Rio Grande do Sul entra no século das cheias e secas extremas, alerta estudo

Projeções do IPH/UFRGS indicam chuvas mais intensas, secas prolongadas e cheias contra as quais cidades não oferecem proteção suficiente hoje
Pedro Spadoni27/11/2025 12h16
Montagem com fotos de visão aérea de bairro inundado e leito de rio durante seca
(Imagem: TV Brasil e Ricardo Stuckert/PR)
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Mais cheias, mais secas, mais eventos climáticos extremos. Essa é a previsão para o Rio Grande do Sul até 2100, segundo um novo estudo do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em parceria com a Agência Nacional de Águas (ANA).

A pesquisa traz projeções construídas a partir de dados dos últimos 50 anos e aplicadas a cenários entre 2050 e 2100. Os pesquisadores apontam que o Sul é uma das regiões brasileiras mais sensíveis a mudanças no ciclo hidrológico. E que os impactos já estão a caminho.

Por isso, o estudo recomenda revisão urgente de práticas de engenharia e planejamento. A pesquisa reforça que “os gastos com reconstrução e as perdas associadas a secas e cheias podem superar grandemente os custos de medidas de preparação e prevenção”.

Mudanças climáticas intensificam cheias e secas no Sul, segundo estudo

O levantamento do IPH/UFRGS considera rios e cursos d’água do país, mas foca principalmente no Rio Grande do Sul, onde as mudanças climáticas alteram o regime de chuvas, vazões e estiagens.

A pesquisa mostra que o estado está entrando num século no qual extremos hídricos deixam de ser exceção para se tornar parte da rotina.

Mulher com água até o joelhos em enchente no Rio Grande do Sul
Eventos climáticos extremos, como enchentes por conta de muita chuva, devem virar rotina no Rio Grande do Sul até 2100, segundo estudo (Imagem: Bruno Peres/Agência Brasil)

As simulações indicam que a precipitação média anual pode aumentar 4,8%, mas o salto mais expressivo está na frequência. Eventos raros, com tempo de retorno de 100 anos, poderão ocorrer até cinco vezes mais frequentemente. Ou seja, o que hoje parece estatisticamente improvável tende a se repetir em intervalos cada vez menores. 

Chuvas intensas de curta duração, que duram horas ou um dia, também devem ficar mais volumosas, com aumento de 15% para eventos com retorno de até dez anos. Já as chuvas máximas diárias podem crescer até 60%.

Esse salto altera diretamente o comportamento das cheias. Nos grandes e médios rios do Sul, a vazão máxima pode aumentar 20%, enquanto episódios frequentes devem ter aumento de 14%, e eventos raros, 13%. 

O professor Rodrigo Paiva exemplifica que “cheias em rios da Serra poderiam ter níveis três metros mais elevados [do que atualmente]”. 

“Em Porto Alegre e região, a cheia poderia alcançar níveis entre 50 centímetros e um metro maiores, o que superaria os sistemas de proteção atuais, com as águas invadindo novamente áreas urbanas, além de regiões não atingidas em maio de 2024”, acrescenta. 

Paiva também alerta para a mudança de frequência: “Um evento extremo que atualmente ocorre a cada 50 anos poderá ser registrado, no futuro, a cada dez anos”.

Em contrapartida, o estudo observa o prolongamento da estação seca em parte do território gaúcho. O déficit hídrico projetado é 42% maior, enquanto as vazões mínimas caem 11%, com estiagens se estendendo em média três dias a mais por ano. 

Esses períodos críticos impactam principalmente a agricultura e o abastecimento urbano. E devem tornar a gestão da água um desafio permanente para o estado. Afinal, no mesmo ano, pode enfrentar tanto vazões excessivas quanto falta d’água nos reservatórios.

Ou seja: o desafio não é apenas resistir às cheias, mas também garantir segurança hídrica diante das secas projetadas. A pesquisa aponta que os riscos são expressivos mesmo em projeções moderadas e reforça que o futuro já começou a se materializar.

O que a pesquisa recomenda fazer para evitar prejuízos

As conclusões são descritas como “suficientemente convergentes”. E essa convergência de evidências cria um consenso científico incomum, que pressiona governos a agir antes dos custos se tornarem irreversíveis.

Homem tirando foto com celular de avenida alagada no Rio Grande do Sul
Governos da região Sul do Brasil estão sob pressão para agir antes dos custos das mudanças climáticas se tornarem irreversíveis (Imagem: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Diante dos resultados, os pesquisadores defendem a revisão urgente da prática hidrológica, com incorporação de novos critérios em obras e planos urbanos. 

O Rio Grande do Sul, após as cheias de 2023 e 2024, já iniciou uma revisão profunda nos parâmetros de projetos. A ideia é garantir que novas infraestruturas consigam suportar cenários mais severos. Assim, a lógica muda: projetar para o futuro em vez de apenas repetir padrões baseados no passado.

Essa virada exige novos critérios. Projetos passam a superar o pior evento histórico conhecido e devem considerar o aumento previsto na frequência e intensidade. 

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Algumas diretrizes já sinalizam o caminho. Entre elas, estão: sistemas de drenagem urbana que devem suportar chuvas de 115 milímetros em um dia e projetos contra cheias que precisam considerar acréscimo de 13% na vazão máxima. 

Somam-se medidas de adaptação como sistemas de alerta antecipado, infraestrutura resiliente (como diques e drenagem reforçada), planejamento urbano com mapeamento de risco e gestão integrada dos recursos hídricos. Se vai ser o suficiente para aguentar o que está por vir, só o tempo dirá.

(Essa matéria usou informações do G1 e do Zero Hora.)

Pedro Spadoni
Redator(a)

Pedro Spadoni é jornalista formado pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Já escreveu para sites, revistas e até um jornal. No Olhar Digital, escreve sobre (quase) tudo.