Efeito Trump? Tesla vê lucro despencar no primeiro trimestre

Produção de veículos elétricos também recuaram entre janeiro e março deste ano
Rodrigo Mozelli22/04/2025 18h08, atualizada em 22/04/2025 21h44
À frente, logo da Tesla em um smartphone; ao fundo, um notebook com gráficos
Números não estão bons para fabricante de EVs (Imagem: Stock all/Shutterstock)
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Nesta terça-feira (22), a Tesla divulgou seus resultados no primeiro trimestre de 2025. E as notícias não são muito boas para os investidores da fabricante de veículos elétricos.

A começar pelo lucro da empresa, que recuou incríveis 71% entre janeiro e março deste ano, totalizando US$ 409 milhões (R$ 2,35 bilhões, na conversão direta), sendo US$ 0,12 (R$ 0,68) por ação. A receita total da companhia de Elon Musk também recuou (9%) para US$ 19,33 bilhões (R$ 111,12 bilhões).

Outros detalhes dos dados financeiros da Tesla

  • Por sua vez, o lucro antes juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) ajustado chegou a US$ 2,81 bilhões (R$ 16,15 bilhões)queda de 17% ao ano;
  • A margem Ebitda ajustada chegou a 14,6%. No mesmo período, no ano passado, foram registrados 15%;
  • Quanto à produção total de veículos elétricos, a Tesla reportou ter diminuído a fabricação em 16%, comparado ano a ano, para 362,6 mil carros;
  • As entregas também recuaram: 13%, para 336,7 mil unidades;
  • As despesas operacionais foram na contramão e subiram 9%, para US$ 2,75 bilhões (R$ 15,8 bilhões);
  • Em contrapartida, a receita com geração e armazenamento de energia aumentou 67% no trimestre, de US$ 1,64 bilhão (R$ 9,42 bilhões) no mesmo período do ano passado para US$ 2,73 bilhões (R$ 15,69 bilhões);
  • A empresa afirmou que o crescimento da infraestrutura de inteligência artificial (IA) vem “criando oportunidade extraordinária para nossos produtos de armazenamento de energia estabilizarem a rede, transferirem energia quando ela for mais necessária e fornecerem capacidade de geração adicional”.

Loja da Tesla em Guangzhou, na China
Montadora ficou aquém das expectativas de analistas (Imagem: GuoZhongHua/Shutterstock)

Após a divulgação dos resultados iniciais, as ações da Tesla cresceram 0,5%, para US$ 239,23 (R$ 1.375,33) no pós-pregão regular. No período normal de negociações, os papéis estavam sendo vendidos a US$ 237,97 (R$ 1.368,08), alta de 4,6%.

A empresa, porém, não quis se comprometer a entregar crescimento ainda em 2025, indicando que revisará “nossa orientação para 2025 em nossa atualização do segundo trimestre“.

Causas para a queda da empresa

Além de preocupar os investidores, os números da Tesla ficaram aquém do esperado pelos analistas, lembra a ABC News.

Agora, para entender a queda brusca, é preciso olhar para o cenário político dos Estados Unidos. A começar pelo estreito relacionamento entre o presidente Donald Trump e Musk, que comanda o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês).

Além de pessoas que não compactuam com as visões políticas do presidente e do empresário (como o Olhar Digital comentou aqui), recentes discursos e opiniões polêmicas de Musk afastaram os clientes da Tesla, que enxergam que a empresa segue intrinsecamente atrelada ao seu dono, mesmo que ele não esteja tão ativo ultimamente.

Um exemplo são as ações da empresa, que, desde dezembro, quando chegou à sua máxima histórica, desvalorizaram-se quase pela metade, coincidindo com a posse de Trump e as polêmicas decisões de cortes de gastos de Musk em várias áreas nos EUA.

Em comunicado, a própria Tesla indicou que “mudanças no sentimento político” poderiam impactar a demanda pelos produtos da empresa no curto prazo, admitindo que as decisões atuais do governo Trump e as atitudes de Musk frente ao DOGE e suas opiniões relacionadas a política de outros países influenciam diretamente em seu negócio.

Mas não é só isso que afeta negativamente a empresa. As recentes taxações de Trump nos EUA e para outros países desestimularam o setor, o que, naturalmente, levou a Tesla junto e pode ter causado certa “indisposição” do presidente estadunidense com o bilionário, que, antes de receber o cargo no governo, apoiou (financeiramente, inclusive) a campanha trumpista.

A companhia também alertou sobre os impactos comerciais resultantes do “atual cenário tarifário”. Ela afirmou que está “tomando medidas para estabilizar os negócios no médio e longo prazo e se concentrando em manter a saúde“.

“A incerteza nos mercados automotivo e de energia continua a aumentar, à medida que a rápida evolução da política comercial impacta, negativamente, a cadeia de suprimentos global e a estrutura de custos da Tesla e de nossos concorrentes”, acrescentou.

Além de os investidores saírem prejudicados com o desempenho da Tesla no primeiro trimestre, o próprio Musk também saiu no prejuízo, pois boa parte de sua riqueza é obtida a partir da fabricante de elétricos.

Sem contar que os resultados reforçam as exigências de investidores da empresa para que o bilionário sul-africano deixe seu cargo no DOGE e dê mais atenção às decisões na companhia. Eles pedem, ainda, que ele foque na Tesla e deixe empresas, como o X, na mão de seus respectivos CEOs, entendendo que a empresa de carros é a mais importante do leque de Musk.

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O status de temporário de Elon Musk à frente do DOGE se encerra em maio, quando completa três meses de experiência, deixando dúvidas sobre seu futuro.

Na teleconferência com acionistas, a ser realizada após a divulgação dos resultados, é bem provável que ele seja questionado sobre o que fará a seguire que os despiste. Mas ele prometeu que reduziria seu trabalho no governo para um ou dois dias por semana a partir do mês que vem. “Olhem além dos obstáculos e buracos imediatamente à nossa frente”, pediu, aos acionistas, na conferência realizada nesta terça-feira (22).

Dan Ives, diretor administrativo de pesquisa de ações da empresa de investimentos Wedbush e antigo apoiador da Tesla, afirmou, em memorando enviado a investidores no domingo (20), disse que “vemos isso como um momento decisivo“.

E não só isso: a concorrência vem crescendo, sobretudo de chineses, como a BYD, que foi na contramão da Tesla e cresceu muito nos EUA e em outros países, como no Brasil, bem como montadoras locais, como Ford e GM, que começaram a investir massivamente no mercado dos elétricos.

Ainda, a falta de lançamento de novos veículos (deixemos a Cybertruck de lado, já que é um modelo “fora da curva”) e os nomes parecidos dados a cada carro (Model qualquer coisa, como o Model Y) também afastaram a clientela.

Ao anunciar a queda nas vendas, a Tesla não citou diretamente Musk (que também é CEO da companhia), mas indicou que a “mudança nas linhas do Model Y em todas as nossas quatro fábricas levou à perda de várias semanas de produção no primeiro trimestre“, apontando essa como uma das causas do declínio, acrescentando que “a produção do novo Model Y continua indo bem“.

O declínio anual nas vendas começou em 2024, quando foram registrados menos carros comercializados do que em 2023, algo que não acontecia há mais de uma década.

silhueta de elon musk e logo da tesla
Musk prometeu diminuir seu tempo no DOGE e ficar mais a par do que acontece na Tesla (Imagem: kovop/Shutterstock)

Voltando à Cybertruck, o veículo mais recente da empresa sofreu com inúmeros atrasos e vê seu fracasso aumentar cada vez mais. A empresa de pesquisa Cox Automotive indicou que as vendas da picape caíram cerca de 50% ante os últimos três meses de 2024.

Para tentar melhorar a saída do elétrico, a Tesla chegou a oferecer até US$ 8,5 mil (R$ 48,86 mil) de desconto — o preço do veículo é, normalmente, US$ 70 mil (R$ 402,43 mil), sem os incentivos federais e estaduais.

Mas a empresa reafirmou a seus investidores que, até o fim de junho, começará a produzir um carro de menor custo, mas não apresentou um protótipo, nem apresentou mais detalhes.

Segundo o The New York Times, analistas não creem que o novo carro seja disponibilizado em grandes quantidades logo. Também não se sabe se ele terá um novo design ou se será uma versão mais simples do Model 3 ou do Model Y.

A Tesla apontou que o carro “utilizará aspectos da plataforma de próxima geração, bem como aspectos de nossas plataformas atuais, e será produzido nas mesmas linhas de fabricação de nossa linha de veículos atual”.

Explorando outros nichos de mercado

Com a aproximação das concorrentes, a Tesla tenta diversificar seu portfólio ao investir nos táxis autônomos (conhecidos como robotáxis).

Em janeiro, Musk afirmou que o programa de testes desse serviço seria lançado pela empresa em Austin, Texas (EUA), em junho. A BYD contra-atacou e revelou, dias depois, que seu sistema de direção autônoma avançou e será adicionado em modelos que custam a partir de US$ 9,6 mil (R$ 55.19, mil).

Em contrapartida, a cadeia de suprimentos doméstica da empresa de Musk é mais completa do que suas rivais locais, o que não tira sua vulnerabilidade às tarifas automotivas impostas por Trump no início deste mês, frisou Musk.

“Para deixar claro, isso afetará o preço das peças dos carros da Tesla que vêm de outros países. O impacto no custo não é trivial“, afirmou, em publicação no X, no fim de março.

Gordon Johnson, CEO e fundador da empresa de dados GLJ Research, que está pessimista em relação à Tesla, também trouxe preocupações sobre a empresa em memorando aos investidores divulgado na segunda-feira (21), afirmando que a montadora enfrenta mistura de “desafios operacionais, financeiros e de reputação” e questionando: “A Tesla está enfrentando uma crise existencial?

Ross Gerber, presidente-executivo da Gerber Kawasaki, empresa de investimentos, disse, no X, que “este é o pior desempenho que já vi na história da Tesla“.

O que Musk falou?

Horas após a divulgação de resultados, na conferência com os acionistas, Musk afirmou que os últimos protestos em showrooms da Tesla mundo afora foram conduzidos por pessoas que tinham risco de perder subsídios do governo por conta de seu trabalho com Trump. “O verdadeiro motivo é que aqueles que estão recebendo o desperdício e a fraude desejam que isso continue“, afirmou.

Musk disse, ainda, que não conseguiu dissuadir Trump de impor tarifas sobre veículos que também prejudicariam a Tesla. “Continuarei defendendo tarifas mais baixas em vez de tarifas mais altas, mas isso é tudo o que posso fazer”, frisou.

Rodrigo Mozelli é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e, atualmente, é redator do Olhar Digital.