Uma série de explosões de pagers abalou o Líbano na terça-feira, resultando em pelo menos oito mortos e mais de 2.700 feridos. O grupo Hezbollah acusou Israel de estar por trás do ataque coordenado, mas o Exército israelense se recusou a comentar. O incidente intensificou as tensões entre os dois países e gerou temores de uma escalada no conflito.
As explosões ocorreram em diversas partes do Líbano, com centenas de pagers pertencentes a membros do Hezbollah explodindo simultaneamente. As vítimas, que estavam em sua maioria em Beirute, foram surpreendidas por pequenos dispositivos que começaram a emitir sinais sonoros antes de detonar.
Segundo testemunhas, a cena era de caos total, com fumaça saindo dos bolsos das pessoas e pequenas explosões que soavam como fogos de artifício.
O vídeo abaixo, verificado pela Reuters, mostra o momento de uma das explosões, em um mercado. ATENÇÃO: conteúdo sensível.
Publicado por @yasharaliVer no Threads
Número de mortos e feridos no ataque dos pagers
O ministro da Saúde do Líbano, Firass Abiad, confirmou que pelo menos oito pessoas morreram e mais de 2.700 ficaram feridas, incluindo 200 em estado grave. Um dos mortos foi uma menina de apenas oito anos.
As principais lesões relatadas incluíam ferimentos nas mãos, estômagos e rostos, sendo que muitas vítimas perderam partes dos membros devido às explosões. Hospitais em Beirute ficaram lotados, com médicos lidando com uma grande quantidade de pacientes com queimaduras graves e ferimentos por estilhaços.
O que é um pager?
“O pager era um aparelho muito popular nas décadas de 1990, um pouco no final dos anos 80. Basicamente o que ele fazia era receber mensagens de texto”, explicou Wharrysson Lacerda, publisher do Olhar Digital, ao Olhar Digital News. “Ele recebia mensagens de texto por ondas de rádio, então ele recebia ali uma onda de rádio, transformava aquela onda de rádio num texto, num visuazinho bem pequenininho, e as pessoas liam essas mensagens.”
Ele era amplamente utilizado por profissionais que precisavam estar disponíveis para contato imediato, como médicos ou técnicos de manutenção, sendo descrito por Lacerda como “o avô do SMS”.
Funciona da seguinte forma: quando alguém precisava se comunicar com o portador de um pager, ligava para um número associado ao dispositivo e deixava uma mensagem ou seu número de retorno. O pager então exibia essa informação, e o usuário sabia que precisava retornar a chamada ou tomar alguma ação. Modelos mais avançados podiam receber mensagens de texto curtas.
Com o avanço da tecnologia móvel, os pagers foram substituídos por celulares e smartphones, embora ainda sejam utilizados em algumas indústrias onde a confiabilidade e simplicidade são essenciais, como hospitais.
A tecnologia dos pagers usados pelo Hezbollah
Nos últimos meses, os pagers surgiram como uma ferramenta crucial para as operações do Hezbollah no Líbano, especialmente após o aumento das tensões com Israel.
A substituição dos celulares por pagers foi uma medida de segurança adotada pelo grupo para evitar que suas comunicações fossem interceptadas pelas forças de inteligência israelenses, que, segundo alegações, teriam comprometido a rede de telefonia celular usada pelo Hezbollah.
Abaixo, detalhamos o que se sabe sobre essa tecnologia e seu impacto no recente ataque coordenado de explosões.

Por que o Hezbollah usava pagers?
O uso de pagers pelo Hezbollah se intensificou após o ataque de 7 de outubro de 2023, quando líderes do grupo foram alvo de assassinatos aéreos israelenses. Hassan Nasrallah, o líder do Hezbollah, alertou seus membros sobre os riscos associados ao uso de celulares, que poderiam ser facilmente rastreados e utilizados para localizar e eliminar combatentes.
Em resposta, o grupo começou a utilizar pagers, uma tecnologia considerada mais segura e menos suscetível à interceptação eletrônica por parte de Israel.
Como funcionavam os pagers do Hezbollah?
Os pagers usados pelos operativos do Hezbollah fazem parte de um sistema fechado, projetado para operar fora das redes convencionais de telefonia celular. Segundo especialistas em segurança do jornal americano The New York Times, essa rede limitada de pagers foi implementada para dificultar a interceptação de mensagens pelo inimigo.
Ao contrário dos smartphones e celulares, que se conectam a redes públicas, os pagers funcionam em uma faixa de comunicação privada, reduzindo as chances de monitoramento e espionagem.
Essa tecnologia foi escolhida justamente por ser menos rastreável. Os pagers em questão não dependem de GPS ou outros sistemas que possam ser utilizados para triangulação de localização, tornando-os uma alternativa viável para o Hezbollah, especialmente em regiões próximas à fronteira com Israel, onde os riscos de interceptação são maiores.
Um golpe na tecnologia dos pagers
No ataque ocorrido em 17 de setembro de 2024, centenas de pagers usados por membros do Hezbollah explodiram simultaneamente em várias partes do Líbano. Fontes anônimas do New York Times relataram que os dispositivos foram programados para emitir um sinal sonoro por alguns segundos antes de detonar, sugerindo que foram comprometidos de forma sistemática.
Isso indica que a tecnologia dos pagers, apesar de ser uma escolha feita para aumentar a segurança das comunicações do grupo, foi hackeada ou vulnerabilizada, resultando em um golpe significativo nas operações do Hezbollah.
A própria capacidade de processamento local de um pager é baixíssima. O máximo que ele faz é transformar uma onda de rádio num texto. E justamente por isso, apesar de a gente não ter muitas informações sobre essa operação, dá para a gente especular – nesse momento é especular – que o cenário mais provável é que esses pagers já tenham sido distribuídos com cargas explosivas. Ou seja, não é que houve um ataque cibernético que fez com que as baterias dos pagers, por exemplo, se superaquecessem a ponto delas explodirem, como a gente vê acontecendo com alguns smartphones, né?
Wharrysson Lacerda, publisher do Olhar Digital
A forma como essas explosões ocorreram demonstra uma capacidade impressionante de quem quer que tenha executado o ataque, já que conseguiram fazer com que os dispositivos explodissem de maneira sincronizada, causando mortes e ferimentos em massa. Lacerda destacou ao Olhar Digital News a capacidade de Israel na guerra cibernética, destacando-o como um dos países mais avançados do mundo neste quesito.
A falha na segurança dessa tecnologia mostra que, mesmo com sistemas fechados, não há garantia absoluta de proteção contra ataques sofisticados.
O futuro das comunicações do Hezbollah
Com a sabotagem dos pagers, o Hezbollah enfrenta um desafio de comunicação que pode prejudicar suas operações no curto prazo. Segundo especialistas, o grupo provavelmente terá que adotar novas formas de comunicação, possivelmente evitando o uso de meios eletrônicos por completo.
Isso, no entanto, pode tornar a coordenação de suas atividades mais difícil e arriscada, comprometendo sua capacidade operacional.
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Acusação do Hezbollah e resposta israelense
O Hezbollah rapidamente acusou Israel de estar por trás do ataque, classificando-o como um ato de “agressão criminosa”. O grupo afirmou que os dispositivos explodidos eram usados por seus membros para evitar o rastreamento por parte das forças de inteligência israelenses.
Segundo três fontes anônimas do New York Times, os pagers foram programados para emitir um sinal antes de explodir, num movimento que pareceu calculado para causar o máximo de dano possível.

Israel, no entanto, se recusou a fazer qualquer declaração oficial sobre o ocorrido. O ataque veio um dia após líderes israelenses ameaçarem intensificar suas operações contra o Hezbollah, aumentando as especulações de que o ataque aos pagers foi uma resposta direta às recentes hostilidades.
Retaliação e reações internacionais
O primeiro-ministro libanês, Najib Mikati, classificou o incidente como uma “violação grave da soberania libanesa” e um ato de agressão que não ficará sem resposta. O ministro das Relações Exteriores do Líbano, Abdallah Bou Habib, afirmou que o Hezbollah deve retaliar de maneira significativa. “Se Israel pensa que com isso vai resolver o conflito no norte, está enganado. Isso apenas escalou a guerra”, afirmou Bou Habib.
Enquanto isso, a comunidade internacional expressou preocupação com a crescente tensão na região. O porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric, condenou as mortes de civis e destacou os perigos de uma escalada do conflito no Líbano e no Oriente Médio como um todo.
Riscos de ataques cibernéticos em dispositivos do dia a dia
O incidente no Líbano levanta uma questão preocupante: seria possível que equipamentos eletrônicos, como smartphones ou outros dispositivos do nosso cotidiano, também possam ser transformados em armas?
Segundo Wharrysson Lacerda, a resposta, em parte, é sim. Embora a explosão dos pagers não tenha sido causada diretamente por um ataque hacker, o especialista ressalta que “numa certa medida, a gente pode dizer que houve um ataque cibernético à central de rádio que se comunicou com esses pagers”.
No caso de dispositivos mais avançados, como smartphones, a vulnerabilidade é ainda maior, visto que esses aparelhos possuem sistemas operacionais complexos. “Quando a gente fala de smartphone, aí é outro mundo… O software manda, e o software, teoricamente, pode fazer qualquer coisa”, afirma Lacerda.
Ele destaca que, embora seja improvável que um smartphone exploda devido a um ataque cibernético, esses dispositivos podem ser hackeados de outras maneiras. Ferramentas como Pegasus e Force Smile já demonstraram o potencial de invasão de dados sem que os usuários precisem sequer interagir com um link ou mensagem.

Além disso, Lacerda alerta para os riscos em outros dispositivos conectados, como os veículos modernos. “Teoricamente, tudo que tem um sistema operacional pode ser hackeado. Não existem sistemas operacionais à prova de hackeamento”, ele explica, ressaltando a importância da cautela no uso de tecnologia no cotidiano.
A apresentadora do Olhar Digital News, Marisa Silva também levanta uma preocupação com dispositivos autônomos, como veículos que dependem de sistemas operacionais avançados. Lacerda confirma que “teoricamente, tudo que tem um sistema operacional pode ser hackeado. Não existem sistemas operacionais à prova de hackeamento”.
Isso gera uma preocupação crescente em relação à segurança desses carros e outros dispositivos conectados, que, embora possuam camadas de proteção, não estão imunes a falhas e invasões. No entanto, ele destaca que o risco destes dispositivos acaba sendo relacionado aos próprios usuários, destacando que “a gente precisa se proteger”.
Na verdade, a gente sabe hoje que o que costuma ser o ponto mais fraco de tudo é sempre nós mesmos, os usuários. Porque a gente é que tende a clicar onde não deve, a gente é que tende a fazer algumas coisas que colocam em risco a nossa própria segurança.
Wharrysson Lacerda, ao Olhar Digital News
Impacto e consequências futuras
Além das mortes e feridos, o ataque trouxe um impacto devastador para o Hezbollah, demonstrando a capacidade de Israel de atingir não apenas seus combatentes, mas também qualquer pessoa associada ao grupo. “É como realizar uma operação em todo o território do Hezbollah de uma só vez”, afirmou Amer Al Sabaileh, especialista em segurança regional, ao New York Times.
O incidente pode ser um prelúdio para uma escalada maior no conflito, com potencial de envolver também o Irã, aliado do Hezbollah. Analistas acreditam que o Hezbollah será forçado a adotar novos métodos de comunicação e coordenação, o que pode dificultar suas operações no curto prazo.