Perde a noção do tempo no TikTok? Entenda mecanismo que causa isso

Jornal analisou comportamento de 1,1 mil pessoas, com base em banco de dados de cerca de 15 milhões de vídeos assistidos ao longo de seis meses, mostrando o quão eficaz é o algoritmo da plataforma em criar hábitos de uso
Rodrigo Mozelli07/10/2025 22h48
Pessoa segurando, à sua frente e cobrindo sua cabeça, uma placa com o logo do TikTok
Rede social prende seus usuários com técnicas algorítmicas, diz o The Washington Post (Imagem: Luiza Kamalova /Shutterstock)
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Um estudo conduzido pelo The Washington Post revelou detalhes sobre como o TikTok consegue manter seus usuários conectados por horas todos os dias. O jornal analisou o comportamento de 1,1 mil pessoas, com base em um banco de dados de cerca de 15 milhões de vídeos assistidos ao longo de seis meses, mostrando o quão eficaz é o algoritmo da plataforma em criar hábitos de uso.

Jon Freilich, de 51 anos, gerente de operações na Califórnia (EUA), descreveu seu relacionamento com o aplicativo como uma dependência. “Nunca fumei nem usei drogas, então, não sei como é um vício químico, mas sinto que sou viciado em TikTok”, disse.

Smartphone com logo do TikTok em cima de um livro
Especialistas dão recomendações sobre como reduzir o uso(Imagem: Tada Images/Shutterstock)

Ele afirmou que, mesmo sabendo que deveria parar de rolar a tela para dormir ou trabalhar, não consegue interromper o uso. “É difícil parar, sabendo que o próximo deslize pode trazer um vídeo realmente interessante.”

TikTok e o vício: documentos dão a “dica”

  • Segundo documentos internos da empresa, revelados em um processo judicial nos Estados Unidos, bastam cerca de 260 vídeos — o equivalente a 35 minutos de uso — para que um hábito se forme;
  • No experimento do Post, os usuários mais leves já passavam, em média, mais de meia hora diária na plataforma, tempo que aumentou 40% em apenas uma semana, chegando a 45 minutos. Já os usuários mais intensos reduziram levemente o tempo, de 4,5 para 4,1 horas diárias;
  • Meredith David, professora de marketing na Baylor University, afirmou que o uso prolongado pode afetar o convívio social. “Está substituindo o tempo que poderíamos passar com amigos, família e em atividades mais saudáveis”, disse;
  • Segundo ela, o formato curto e personalizado dos vídeos faz com que as pessoas percam a noção do tempo. “Rolamos a tela e, quando percebemos, já se passou uma hora e meia.”

Outra usuária, Samantha Margeson, de 43 anos, contou ficar surpresa com o tempo gasto no aplicativo. “Meu Deus, como fiquei aqui 30 minutos seguidos?”, questionou. “Os vídeos têm 30 segundos, um minuto, e você não percebe, porque o scroll nunca termina.”

Com o passar dos meses, o tempo médio dos usuários mais ocasionais dobrou, chegando a mais de 70 minutos diários. Os usuários mais ativos mantiveram mais de quatro horas por dia no aplicativo. Ambos passaram a abrir o TikTok com maior frequência e a deslizar os vídeos mais rapidamente.

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Segundo documentos internos da empresa, bastam cerca de 260 vídeos — o equivalente a 35 minutos de uso — para que um hábito se forme (Imagem: Photostokerai/Shutterstock)

Design e falso controle pelo usuário

O design do aplicativo também contribui para o comportamento compulsivo, explica Thomas Essmeyer, pesquisador da Universidade de Bremen (Alemanha). “Não é que o usuário controle como se envolve com o app, mas, sim, que o app o envolve”, afirmou. Segundo ele, o gesto de deslizar cria a ilusão de controle, mas reforça o ciclo de uso.

A usuária Traci Davis, de 56 anos, disse sentir que treina o algoritmo com seus movimentos. “Dou uns dez swipes até achar algo que quero ver. Sinto que meu deslizar está treinando o algoritmo.”

Para a professora Meredith David, o consumo de vídeos curtos tende a reduzir o autocontrole e aumentar comportamentos impulsivos. Em pesquisa de 2024, ela identificou que o uso do TikTok está mais relacionado ao “phubbing” — quando a pessoa ignora outras para olhar o celular — do que em outras redes.

Já o estudante Casey Lumley, de 20 anos, relatou que o aplicativo afetou sua capacidade de pensar e se expressar: “Ficou mais difícil criar opiniões próprias. Eu me sentia meio sem pensamentos, distante.”

Pesquisas apontam que o TikTok ativa o sistema de recompensa do cérebro de forma semelhante a substâncias prazerosas, como comida e dinheiro. Marc Potenza, professor de psiquiatria em Yale (EUA), explicou que os vídeos personalizados provocam maior ativação cerebral e reduzem o autocontrole, o que pode fortalecer o ciclo de uso.

Montagem com logotipo do TikTok em cima de imagem de data center
Pesquisas apontam que o TikTok ativa o sistema de recompensa do cérebro de forma semelhante a substâncias prazerosas, como comida e dinheiro (Imagem: Gorodenkoff – Shutterstock/Olhar Digital)

Tentando frear o vício em TikTok

Alguns usuários têm tentado romper o hábito, usando limites de tempo ou apagando o app. No entanto, muitos continuam a rolar mesmo após atingirem os alertas de uso. Segundo Essmeyer, “o design do aplicativo é feito para gerar prazer imediato, não felicidade duradoura”.

Entre as dicas dos especialistas para reduzir o tempo no app estão: verificar o tempo de tela, desligar notificações, usar bloqueadores de aplicativos, acessar o TikTok apenas pelo computador e preferir interações ativas, como comentar ou conversar com outras pessoas, em vez de apenas rolar a tela. “Não esteja em uma plataforma só porque todos estão lá, mas porque você quer fazer algo específico”, concluiu Essmeyer.

E o que a plataforma fala sobre isso?

O próprio TikTok afirma oferecer ferramentas para que o usuário controle o uso, como filtros, redefinição do feed e limites de tempo. Mas não respondeu diretamente às conclusões do Post.

Rodrigo Mozelli é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e, atualmente, é redator do Olhar Digital.