Um estudo publicado nesta quarta-feira (1) na revista Nature Astronomy confirma que moléculas orgânicas complexas detectadas nas plumas de Encélado, lua de Saturno, se originam diretamente de um oceano subterrâneo.
A conclusão vem de uma nova análise de dados coletados em 2008 pela sonda Cassini, uma colaboração entre a NASA, a Agência Espacial Europeia (ESA) e a Agência Espacial Italiana (ASI), que atravessou jatos de vapor d’água e gelo expelidos por fontes termais conhecidas como “gêiseres” e foi atingida por grãos extremamente rápidos – e, portanto, recém-formados.
O objetivo dessa nova pesquisa era resolver um debate que já dura duas décadas: se esses compostos eram criados no anel E de Saturno pela radiação solar ou se tinham origem no oceano oculto sob a crosta gelada da lua, o que apontaria para um ambiente potencialmente habitável.

Em poucas palavras:
- Moléculas orgânicas complexas nas plumas de Encélado estão ligadas ao oceano subterrâneo dessa lua;
- Os grãos mais rápidos detectados pela sonda Cassini indicam material “fresco” expelido pelos gêiseres;
- Os dados mostram compostos contendo carbono, nitrogênio e oxigênio, associados à química prebiótica;
- A presença de água líquida, energia e química ativa reforça a habitabilidade potencial;
- A ESA planeja uma missão com órbita e pouso no polo sul de Encélado para registrar amostras diretamente as plumas.
Encélado é o melhor alvo para busca por vida extraterrestre
Encélado abriga um oceano global sob uma crosta de gelo, descoberto há cerca de 20 anos pela própria Cassini. Esse oceano se conecta ao espaço por fraturas conhecidas como Listras de Tigre, no polo sul, de onde jatos de vapor d’água e gelo são lançados periodicamente, alimentando o anel E de Saturno.
Em análises anteriores, cientistas já haviam encontrado moléculas orgânicas e até compostos considerados prebióticos – blocos de construção de aminoácidos e, por extensão, de proteínas. Permanecia, porém, uma dúvida: essas moléculas seriam forjadas no anel E sob intensa radiação solar, produzidas na superfície da lua e então arrastadas para as plumas, ou viriam diretamente do oceano?
De acordo com a nova análise, a resposta está no oceano.

Em 2008, a Cassini atravessou uma pluma e seu Analisador de Poeira Cósmica (CDA) foi atingido por grãos de gelo a cerca de 18 km/s, os mais rápidos e “frescos” já medidos pela missão.
Embora o instrumento não tenha sido projetado especificamente para esse tipo de amostra, os pesquisadores reconstruíram os sinais e identificaram uma grande variedade de moléculas contendo carbono, nitrogênio e oxigênio, associadas a processos químicos complexos em ambiente aquoso.
“Sabíamos que havia moléculas prebióticas no anel E de Saturno; vimos isso em nossas observações. Vimos um pouco disso também nas plumas de Encélado”, disse o cientista Jörn Helbert, chefe do Departamento de Sistema Solar no Gabinete de Envolvimento Científico da ESA, ao site IFLScience. “Mas esta é a primeira vez que elas são realmente vistas nas profundezas das plumas. Esta é a primeira vez que são realmente ligadas ao oceano de Encélado. Isso significa que agora temos provas concretas de que existem moléculas complexas prebióticas no oceano de Encélado!”
Para Helbert, a implicação é direta. “Você tem água líquida, tem uma fonte de energia, tem a química e tem moléculas prebióticas complexas. Basicamente, você tem tudo o que precisa para formar vida. Se a vida se forma, a questão é diferente, mas pelo menos temos todos os ingredientes necessários. Isso faz de Encélado o alvo se você quiser observar um mundo habitável fora da Terra.”
Segundo ele, a combinação de água, energia e química ativa faz de Encélado um laboratório natural para investigar como a vida pode emergir em outros mundos.

ESA projeta acesso direto ao oceano escondido na lua de Saturno
A ESA planeja uma missão para explorar Encélado, que consiste em duas espaçonaves: um orbitador para estudar a lua e um módulo de pouso para descer na região das Listras de Tigre, no polo sul. Lá, as plumas atuam como “elevadores” naturais, trazendo material do oceano à superfície e ao espaço. Diferentemente de outras luas geladas, isso permite acessar amostras oceânicas sem perfurar dezenas de quilômetros de gelo.
“Encélado é o único lugar onde podemos realmente tocar a água do oceano, e isso para mim é absolutamente incrível”, disse Helbert.
A janela ideal para o pouso depende de iluminação solar e menor incidência de eclipses, o que empurra a chegada para meados da década de 2050. Um lançamento no início da década de 2040 é cogitado, com o cronograma final ainda em definição.
Leia mais:
- Mares e rios na maior lua de Saturno se comportam de maneira estranha
- Encontrar vida em lua de Saturno é como procurar “agulha no palheiro”
- Chance de vida? Maior lua de Saturno surpreende cientistas
Por que isso importa para a saúde e o bem-estar
Descobrir de onde vêm as moléculas de Encélado não responde apenas à pergunta “estamos sozinhos?”. Pesquisas assim impulsionam sensores, técnicas de detecção e métodos de análise de compostos orgânicos que podem migrar para aplicações terrestres, como monitoramento de água, controle de contaminação e diagnóstico ambiental.
Compreender como ingredientes da vida se organizam em ambientes extremos também amplia nosso repertório para biotecnologia e inspira soluções para desafios de sustentabilidade. Em última análise, explorar Encélado nos lembra que a água, a energia e a química certa são pilares do bem-estar – aqui e em qualquer lugar do cosmos.