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A melatonina se tornou a “queridinha” das mesas de cabeceira no Brasil. Em outubro de 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou sua comercialização como suplemento alimentar sem necessidade de receita médica. Desde então, o acesso facilitado e a promessa de uma melhora no sono fizeram o consumo de melatonina disparar.
No entanto, notícias recentes trouxeram preocupações relacionadas ao consumo da melatonina. Uma nova pesquisa apresentada nos Estados Unidos associou o uso prolongado da substância a um risco aumentado de problemas cardíacos. Mas, antes de jogar seu frasco no lixo, é preciso entender o que a ciência realmente descobriu e o que ainda é incerto.
O que é o suplemento de melatonina e para que ele serve?
A melatonina é, antes de tudo, um neuro-hormônio que o nosso próprio corpo produz. Ela é sintetizada pela glândula pineal, localizada no cérebro, e sua produção é ativada pela ausência de luz. Basicamente, quando escurece, o cérebro entende que é hora de descansar e libera melatonina na corrente sanguínea.
Essa substância atua como o “maestro” do nosso relógio biológico (o ciclo circadiano), induzindo a sonolência e ajudando a regular o ciclo de vigília e sono.
Como suplemento alimentar, é crucial entender que no Brasil, na dose de 0,21mg, ela não é classificada como medicamento! A melatonina sintética imita a ação fisiológica do hormônio natural. Ao ser ingerida, ela se liga aos mesmos receptores no cérebro, “avisando” ao corpo que a noite chegou e que os processos de reparo e descanso devem começar.
Por isso, ela é muito procurada para ajudar a “acertar o relógio”, sendo útil em casos de jet lag (descompensação de fuso horário), para trabalhadores noturnos ou para quem tem dificuldade em iniciar o sono. Ela não age como um sedativo que “desliga” o cérebro, mas sim como um sinalizador biológico.

É verdade que melatonina faz mal ao coração?
A origem do “rumor” é científica e séria, mas requer uma interpretação cautelosa. Em novembro de 2025, durante as Sessões Científicas da American Heart Association (AHA), pesquisadores apresentaram um estudo preliminar que acendeu o alerta vermelho.
Ao analisar dados de mais de 130 mil adultos, os cientistas observaram que o uso prolongado de melatonina estava associado a um risco maior de insuficiência cardíaca.
Os números apresentados foram impactantes: o grupo que utilizou melatonina por mais de 12 meses apresentou uma probabilidade 90% maior de desenvolver insuficiência cardíaca em comparação com quem não usava o suplemento. Além disso, o risco de hospitalização por problemas do coração foi quase 3,5 vezes maior entre os usuários recorrentes.
O que explica essa relação?
Aqui entra a nuance que separa o pânico da informação útil. O estudo é observacional, o que significa que ele aponta uma correlação, mas não prova necessariamente causa e efeito.
Especialistas apontaram que pode haver uma “causalidade reversa”: pessoas que tomam melatonina geralmente sofrem de insônia crônica, e a própria privação de sono já é, comprovadamente, um fator de risco independente para doenças cardiovasculares. Ou seja, pode ser que a saúde do coração dessas pessoas estivesse comprometida pela falta de sono, e não pela pílula em si.

Ainda assim, a comunidade médica não descarta riscos diretos. Existem hipóteses de que a melatonina, em doses muito acima das fisiológicas, possa interagir com mecanismos de pressão arterial ou interferir na eficácia de medicamentos anti-hipertensivos.
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Quem deve se preocupar?
Os dados indicam que o sinal de alerta vale mais para grupos específicos, e não necessariamente para o jovem saudável que toma a substância esporadicamente. Os pontos de atenção levantados pelos médicos incluem:
- A dose: no Brasil, a Anvisa liberou suplementos com dosagem máxima de 0,21 mg. No entanto, o estudo norte-americano analisou pacientes em um mercado onde é comum encontrar cápsulas de 3 mg, 5 mg ou até 10 mg, doses dezenas de vezes superiores ao que nosso corpo produz naturalmente.
- O tempo de uso: o risco foi associado ao uso contínuo (longo prazo). A melatonina é um hormônio, e seu uso ininterrupto sem supervisão pode desregular outros eixos hormonais.
- Condições pré-existentes: pessoas que já possuem histórico de doenças cardíacas ou tomam medicamentos para pressão (como bloqueadores de canais de cálcio) devem ter cautela redobrada, pois pode haver interação medicamentosa que afeta o ritmo cardíaco.
O estudo de 2025 ainda é considerado preliminar e precisa passar pela revisão de mais profissionais médicos para publicação final em periódicos científicos. Até lá, o consenso médico não mudou radicalmente, mas ganhou uma nota de rodapé importante: melatonina não é balinha.
Se você utiliza a dosagem baixa aprovada pela Anvisa de forma pontual para corrigir o jet lag ou fases agudas de insônia, o risco parece ser mínimo.