A História da Astronomia no Brasil começou muito cedo. Apenas 3 décadas depois de Galileu Galilei realizar a primeira observação do céu através de um telescópio, o primeiro observatório astronômico do Hemisfério Sul foi instalado no Recife. Mas por aqui, esta ciência tardou muito a abrir suas portas para as mulheres. Somente cem anos depois de Maria Mitchell, a primeira astrônoma dos Estados Unidos, e mais de 160 anos depois de Caroline Herschel na Inglaterra, é que o Brasil teve sua primeira astrônoma profissional: a pioneira, Yeda Ferraz.

Yeda Veiga Ferraz Pereira nasceu no Rio de Janeiro, em 1925. Ela era a terceira de uma família de 8 filhos, sendo 7 mulheres. Seus pais, ao contrário do que era comum naquela época, estimularam todas as filhas a seguirem o caminho dos estudos e também trabalharem. E nisso, Yeda se destacou na escola em uma matéria que apavora muita gente até os dias de hoje: a Matemática. 

Durante o curso preparatório para a faculdade no Colégio Andrews, ela conheceu Mauro José Ferraz, que foi o amor de sua vida. Juntos, Yeda e Mauro compartilharam o interesse pela matemática, pela engenharia e pela astronomia. Formaram uma bela família e construíram uma história que enche de orgulho a todos os brasileiros e principalmente, as brasileiras.

No ano de 1943, Yeda e Mauro ingressaram juntos na Escola Nacional de Engenharia e lá, chamaram a atenção do professor de Cálculo que também trabalhava para o Observatório Nacional. Já no segundo ano de faculdade, percebendo a facilidade de Yeda e Mauro com os cálculos, o professor convidou Yeda e Mauro para trabalharem como calculistas no Observatório Nacional.

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[ Mauro José e Yeda Ferraz no Observatório Nacional – Foto: Revista Manchete, 1952 ]

A função de “calculador” é uma daquelas que a tecnologia extinguiu há algumas décadas. Antes dos computadores possibilitarem a realização de milhões de cálculos por segundo, matemáticos habilidosos eram contratados para essa tarefa em várias áreas da engenharia e também, da astronomia, onde seus cálculos precisos permitiam, por exemplo, calcular a órbita de um cometa ou determinar a posição exata dos astros no céu.

E Yeda, era tão boa nisso que sua contração para o ON em 1944, rompeu um tabu de mais de 100 anos. Desde que o Observatório Nacional foi fundado em 1827, nenhuma mulher jamais havia trabalhado lá antes de Yeda Veiga Ferraz. Ela foi a primeira astrônoma do Brasil e, por muitos anos, foi a única. Mas esse não foi o único tabu que ela venceu em sua vida.

[ Observatório Nacional do Rio de Janeiro – Créditos: Kyle Pearson/Airbnb ]

Em 1948 ela se formou em Engenharia Civil e Elétrica pela Escola Nacional de Engenharia. Yeda foi a única mulher de sua turma a se formar, e uma das três primeiras mulheres a se tornarem engenheiras no Brasil. Yeda foi pioneira na Engenharia, no Observatório Nacional e na Astronomia brasileira.

No Observatório Nacional, Yeda Ferraz construiu a sua carreira, inicialmente como “calculadora”. Mas ela também se dedicou à confecção do “Anuário Astronômico” e se tornou responsável pelas observações astronômicas que determinavam a hora exata, calculada pelas estrelas. A hora calculada por ela, era difundida pelo Observatório Nacional através de um sinal de rádio e adotada por todo o país como a Hora Legal Brasileira. 

[ Yeda Ferraz observando no Telescópio Meridiano do Observatório Nacional, onde realizava as observações que determinavam a Hora Legal Brasileira – Foto: Revista A Cigarra, 1959 ]

Esse trabalho também rendeu à Yeda uma colaboração internacional com o Bureau Internationale de l’Heure nos estudos do movimento de rotação da Terra, e no final dos anos 50, ela participou  da criação do primeiro curso de graduação em Astronomia no país, na então Universidade do Brasil, hoje UFRJ.

Durante seu período no Observatório Nacional, a inteligência e a dedicação de Yeda Ferraz mostraram aos seus colegas não só que ela era capaz, mas que todas as mulheres são capazes de desempenhar, e com louvor, aquelas atividades que antes eram restritas aos homens. Só que não com o mesmo esforço, ao menos naquela época.

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Apesar de fazer tudo com muito amor e disposição, nunca foi fácil para ela conciliar o seu trabalho no observatório com as atividades da casa. Quando engravidou do primeiro filho, trabalhou até as últimas horas e quando começou a sentir as dores do parto, arrumou sua mala e dentro colocou as tabelas que estava calculando para o Observatório.

As enfermeiras e todos aqueles que não conheciam a única astrônoma do Brasil, ficaram intrigados com aquela mulher na cama, ainda se recuperando do parto, mas rodeada de tabelas estranhas e fazendo cálculos incompreensíveis e intermináveis. 

Só que para ela, aquilo tudo era normal. Era simplesmente o trabalho dela. Yeda, assim como muitas mulheres até hoje, se dividia entre o trabalho e a casa. Ela passava a noite no Observatório e durante o dia, se dedicava à família. Ninguém sabe ao certo em que momento ela dormia, mas dá para ter ideia como deveria ser complicado para ela trabalhar a noite inteira e cuidar do filho durante o dia. 

Agora imagine com dois filhos pequenos. E depois, três, quatro, cinco filhos… A cada filho, Yeda Ferraz se dividia ainda mais, mas não abria mão de seu trabalho no Observatório e muito menos de suas responsabilidades como mãe. Só quando nasceu o sexto filho, ela começou a pensar que poderia não dar conta. Mas ela só se convenceu mesmo quando veio o sétimo, ou melhor, a sétima. 

[ Yeda Ferraz e seu sexto filho, Pedro – Foto: Revista Manchete, 1959 ]

Maria Isabel nasceu em 1962 e o amor de Yeda por ela, por seus 6 irmãos e pelo marido era tão grande que ela abriu mão de sua outra paixão, a Astronomia. Ela pediu demissão do Observatório Nacional para se dedicar exclusivamente à família.

Yeda viveu ainda por muito tempo, foi homenageada pela SAB, a Sociedade Astronômica Brasileira em 2018, e mesmo não atuando mais profissionalmente, acompanhou a conquista do espaço e as principais evoluções tecnológicas na astronomia e astronáutica. Viu o homem pisar na Lua, lançar ônibus espaciais e colocar grandes telescópios em órbita. A saudade que Yeda Veiga Ferraz sentia de suas noites no Observatório Nacional só não foi maior do que a saudade que ela nos deixou em 2020, quando partiu deste mundo para se tornar uma das mais brilhantes estrelas da memória astronômica brasileira. 

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