geralmente ocorre na direção da saída dos túneis e pode causar danos estruturais ao túnel e aos trens, inclusive podendo descarrilá-los”.

Lima destaca ainda que uma das formas de combater esse fenômeno consiste em reduzir a velocidade dos trens quando passam pelo túnel – exatamente o que foi feito no Seikan Tunnel.

Porém, existem outros meios, como promover alterações no design do primeiro vagão para melhorar o desempenho aerodinâmico do trem e evitar a formação das ondas de choque, e construir, quando possível, saídas verticais para o ar empurrado pelo trem.

O Portal Mie traz mais números: a maioria dos trens de carga que passam por lá levam produtos agrícolas de Hokkaido a outras partes do Japão, além de livros e itens processados.

O Seikan Tunnel permite que passageiros viagem de Tóquio a Hakodate, uma das principais cidade de Hokkaido, na rota conhecida como Hokkaido Shinkanse. Essa viagem leva por volta de quatro horas ao custo de ¥ 23,12 (US$ 150, ou R$ 741,78).

No fim desta década, o Japão pretende estender a rota para Sapporo, capital de Hokkaido, rota essa que levará cinco horas.

Diagrama do Seikan Tunnel (Imagem: Commander Keane/Wikimedia Commons)

Cronologia da construção

  • 24 de abril de 1946: Início das pesquisas geológicas;
  • 26 de setembro de 1954: Tufão Marie afunda o ferry-boat Toya Maru;
  • 23 de março de 1964: Estabelecida uma empresa pública, a Linha Ferroviária Nacional do Japão;
  • 28 de setembro de 1971: Começa a construção do túnel principal;
  • 27 de janeiro de 1983: O trajeto do túnel-piloto é perfurado;
  • 10 de março de 1985: O trajeto do túnel principal é perfurado;
  • 13 de março de 1988: O túnel é inaugurado.