Uma coisa é certa, nós, seres humanos, nos encantamos por uma boa história, seja lenda, fantasiosa ou uma teoria da conspiração digna de um filme de ficção científica e, repetida várias vezes, acaba se tornando uma ‘verdade’ difícil de desmentir. E uma delas diz respeito à capacidade percentual de uso do cérebro humano.

A ideia de que os humanos usam apenas 10% do cérebro é um mito amplamente difundido, mas incorreto. Na realidade, os humanos utilizam praticamente todas as partes do cérebro, embora nem todas as regiões estejam ativas ao mesmo tempo. Sites como Scientific American, BrainFacts.org (da Society for Neuroscience), e Snopes frequentemente abordam e corrigem equívocos sobre o cérebro humano, incluindo o mito dos 10%.

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Durante o dia, usamos diferentes partes do cérebro para diversas funções, como movimento, fala, processamento sensorial, pensamento e emoções. Estudos de neuroimagem (como ressonância magnética funcional e tomografia por emissão de pósitrons) mostram que praticamente todas as áreas do cérebro têm alguma atividade ao longo do tempo, mesmo quando estamos descansando ou dormindo.

O cérebro é composto de diferentes áreas, cada uma especializada em funções distintas. Por exemplo, o córtex motor é responsável pelo movimento, o lobo occipital processa a visão, e o sistema límbico está envolvido com emoções e memória. Em tarefas específicas, algumas áreas podem estar mais ativas do que outras, mas isso não significa que as outras áreas estejam “desligadas” ou não sendo utilizadas.

Origem do Mito dos 10%

(Imagem: Pixabay)

Até a origem do mito que afirma que usamos apenas 10% da capacidade cerebral é controversa. Esse mito pode ter se originado de mal-entendidos sobre pesquisas neurológicas do início do século XX, que, na época, sugeriram que apenas uma pequena parte do cérebro parecia estar envolvida em funções conhecidas. No entanto, isso não significava que o restante do cérebro era inútil ou não utilizado.

A influência da cultura popular também exerceu uma forte influência em disseminar essa história. Filmes, livros e outras mídias populares ajudaram a perpetuar a ideia errônea de que apenas uma pequena parte do cérebro é usada, sugerindo que haveria um “potencial inexplorado” esperando para ser desbloqueado.

E não, a ideia de que usamos apenas 10% do nosso cérebro não surgiu no livro “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas” de Dale Carnegie. O livro, publicado em 1936, é um manual de habilidades interpessoais, focado em técnicas de comunicação eficaz, empatia, e estratégias de persuasão. Ele não aborda a questão do uso do cérebro ou faz menção à porcentagem de uso cerebral. Carnegie estava interessado em como as pessoas poderiam melhorar suas relações pessoais e profissionais, e não em discutir capacidades cerebrais ou mitos relacionados ao funcionamento do cérebro.

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Alguns atribuem a origem do mito ao psicólogo William James, que, no início dos anos 1900, falou sobre o potencial humano inexplorado, embora nunca tenha mencionado uma estatística de 10%. Ele sugeria que muitas pessoas não utilizavam todo o seu potencial mental, mas isso não era uma afirmação sobre o uso fisiológico do cérebro.

Sendo assim, a realidade científica é outra e bem mais complexa. O cérebro é altamente plástico, o que significa que ele pode adaptar suas funções e redistribuir atividades em resposta a lesões ou mudanças no ambiente. Isso é uma evidência de que o cérebro está em constante uso e adaptação.

E, apesar de representar cerca de 2% do peso corporal, o cérebro consome aproximadamente 20% da energia do corpo. Essa alta demanda energética indica que o cérebro está constantemente ativo e trabalhando em várias funções simultâneas.

Qual a capacidade de uso do cérebro humano?

(Imagem: Ilustração de John Hain / Pixabay)

Como explicado acima, a capacidade de uso do cérebro humano é um conceito complexo que se refere à habilidade do cérebro de processar informações, realizar funções cognitivas, e adaptar-se a novas situações e aprendizados. 

Diferente do mito dos “10%”, o cérebro humano é uma estrutura altamente eficiente que está quase totalmente ativa ao longo do tempo, mas a forma como ele é utilizado e sua capacidade máxima de uso depende de vários fatores. Veja as capacidades fundamentais do cérebro humano:

  1. Capacidade de processamento de informação

O cérebro humano é capaz de processar grandes quantidades de informações simultaneamente. Por exemplo, ele pode perceber informações sensoriais (visuais, auditivas, táteis) enquanto realiza tarefas complexas, como falar ou tomar decisões.

Cada parte do cérebro é especializada para diferentes tipos de processamento, como o córtex visual para a visão, o córtex motor para o movimento, e o lobo frontal para funções executivas e raciocínio.

  1. Memória e aprendizado

O cérebro tem uma capacidade notável de armazenamento de memória. A memória de curto prazo é limitada, mas a memória de longo prazo parece quase ilimitada, com a habilidade de armazenar uma quantidade imensa de informações por um período indefinido.

O aprendizado envolve a formação e o fortalecimento de sinapses (conexões entre neurônios), o que implica uma enorme capacidade de adaptação e reorganização neural, conhecida como plasticidade cerebral.

  1. Plasticidade neural

A plasticidade é a capacidade do cérebro de se reorganizar em resposta a experiências, aprendizados e até mesmo lesões. Isso significa que o cérebro pode mudar e adaptar suas funções de acordo com as necessidades e desafios apresentados.

Essa plasticidade é fundamental para a recuperação após lesões cerebrais e para o aprendizado contínuo ao longo da vida.

  1. Funções cognitivas superiores

O cérebro humano é capaz de realizar funções cognitivas superiores como raciocínio lógico, pensamento abstrato, criatividade, e resolução de problemas. Essas habilidades são sustentadas por complexas redes neurais distribuídas por várias regiões do cérebro.

A capacidade de pensamento crítico e planejamento é uma das maiores capacidades do cérebro humano, especialmente na ativação do córtex pré-frontal.

  1. Capacidade emocional e social

O cérebro também é responsável pela regulação das emoções e comportamentos sociais, envolvendo estruturas como o sistema límbico (incluindo a amígdala e o hipocampo).

A capacidade de formar laços sociais, experimentar empatia, e regular emoções é uma parte crucial da função cerebral.

Limitações e potencial do cérebro

  • Limitações biológicas: embora o cérebro tenha um potencial incrível, ele é limitado pela biologia. Por exemplo, o número de neurônios e suas conexões são limitados, e o cérebro está sujeito a degenerações naturais como o envelhecimento.
  • Uso eficiente vs. máximo potencial: embora todas as partes do cérebro possam ser ativas ao longo do tempo, isso não significa que estamos constantemente maximizando todo o seu potencial. O “uso eficiente” do cérebro depende de fatores como educação, ambiente, nutrição, e atividade mental.
  • Efeitos do ambiente e da educação: o ambiente em que uma pessoa cresce e as oportunidades de educação e desenvolvimento mental afetam diretamente o quão bem o cérebro é utilizado e desenvolvido. Treinamentos cognitivos, atividades físicas, e a estimulação contínua podem ampliar o potencial cerebral.

Portanto, a capacidade de uso do cérebro humano é vastamente rica e multifacetada. Embora não seja possível determinar uma porcentagem exata de uso, o cérebro é uma estrutura que funciona de maneira otimizada para lidar com diversas funções simultaneamente, adaptando-se às necessidades específicas do momento. A verdadeira “capacidade de uso” do cérebro depende de sua complexa arquitetura neural, das interações entre diferentes regiões e da forma como aprendemos e nos adaptamos ao longo da vida.

Fontes: Society for Neuroscience (SfN), Nature Neuroscience, Journal of Neuroscience, e Cerebral Cortex.