Considerada a mais antiga das Ciências, a Astronomia surgiu e se desenvolveu de forma independente em diferentes povos e civilizações ao redor do planeta. Por todo o mundo, encontramos monumentos e artefatos pré-históricos que indicam a importância que a observação dos astros tinha para esses povos. Mas existiu, há mais de 4 mil anos, uma pessoa que trouxe a astronomia para a história, uma mulher suméria, chamada En-Hedu-Anna. Autora de alguns dos primeiros textos astronômicos que se tem conhecimento, que orientaram uma das mais antigas civilizações da Terra na busca pela compreensão do Cosmos. 

A observação dos astros foi de fundamental importância para a humanidade, para guiar nossos deslocamentos pela Terra, marcar a passagem do tempo e para indicar as melhores épocas para plantar e colher. Mas durante grande parte da existência da nossa espécie, o conhecimento era transmitido de geração em geração através da linguagem falada e isso limitava a difusão e o desenvolvimento do conhecimento. Até que por volta do ano 3200 antes de Cristo, os sumérios inventaram algo revolucionário: a escrita. 

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A linguagem escrita não apenas simplificou a transmissão e a preservação do conhecimento, mas também possibilitou o desenvolvimento do comércio, da agricultura, permitiu o estabelecimento de leis e o registro da cultura, da religião e da história dos povos. A invenção da escrita é considerada o fato que marca a transição entre a pré-história e a história. E é justamente nesse momento glorioso da humanidade que viveu En-Hedu-Anna. 

[ Escrita suméria em uma tabuleta de argila. Aqui, uma nota de venda de um escravo do sexo masculino e um edifício em Xurupaque – Imagem: wikimedia.com ]

En-Hedu-Anna nasceu no berço da civilização, uma região ao sul da Mesopotâmia, onde hoje fica o Iraque e onde os sumérios se estabeleceram milhares de anos atrás, desenvolveram sua agricultura e fundaram o mais antigo império que se tem notícia. Ela viveu por volta do ano 2300 antes de Cristo e era filha do rei Sargão, da Acádia, também conhecido como “Sargão, o Grande”. Sargão era copeiro do rei Ur-Zababa e filho de um jardineiro. Em um momento ainda não muito claro da história, o copeiro se tornou rei e governou a Acádia por 56 anos. 

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Nesse período, Sargão conquistou outras cidades-estados da Mesopotâmia e estendeu seu reinado por um vasto território, estabelecendo o Império Acádio, o primeiro da história. Um dos mais importantes centros urbanos daquele império era a cidade de Ur, onde estava localizado o Templo de Nanna, o deus sumério da Lua, e onde a nossa personagem, En-Hedu-Anna, produziu grande parte de seus textos.

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En-Hedu-Anna, como princesa da Acádia, recebia um treinamento e uma educação diferenciada, e sua busca incansável pelo conhecimento, a tornou uma das pessoas mais eruditas de sua época. Não à toa, seu pai, o imperador Sargão, a nomeou alta sacerdotisa de Nanna. Os sacerdotes exerciam um papel importante na política suméria e En-Hedu-Anna foi a primeira mulher a ocupar esse posto, sendo fundamental para assegurar o poder de seu pai sobre a cidade de Ur. 

[ Zigurate de Ur, sobre as ruínas de Giparu, complexo de templos onde Enheduana viveu há mais de 4000 anos – Créditos: M.Lubinski de Iraq,USA ]

Além das atividades políticas e religiosas, como sacerdotisa do deus da Lua, En-Hedu-Anna se dedicou ao estudo do astro, documentando cuidadosamente as fases da Lua, observando sua aparência ao longo do tempo e registrando suas mudanças de forma e brilho. As observações de En-Hedu-Anna eram todas registradas em tablets, mas uma versão um pouco mais antiga do que estes usamos atualmente. Eram tablets de argila, cujos caracteres da escrita suméria eram gravados com uma cunha.

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Existem muitos registros de fenômenos astronômicos até mais antigos, mas os textos de En-Hedu-Anna estão entre os primeiros registros astronômicos utilizando a linguagem escrita, e entre estes, a princesa da Acádia foi a primeira a assinar sua obra, o que faz dela a “primeira autora” e a “primeira  astrônoma” conhecida da história.

[ Gravura suméria retratando En-Hedu-Anna, filha de Sargão da Acádia – Imagem: wikimedia.org

Além da Lua, En-Hedu-Anna também estudou os movimentos dos planetas e das estrelas no céu, procurando compreender suas trajetórias e padrões de comportamento. O conhecimento sobre os padrões de movimento dos astros no céu e sua relação com os ciclos climáticos aqui na Terra foi um grande trunfo para a agricultura das primeiras civilizações humanas. Por isso, Sargão via a astronomia como atividade estratégica para o seu Império, e atribuiu a En-Hedu-Anna a direção de observatórios astronômicos nas principais cidades da Suméria. 

Todas as suas observações e reflexões acerca do Universo, En-Hedu-Anna registrava de forma escrita, deixando um legado inquestionável e estabelecendo uma base sólida para o desenvolvimento da astronomia na região. Escrever era um dom que ela exercia com enorme facilidade e prazer. Escrevia sobre tudo. Sobre os astros, sobre os costumes e a religião. Escrevia poemas, escrevia hinos de louvor às divindades sumérias, escrevia poemas sobre os astros no céu e seus mistérios ainda não desvendados. 

En-Hedu-Anna fez da escrita uma arte, e da astronomia, uma de suas maiores obras, perpetuada e admirada, por séculos, por toda civilização humana que ela ajudou a construir. Na vasta enciclopédia da história da astronomia, temos autores memoráveis, como Newton, Galileu, Eratóstenes e Archimedes. Mas o primeiro capítulo, do primeiro livro, foi escrito por uma mulher: En-Hedu-Anna, a primeira astrônoma da história.