O futuro é logo ali: visando mais conforto e, sobretudo, segurança, os aeroportos do mundo se preparam para exigir o embarque de passageiros por biometria. E o primeiro deles a colocar o sistema em prática inicia suas atividades em 2025.

É o Aeroporto Internacional Zayed, em Abu Dhabi (Emirados Árabes), que terá sensores biométricos em todos os pontos de identificação instalados no local. Chamado de Biometric Smart Travel (Viagem Biométrica Inteligente, em tradução livre), a novidade será instalada em todo o espaço até o ano que vem.

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“Eles estão avançando corajosamente na adoção do reconhecimento facial como meio de permitir que os viajantes entrem em seu sistema, e eu os elogio por fazer isso”, diz Sheldon Jacobson, professor de engenharia e ciência da computação na Universidade de Illinois (EUA), à CNBC.

Jacobson estuda segurança aeroportuária desde 1990 e ajudou a Transportation Security Administration (TSA, organização estadunidense que visa garantir mais segurança nos transportes locais) a desenvolver seu programa de pré-triagem, responsável por liberar alguns viajantes nos Estados Unidos de certos pontos de verificação.

O reconhecimento facial é o futuro e começaremos a ficar inteligentes com a segurança aeroportuária e focar no viajante em vez dos itens que ele traz. Ao fazer isso, você cria um paradigma diferente. O que eles estão fazendo em Abu Dhabi é apenas o começo, mas tem que começar em algum lugar.

Sheldon Jacobson, professor de engenharia e ciência da computação na Universidade de Illinois (EUA), em entrevista à CNBC

Após o apagão cibernético mundial ocorrido em julho, muitas pessoas passaram a se preocupar mais com os sistemas online e possíveis panes que eles podem enfrentar. Na época do ocorrido, muitos aeroportos ao redor do globo enfrentaram grandes problemas para realizar check-ins e despachos de bagagens.

Assim sendo, vem aquela pergunta: será que esses sistemas eletrônicos de embarque não podem ser derrubados novamente? Jacobson relembra que tais eventos são raríssimos.

Além disso, mesmo que o sistema sofra panes como a de julho, os benefícios práticos de viagens biométricas superarão os custos ao longo do tempo.

Catraca eletrônica equipada com biometria. Uma mulher está com passaportes na mão esquerda e, na direita, um bilhete de embarque
Nos EUA, há sistemas similares funcionando parcialmente; no Brasil, implantação é gradual (Imagem: InFocus.ee/Shutterstock)

Como funcionará o embarque com biometria em Abu Dhabi

  • Para concretizar o projeto, o Aeroporto Internacional de Zayed depende de parceria com o governo dos Emirados Árabes;
  • Para tanto, todos os visitantes que chegam pela primeira vez ao país precisam fornecer seus dados biométricos para a Autoridade Federal de Identidade, Cidadania, Alfândega e Segurança Portuária do país;
  • A partir desse banco de dados, o aeroporto verifica os passageiros que passam pelos pontos de verificação instalados ao longo do prédio;
  • Em comunicado recente à imprensa, o Diretor Geral da Autoridade Federal de Identidade, Cidadania, Alfândega e Segurança Portuária dos Emirados Árabes Saeed Saif Al Khaili afirmou que o projeto “visa aprimorar a experiência de viagem no Aeroporto Internacional de Zayed, do meio-fio ao portão, garantindo altos níveis de segurança e proteção”.

Nos EUA, a tendência é que a TSA demore mais a incrementar as mudanças, pensa Jacobson, além de que o sistema político do país árabe permite implementação mais acelerada de programas como esse.

Isso significa, para ele, que, ao menos por enquanto, esse sistema com volumosos dados biométricos não vai para frente. Além disso, há “tremenda resistência” sempre que novos programas envolvendo biometria são introduzidos.

Dados apontam aceitação dos viajantes

Mesmo assim, os viajantes estadunidenses aprovam o uso de biometria em aeroportos, segundo pesquisa realizada pela analista de dados JD Power and Associates.

O estudo, realizado nos principais aeroportos do país, traz que 53% dos entrevistados acreditam que o sistema biométrico é uma boa ideia, enquanto 12% também aprovam o sistema, mas se preocupam com a privacidade.

Entre as principais preocupações que os entrevistados apontaram, estão quais tipos de dados precisam ser fornecidos durante a coleta da biometria e se os processos envolvendo a segurança biométrica serão utilizados para rastreamento de movimentos nos aeroportos, ou mesmo se serão usados fora deles.

Para tornar a tecnologia mais difundida e permitir que aeroportos e viajantes tirem proveito dela, os aeroportos devem estabelecer diretrizes e processos claros e conscientizar os viajantes sobre os usos potenciais. A adesão dos viajantes é essencial.

Mike Taylor, diretor administrativo sênior de viagens, hospitalidade e varejo da JD Power, em entrevista à CNBC

Já na opinião do futurista e autor do livro “Digital Destiny: How the New Age of Data Will Transform the Way We Work, Live, and Communicate” (“Destino digital: como a nova era dos dados transformará a maneira como trabalhamos, vivemos e nos comunicamos”) Shawn DuBravac, a tecnologia vai revolucionar as viagens aéreas.

“Embora tenhamos visto uso crescente de sensores biométricos para agilizar as viagens, a visão de experiência totalmente sem papel até o ano que vem é incrivelmente ambiciosa”, elogia.

Para DuBravac, a biometria em aeroportos estadunidenses tornará o elemento humano mais responsivo:

Em vez de gerenciar tarefas mundanas como verificação de documentos, o pessoal pode fornecer níveis mais altos de atendimento ao cliente, auxiliar viajantes com necessidades especiais e garantir que a experiência geral do passageiro seja eficiente e acolhedora. Automatizar processos de rotina capacitará uma experiência mais humana.

Shawn DuBravac, futurista e escritor, em entrevista à CNBC

Até Elon Musk gostou

O bilionário empresário Elon Musk, que costuma viajar bastante para cuidar de suas várias empresas, também comentou o projeto de Abu Dhabi em publicação no X. Além disse, criticou o país que chama de lar, afirmando que os EUA precisam “se atualizar”.

Mas Irina Tsukerman, advogada de segurança nacional e membro do Arabian Peninsula Institute, não concorda com o dono de X, SpaceX, Tesla e outras companhias. Para ela, “os comentários de Musk são uma ilusão”.

Na opinião da advogada, preocupações com privacidade e custos poderiam barrar a implantação do sistema completo de biometria nos aeroportos dos EUA.

Isso funcionou em Abu Dhabi porque os Emirados Árabes são monarquia pequena e rica, com alto grau de confiança da população no governo e recursos suficientes para se dedicar à inovação técnica. A transição para a automação total para todos os viajantes qualificados será demorada, onerosa, cara e encontrará resistência dos sindicatos de trabalhadores do aeroporto.

Irina Tsukerman, advogada de segurança nacional e membro do Arabian Peninsula Institute, em entrevista à CNBC

O periódico rememora que, mesmo com as críticas de Musk, ao menos um aeroporto tem bom sistema biométrico implantado: o Aeroporto Internacional de Los Angeles (LAX, na sigla em inglês), um dos primeiros do país a testar o sistema.

“No LAX, usamos biometria para dar suporte aos nossos parceiros de companhias aéreas e autoridades federais para acelerar o processo de embarque em voos internacionais de partida”, relata Ian Law, diretor de transformação digital da Los Angeles World Airports, da qual o LAX faz parte.

Por lá, existem até quatro faixas biométricas em cada portão de embarque internacional, além de que a tecnologia de reconhecimento facial pode ser utilizada na verificação de viajantes sem necessidade de toques e papéis.

“As companhias aéreas conseguem reduzir significativamente o tempo necessário para embarcar em um voo, diminuindo o tempo que os viajantes ficam na fila”, complementa Law.

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Biometria automatizada no Aeroporto Internacional de Tóquio/reprodução
Biometria automatizada no Aeroporto Internacional de Tóquio (Imagem: Reprodução)

Aeroportos dos EUA oferecem alguma biometria

De fato, nenhum aeroporto do país está perto de alcançar o ambicioso projeto de Abu Dhabi de ter aeroporto 100% biométrico. Contudo, muitos deles tem ao menos um pedaço de biometria instalada.

A TSA aponta que a alternativa PreCheck, que permite que viajantes qualificados passem por triagem de segurança rápida, está disponível em mais de 200 aeroportos (o país tem mais de 13 mil ao todo) e conta com participação de 90 companhias aéreas, além de ter componente de reconhecimento facial voluntário.

Aquele que quer usar o PreCheck precisa preencher formulário online, pagar uma taxa, passar por verificação de antecedentes criminais e entrevista pessoal com agentes do órgão. Ao fim do processo, podem optar por varredura de reconhecimento facial.

Outra que fez incursão similar em 55 aeroportos dos EUA é a Clear, empresa de capital aberto. Ela permite que viajantes evitem filas e embarquem via biometria após pagarem uma taxa e passarem por pré-triagem.

O serviço provocou reações entre os legisladores do país, que hesitaram em criar sistema de viajantes em camadas. Ainda, na Califórnia, no início deste ano, outro grupo de legisladores tentou frear a Clear, mas não conseguiu.

A Amadeus, provedora de tecnologias de viagens, não está envolvido no projeto de Abu Dhabi, mas está presente em outros aeroportos, como os de Dubai (Emirados Árabes), Vancouver (Canadá), Perth (Austrália) e Heathrow (Londres, Inglaterra).

O vice-presidente de operações aeroportuárias e aéreas da empresa, Chris Keller, entende que, em breve, os aeroportos poderão implementar salvaguardas em papel caso haja problemas com a tecnologia.

Esperamos que um número cada vez maior de passageiros use a biometria, mas sempre haverá um grupo, talvez aqueles que precisam de assistência especial ou passageiros premium, que escolherão experiência assistida por agentes e preferirão documentos em papel.

Chris Keller, vice-presidente de operações aeroportuárias e aéreas da Amadeus, em entrevista à CNBC

E os criminosos? Vão ludibriar o sistema?

Jacobson afirma que possíveis bandidos verão seus planos criminosos indo por água abaixo porque seus rostos serão reconhecidos nos sistemas biométricos aeroportuários. “Uma vez que a pessoa é conhecida, cria-se efeito dissuasor e reduz o risco”, alega.

Todavia, ele também aponta que os comentários de Musk não foram bem colocados. “Não é que estejamos atrasados, este é um processo incremental de crescimento e desenvolvimento. Não chegaremos lá esta semana. É preciso uma certa quantidade de vontade e prova de conceito”, explica.

Um exemplo é o próprio sistema da TSA, o PreCheck, que levou oito anos para ser implementado, em 2011.

“As pessoas se sentem desconfortáveis ​​com mudanças. Sempre que fazemos mudanças, temos que fazê-las de forma mais eficiente, mais segura e menos intrusiva”, completa Jacobson.

Portanto, se você vai viajar aos EUA em breve, não espere ter um sistema completo de biometria nos aeroportos de lá tão cedo.

Rosto de homem coberto por um capuz sendo identificado biometricamente
Jacobson garante: criminosos não terão vez com identificação biométrica (Imagem: Artem Oleshko/Shutterstock)

E no Brasil?

No Brasil, o sistema caminha de forma gradativa. Em agosto de 2022, passou a funcionar o sistema biométrico na ponte aérea entre Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ), a primeira do País a receber o recurso.

Como informou o governo na época, “o procedimento combina análise de dados e validação por biometria, dispensando a apresentação, no check-in e no embarque às aeronaves, de bilhetes aéreos e documentos de identificação de pessoas também em voos domésticos partindo dos terminais de São Paulo e Rio de Janeiro”.