Múmias do Atacama: de “arteterapia” para lidar com o luto até a destruição de um povo

Múmias decoradas, que estão na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco, podem ter ajudado a acabar com os Chinchorros
Flavia Correia04/12/2025 06h45
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O povo Chinchorro mumificava seus mortos há 7 mil anos como forma de terapia para lidar com o luto. Crédito: Cristian Zenon - Shutterstock
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Um estudo publicado semana passada no Cambridge Archaeological Journal sugere que os antigos caçadores-coletores do Deserto do Atacama, no Chile, podem ter começado a mumificar seus mortos há cerca de 7.000 anos como forma de lidar com o luto. A prática teria surgido especialmente entre mães que perderam bebês por abortos espontâneos, natimortos ou mortalidade infantil.

Conhecido como cultura Chinchorro, o grupo responsável pela tradição viveu no litoral do atual norte do Chile, em um ambiente extremamente seco e difícil. Alguns sítios arqueológicos próximos ao rio Camarones tinham níveis altos de arsênico, que podem ter contribuído para mortes precoces de crianças.

Em resumo:

  • Caçadores-coletores Chinchorro mumificavam mortos há 7 mil anos para lidar com o luto;
  • Prática surgiu em consequência de mortes infantis e abortos espontâneos frequentes;
  • Decorar corpos oferecia catarse emocional, similar à arteterapia moderna;
  • Pigmentos tóxicos usados nas múmias prejudicavam a saúde neurológica da comunidade;
  • Costume durou milênios, mas foi abandonado devido à toxicidade mortal, que ajudou a aniquilar o grupo.
Algumas das múmias preservadas pelos Chinchorro estão na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco. Crédito: Universidade de Tarapacá

Mumificação dos filhos era uma forma de lidar com a perda

Conduzido por Bernardo Arriaza, da Universidade de Tarapacá, no município chileno de Arica, o estudo recente aponta que as múmias mais antigas da cultura Chinchorro são de recém-nascidos e bebês. A pesquisa sugere que o envenenamento por arsênico pode ter levado a altas taxas de aborto espontâneo e mortalidade infantil, e que a mumificação surgiu como uma resposta emocional para lidar com essas perdas.

Segundo Arriaza explicou ao site IFLScience, para os pais Chinchorro, transformar e decorar os corpos de seus filhos com terra, gravetos e pigmentos era uma forma de mantê-los presentes. Com o tempo, essa prática se tornou mais elaborada, incluindo pintura, máscaras e perucas, e passou a ser aplicada a pessoas de todas as idades.

O pesquisador traça paralelos entre esse processo antigo e a arteterapia moderna, apontando que a criação artística ajuda a processar emoções intensas. Segundo ele, a mumificação permitia aos Chinchorro alcançar uma espécie de “catarse” e alívio emocional diante da perda.

O povo Chinchorro preservava corpos de crianças e bebês com terra, gravetos e pigmentos, depois criaram máscaras, pinturas e perucas, estendendo a prática a todas as idades. Crédito: Universidade de Tarapacá

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Pigmentos usados para decorar as múmias era prejudicial à saúde

No entanto, o próprio processo que oferecia conforto pode ter prejudicado a saúde da comunidade. O uso de manganês como pigmento, fundamental na decoração das múmias, expunha as pessoas a poeira tóxica, causando graves problemas neurológicos e psicose conhecida como “loucura por manganês”.

Apesar de manterem a mumificação elaborada por cerca de 3.500 anos, os Chinchorro gradualmente reduziram e, eventualmente, abandonaram a prática, possivelmente devido à exposição ao manganês.

Ilustração conceitual de adultos do povo Chinchorro mumificando artisticamente o corpo de uma criança. Crédito: Universidade de Tarapacá

Por muito tempo, acreditou-se que as múmias do Atacama eram as mais antigas do mundo, superando a mumificação egípcia de 4.500 anos atrás. No entanto, estudos recentes confirmaram que as mais antigas são do Sudeste Asiático, com 14.000 anos. A prática de mumificar pessoas ainda existe em alguns lugares, embora de forma muito rara e culturalmente específica.

O que começou como uma forma de lidar com a dor acabou, ironicamente, contribuindo para a ruína dos Chinchorro, já que a exposição aos pigmentos tóxicos usados nas múmias afetou a saúde e a sobrevivência daquele povo.

Flavia Correia
Redator(a)

Jornalista formada pela Unitau (Taubaté-SP), com Especialização em Gramática. Já foi assessora parlamentar, agente de licitações e freelancer da revista Veja e do antigo site OiLondres, na Inglaterra.