Possível atividade tectônica é detectada em Vênus

Estudo concentra-se em estruturas chamadas coronae — vastas feições quase circulares que se estendem por dezenas a centenas de quilômetros na superfície venusiana
Rodrigo Mozelli15/05/2025 23h21
Conceito do grande Quetzalpetlatl Corona, localizado no hemisfério sul de Vênus
Conceito deste artista do grande Quetzalpetlatl Corona, localizado no hemisfério sul de Vênus, retrata o vulcanismo ativo e uma zona de subducção, onde a crosta em primeiro plano mergulha no interior do planeta (Imagem: NASA/JPL-Caltech/Peter Rubin)
Compartilhe esta matéria
Ícone Whatsapp Ícone Whatsapp Ícone X (Tweeter) Ícone Facebook Ícone Linkedin Ícone Telegram Ícone Email

Pesquisadores que reanalisaram dados de mais de 30 anos atrás da missão Magellan, da NASA, encontraram fortes indícios de que Vênus pode abrigar atividade tectônica até hoje.

O estudo, publicado na revista Science Advances, concentra-se em estruturas chamadas coronae — vastas feições quase circulares que se estendem por dezenas a centenas de quilômetros na superfície venusiana.

Superfície em Vênus com coronae
Observações das coronae pela missão Magellan, da NASA, incluem, no sentido horário, a partir do canto superior esquerdo, Artemis Corona, Quetzalpetlatl Corona, Bahet Corona e Fotla Corona (Imagem: NASA/JPL-Caltech)

Coronae em Vênus

  • As coronae são entendidas como “bolhas” geradas quando plumas de material quente e menos denso, vindas do manto, empurram a litosfera (crosta e parte superior do manto) para cima;
  • Em seguida, a rocha elevada se rompe em anéis concêntricos e se espalha lateralmente;
  • Hoje, são conhecidas centenas de coronae em regiões onde a litosfera de Vênus está mais fina e o fluxo de calor, mais intenso;
  • Para elucidar como esses relevos se formam, Gael Cascioli, do Goddard Space Flight Center e da Universidade de Maryland (EUA), e colegas, combinaram mapas de gravidade e topografia obtidos pela Magellan com sofisticados modelos geodinâmicos 3D;
  • Ao comparar os dados, identificaram 52 de 75 coronae cujos perfis de gravidade indicam, sob a superfície, plumas ainda ativas de material quente e ascendente — clara assinatura de deformação tectônica.

Diferentemente da Terra, Vênus não apresenta placas tectônicas articuladas; ainda assim, segundo o estudo, processos análogos estariam em curso:

  • Subducção venusiana: em torno de algumas coronae, a rocha elevada pelo manto espalha-se e empurra o terreno adjacente para baixo, devolvendo material à profundidade do manto;
  • Gotejamento litosférico: porções mais frias e densas da litosfera perdem sustentação e afundam no manto quente, provocando renovação contínua da superfície;
  • Vulcanismo pontual: em outras áreas, plumas localizadas sob trechos mais grossos da litosfera podem gerar vulcões e derrames de lava.

“Esses mecanismos mostram que Vênus, apesar das diferenças, pode compartilhar, com a Terra, processos de reconfiguração geológica complexos”, afirma Anna Gülcher, coautora do estudo e especialista em geociências da Universidade de Berna (Suíça).

Leia mais:

Lições para a Terra e missões futuras

As coronae não existem mais na Terra — teriam existido apenas em um estágio muito primitivo, antes do estabelecimento das placas tectônicas. Assim, investigá-las em Vênus pode oferecer uma janela para compreender os primeiros estágios da geodinâmica do nosso próprio planeta, há bilhões de anos.

Os resultados também acendem o interesse pela próxima missão Venus Emissivity, Radio science, InSAR, Topography and Spectroscopy (VERITAS), gerenciada pelo Jet Propulsion Laboratory e agendada para lançamento a partir de 2031.

“Os mapas de gravidade de alta resolução que a VERITAS fornecerá serão entre duas e quatro vezes mais detalhados que os da Magellan, permitindo localizar, com precisão, onde os processos tectônicos e vulcânicos estão ativos hoje em Vênus”, explica Suzanne Smrekar, principal investigadora da missão.

Além de um radar de abertura sintética para produzir mapas 3D globais, a VERITAS contará com espectrômetro em infravermelho e sistema de rastreamento por rádio.

Ilustrações que retratam vários tipos de atividade tectônica que se acredita persistir sob a coroa de Vênus
Essas ilustrações retratam vários tipos de atividade tectônica que se acredita persistir sob a coroa de Vênus; o gotejamento e a subducção litosférico são mostrados no topo; abaixo, estão e dois cenários em que o material de pluma quente sobe e empurra contra a litosfera, potencialmente, impulsionando o vulcanismo acima dele (Imagem: Anna Golcher, CC BY-NC)

Juntos, esses instrumentos revelarão não só a topografia e a composição da superfície, mas, também, a estrutura interna do planeta — informações cruciais para decifrar o mistério de como Vênus, distante dos moldes terrestres, continua a moldar seu relevo de forma dinâmica.

Com a riqueza dos dados da Magellan e a promessa de observações mais nítidas vindas da VERITAS, cientistas esperam reescrever a história geológica de Vênus e ampliar nosso entendimento sobre os primórdios tectônicos da Terra.

Rodrigo Mozelli é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e, atualmente, é redator do Olhar Digital.