Um artigo publicado recentemente na revista Nature desvenda como minúsculas mudanças genéticas moldaram o quadril humano, evoluindo para que pudéssemos andar sobre dois pés e impactando a saúde e o parto.
Segundo a pesquisa, apenas duas modestas alterações no DNA humano desempenharam um papel fundamental na transição de nossos ancestrais para a caminhada ereta. O estudo detalha como esses ajustes genéticos alteraram crucialmente a forma como um osso vital do quadril se desenvolveu.
Essa adaptação permitiu que os primeiros humanos permanecessem de pé, mantivessem o equilíbrio e se movessem sobre duas pernas, um marco evolutivo que os diferenciou dos demais primatas que se deslocavam sobre quatro apoios. A equipe de pesquisadores, liderada pelo biólogo evolucionista Terence Capellini da Universidade de Harvard, EUA, desvendou esses mistérios ao combinar análises microscópicas e imagens de tomografia computadorizada de tecidos pélvicos em desenvolvimento de humanos, chimpanzés e ratos.

Em resumo:
- Duas modificações genéticas sutis foram essenciais para capacitar os humanos a adotar a postura e locomoção bípede;
 - Uma dessas mudanças provocou uma rotação de 90 graus no ílio, o osso curvo que forma a parte superior do quadril, alterando fundamentalmente a conexão muscular;
 - A outra alteração genética retardou o processo de endurecimento do ílio em osso, proporcionando mais tempo para sua expansão lateral, levando a uma pelve mais curta e com formato de tigela;
 - Essas adaptações convertem uma estrutura originalmente adaptada para escalada em uma estrutura otimizada para o andar ereto e o equilíbrio;
 - As mesmas adaptações que nos tornaram bípedes podem ter implicações para a saúde do quadril e até para a facilidade do parto.
 
Desvendando a genética do andar: como o quadril humano foi moldado
Os pesquisadores apontam duas transformações principais na evolução da pelve humana. A primeira foi uma rotação de 90 graus no ílio, que alterou a posição dos músculos e converteu uma estrutura antes usada para escalar em uma base adaptada à locomoção ereta.
A segunda mudança foi um atraso na ossificação do ílio, permitindo que o osso crescesse por mais tempo e se expandisse lateralmente, resultando em uma pelve mais larga e arredondada – formato típico dos humanos modernos.
Essas transformações foram “essenciais para a criação e o reposicionamento de músculos que normalmente ficam nas costas do animal, impulsionando-o para a frente, e que agora estão nas laterais, ajudando-nos a manter o equilíbrio ao caminhar”, explicou o coautor do estudo, Terence Capellini, ao site Science News, destacando o impacto direto na mecânica da locomoção bípede.

Os cientistas observaram que, em humanos, a cartilagem pélvica cresce para os lados em vez de verticalmente, como acontece em outros primatas, e que essa estrutura endurece mais tarde, permitindo seu alargamento durante a formação.
A análise aprofundada revelou que a chave para essas diferenças está em alterações sutis na regulação gênica. Em termos mais simples, são como os “interruptores liga/desliga” que controlam a atividade dos genes.
Nos humanos, os genes responsáveis pela formação da cartilagem são ativados em novas regiões, estimulando um crescimento horizontal, enquanto os genes que promovem a formação óssea são ativados em um estágio posterior, atrasando o endurecimento. Como humanos e outros primatas compartilham grande parte dos mesmos genes de desenvolvimento, os pesquisadores inferem que essas mudanças evoluíram logo após a separação de nossa linhagem dos chimpanzés.
“O que o trabalho de Terry e seu laboratório mostrou é que não se trata apenas de uma rotação, mas de uma forma diferente de crescimento”, comentou a antropóloga Carol Ward, da Universidade do Missouri, que não participou da pesquisa, em entrevista. Ela acrescentou que “um dos aspectos mais significativos dessa mudança é que ela demonstra a importância crucial de desenvolvermos a capacidade de nos apoiarmos em um pé de cada vez, o que nos permite andar sobre dois pés.”
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Implicações para a saúde e o bem-estar humano
Essa pesquisa teve um ponto de partida inesperado. Com financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), o foco dos pesquisadores era compreender como a pelve se forma para aprimorar os tratamentos para distúrbios do quadril. “O objetivo era a pesquisa biomédica”, disse Capellini, “para entender como se constrói uma pelve e por que ela é diferente [da de outros primatas e ratos], e, mais importante, por que isso leva a doenças.”
As descobertas sugerem que as mesmas adaptações evolutivas que nos possibilitaram andar de forma ereta também podem ter tornado o quadril humano mais suscetível a condições como a osteoartrite. Além disso, Capellini observou que esses quadris mais largos, um subproduto da evolução para a bipedalidade, podem ter criado um canal de parto mais espaçoso, facilitando o nascimento de bebês com cérebros maiores à medida que a evolução progredia, um fator crucial na trajetória da espécie humana.
Este estudo não apenas ilumina um capítulo fundamental da evolução humana, como também oferece novas perspectivas sobre a saúde do quadril e as complexas interações entre nossa história genética e nosso bem-estar contemporâneo.