Estamos há poucos dias daquele que deve ser o eclipse do Sol mais visto de todos os tempos. O Grande Eclipse Solar da América do Norte ocorrerá em 8 de abril e está levando milhões de pessoas de todo o mundo para os melhores locais de observação do fenômeno no México, Canadá e Estados Unidos.

Eclipses totais do Sol sempre chamaram a atenção dos amantes da astronomia e de qualquer pessoa que quer viver uma experiência única em um dos fenômenos mais fascinantes da natureza. Mas eles também atraem o interesse da ciência, já que oferecem um momento único para o estudo da nossa estrela, da atmosfera e de outros fenômenos celestes.

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Existem inúmeras histórias de descobertas científicas realizadas durante um eclipse solar, mas nenhuma delas é mais importante do que a história do Eclipse Solar de 29 de maio de 1919, cujas observações, realizadas aqui no Brasil, levaram à comprovação da Teoria da Relatividade de Einstein e mudaram para sempre a nossa compreensão do Universo. 

[ Albert Einstein – Créditos: Ferdinand Schmutzer ]

Quatro anos antes, o físico alemão Albert Einstein, havia publicado a revolucionária Teoria da Relatividade Geral, que colocava em cheque as Leis da Gravitação Universal de Isaac Newton, consolidadas há mais de 200 anos. As Leis de Newton estabelecem que dois corpos, com massas maior que zero, estão submetidos a uma força de atração mútua chamada de gravidade. Elas fundamentam a mecânica clássica e descrevem matematicamente os movimentos planetários, com uma exceção: O planeta Mercúrio nunca se encaixou nos cálculos de Newton, e isso levou muitos astrônomos a considerarem a existência de um planeta, ainda mais próximo do Sol, interferindo gravitacionalmente em Mercúrio. 

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Essa ideia permaneceu viva até 1915, quando Einstein demonstrou que o movimento de Mercúrio calculado a partir de sua Teoria da Relatividade batia perfeitamente com as observações. Ainda assim, muitos cientistas da época torciam o nariz para sua teoria. Afinal, quem aquele alemão pensava que era para questionar Isaac Newton, um dos maiores gênios da humanidade?

[ Órbita de Mercúrio: a cada volta em torno do sol, a posição do periélio (ponto mais próximo do Sol) de Mercúrio se desloca, algo que, pelas leis da gravitação, só poderia indicar a presença de outro corpo interferindo gravitacionalmente no planeta. Mas se a órbita é calculada a partir da Relatividade Geral de Einstein, ela se encaixa perfeitamente nas observações – Gráfico: Benutzer:Rainer Zenz ]

Foi então que Einstein ganhou um inesperado aliado: o eminente astrofísico Arthur Eddington, inglês, como Newton, e que havia recebido da Royal Astronomical Society os artigos sobre a Teoria da Relatividade Geral, com a incubência de provar que o alemão estava errado. Bem além de uma rivalidade científica, Inglaterra e Alemanha, na época, estavam em campos opostos na Primeira Grande Guerra. Mas Eddington era um pacifista. Ele acreditava que a ciência era internacional e estava acima de qualquer conflito humano. 

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Ele convenceu a Royal Astronomical Society a patrocinar expedições para testar as teorias de Einstein em um eclipse solar. Segundo a Relatividade Geral, ao invés de uma força de atração mútua, a gravidade seria efeito da curvatura do tecido do espaço-tempo pela presença de objetos com massa. 

Você pode imaginar o espaço-tempo de Einstein como a superfície de um colchão cheio de bolinhas de gude. Se você colocar uma bola de boliche sobre este colchão, ela vai afundar, provocando uma curvatura na superfície, que vai atrair todas as bolinhas próximas, da mesma forma como a gravidade do Sol atua sobre os planetas ao seu redor. E como um eclipse poderia comprovar tal teoria?

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[ Curvatura no tecido do espaço-tempo proposto pela Teoria da Relatividade Geral – Gráfico: Mysid ]

Ocorre que a curvatura do espaço-tempo teria efeito não apenas nos corpos com massa, mas também na luz. Essa curvatura provocaria uma alteração na trajetória de um raio luminoso que passa próximo a um objeto massivo. Isso não ocorreria segundo as leis de Newton porque nas leis da gravitação, a atração ocorre entre dois corpos que possuem massa, e um fóton de luz, já era sabido que não possui massa alguma.

Um eclipse seria a melhor oportunidade para testar isso porque, com a ocultação do disco solar pela Lua, seria possível observar as estrelas ao redor do Sol. Se Einsten estivesse correto, a curvatura do espaço-tempo gerada pela gravidade solar, deveria provocar um desvio na luz dessas estrelas. 

Com o fim da guerra em 1918, a grande oportunidade seria em 29 maio do ano seguinte, num eclipse que cruzaria a América do Sul e a África. Sob o risco de ajudar a comprovar que Newton estava errado, mas na esperança de enterrar de vez a Relatividade de Einstein, a Royal Astronomical Society organizou duas grandes expedições, uma para a Ilha de Príncipe, na Costa da África, e outra para Sobral, no Sertão do Ceará. 

[ Cientistas e a população de Sobral durante as atividades de observação do Eclipse  – Foto: Observatório Nacional ]

Eddington já sabia que ia dar ruim pro Newton, mas ele argumentou que fosse para derrubar, ou para confirmar as teorias de Einstein, a Royal Astronomical Society, a mais importante entidade científica da época, não poderia se privar de estar à frente disso. 

Ele liderou a expedição para Príncipe, onde o eclipse seria mais escuro e teria a maior duração. Só que Eddington não teve boa sorte. Por lá, choveu torrencialmente, muitas placas fotográficas foram danificadas e no momento do eclipse, as nuvens atrapalharam todo o trabalho científico. 

Para o Brasil, vieram Andrew Crommelin e Charles Davidson. Com o apoio de Henrique Morize, então diretor do Observatório Nacional, foi escolhida a cidade de Sobral em função da sua localização privilegiada e do seu clima seco. Eles chegaram a Sobral a um mês do eclipse e prepararam todo seu instrumental para o grande dia. Na cidade, distante 230 de Fortaleza, a população, que acompanhava curiosa toda aquela movimentação, não fazia ideia que Sobral estava prestes a entrar para sempre para a história da Ciência.

Quando chegou o tão aguardado 29 de maio, para o desespero dos astrônomos, o dia amanheceu nublado. Parecia que os anos de planejamento, as longas semanas a bordo de um navio cruzando o Atlântico e o transporte precário até aquele local longínquo, haviam sido em vão. 

[ Céu fechado no início da manhã do eclipse – Foto: Observatório Nacional ]

Mas os céus colaboraram e instantes antes da totalidade, as nuvens se abriram e exibiram muito mais do que um belo eclipse total do Sol. Por aquela brecha nas nuvens passaram os raios luminosos de estrelas distantes, distorcidas pela gravidade do Sol, revelando um dos grandes segredos do Universo que Einstein ajudou a desvendar. 

As sete fotografias do Sol eclipsado feitas em Sobral foram comparadas com outras feitas dois meses depois, no mesmo local, da mesma região do céu, utilizando os mesmos equipamentos, só que durante a noite. A comparação mostrou que, ao passar próxima ao Sol, a luz das estrelas foi desviada exatamente como previsto pela Teoria da Relatividade Geral. Einstein estava certo e Newton, menos certo. 

[ Uma das fotos do Eclipse Solar de 29 de maio de 1919 registrada em Sobral e que ajudou a comprovar a Teoria da Relatividade de Einstein – Foto: Observatório Nacional ]

O Eclipse de 1919 foi um marco na história da Ciência. Mudou nossos conceitos sobre o Universo e inaugurou a Física Relativista. Albert Einstein passou a ser considerado um dos grandes gênios da humanidade e Sobral nunca mais foi a mesma. A Cidade do Eclipse hoje é uma referência na educação do Ceará e do Brasil. O Museu do Eclipse de Sobral ajuda a manter vivos aqueles momentos que mudaram para sempre o nosso entendimento sobre o funcionamento do Universo.

Existe um filme, chamado Einstein e Eddington, que conta essa história. O filme é muito bom e recomendado, mas ele ignora completamente a expedição à Sobral que obteve os registros científicos que comprovaram a Relatividade Geral. Já Einstein reconheceu a importância da cidade. Quando esteve no Brasil em 1925 ele declarou que as questões formuladas por sua mente foram respondidas pelo radiante céu do Brasil. E por isso, o Eclipse de Sobral de 1919 é considerado o mais importante eclipse da história da Ciência.