“Cicatriz” cósmica formada pelo Sol e estrelas conta história do Sistema Solar

Pesquisa ajuda a compreender melhor o ambiente celeste imediato do sistema solar e lança luz sobre como características desse entorno influenciaram evolução da vida na Terra
Rodrigo Mozelli08/12/2025 20h29
Representação de energia solar no Sol
Estrela teria se encontrado com outras duas há milhões de anos (Imagem: muratart/Shutterstock)
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Astrônomos identificaram que o Sol teve um encontro próximo com duas estrelas massivas e extremamente quentes há cerca de 4,4 milhões de anos.

A descoberta foi possível graças a uma “cicatriz” deixada por esse evento em nuvens turbilhonantes de gás e poeira logo além do Sistema Solar. A pesquisa não só ajuda a compreender melhor o ambiente celeste imediato do sistema solar como também pode lançar luz sobre como características desse entorno influenciaram a evolução da vida na Terra.

Mapa das nuvens interestelares locais, logo além do sistema solar da Terra, com setas azuis indicando a direção do movimento dessas nuvens; a seta amarela indica a direção do movimento do próprio Sol
Mapa das nuvens interestelares locais, logo além do sistema solar da Terra, com setas azuis indicando a direção do movimento dessas nuvens; a seta amarela indica a direção do movimento do próprio Sol (Imagem: NASA/Adler/U. Chicago/Wesleyan)

Como os cientistas usaram a “cicatriz” cósmica para estudar o encontro entre Sol e estrelas

Para chegar à conclusão, a equipe precisou considerar os movimentos das chamadas “nuvens interestelares locais” — que se estendem por cerca de 30 anos-luz —, do Sol e das estrelas intrusas, atualmente a 400 anos-luz da Terra, localizadas nas “pernas” dianteira e traseira da constelação de Cão Maior (Canis Major).

Isso torna o estudo complexo, já que o próprio Sol se desloca a 93 mil km/h, cerca de 75 vezes a velocidade do som ao nível do mar.

“É como um quebra-cabeça em que todas as peças estão se movendo“, afirmou, em comunicado, o líder da pesquisa, Michael Shull, da Universidade do Colorado Boulder (EUA). “O Sol está se movendo. As estrelas estão se afastando de nós. As nuvens estão se dispersando.”

  • Além das nuvens interestelares locais — compostas por átomos de hidrogênio e hélio na forma de gás e poeira — o sistema solar se encontra em uma região relativamente vazia da Via Láctea, chamada de “bolha quente local“;
  • Compreender essas regiões pode ser fundamental para entender como a vida encontrou as condições necessárias para prosperar na Terra;
  • “O fato de o Sol estar dentro desse conjunto de nuvens que pode nos proteger daquela radiação ionizante pode ser uma peça importante do que torna a Terra habitável hoje”, explicou Shull;
  • Para investigar essa influência, Shull e colegas modelaram as forças que moldaram nossa região da galáxia;
  • Eles analisaram duas estrelas de Cão Maior: Epsilon Canis Majoris, ou Adhara, e Beta Canis Majoris, ou Mirzam;
  • A equipe concluiu que, provavelmente, essas estrelas passaram pelo Sol há 4,4 milhões de anos, chegando a cerca de 30 anos-luz do nosso astro;
  • Embora isso represente aproximadamente 281 trilhões de quilômetros, trata-se de uma passagem próxima em termos cósmicos, especialmente em uma galáxia com 105,7 mil anos-luz de largura.

Segundo os cientistas, uma aproximação dessa magnitude teria tornado essas estrelas bastante visíveis da Terra. “Se você voltar 4,4 milhões de anos, essas duas estrelas teriam sido de quatro a seis vezes mais brilhantes que Sirius hoje, disparado as estrelas mais brilhantes no céu”, disse Shull.

As duas estrelas são muito maiores que o Sol, com cerca de 13 vezes sua massa e muito mais quentes, atingindo até 25 mil °C, temperatura que faz os 5,5 mil °C da superfície solar parecerem amenos, pontua o Space.com.

Ao passarem pelo “quintal cósmico” do sistema solar, emitiram radiação ultravioleta capaz de arrancar elétrons de átomos nas nuvens interestelares locais — processo chamado de ionização. A remoção dos elétrons deixou os átomos de hidrogênio e hélio com carga positiva: a “cicatriz” detectada pela equipe.

Simulação da bolha quente local
Bolha quente local é um vácuo de gás e poeira na Via Láctea onde o Sol se encontra (Imagem: CfA, Leah Hustak [STScI])

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Resolvendo o mistério

A pesquisa resolve um antigo mistério sobre as nuvens interestelares locais, já que astrônomos haviam constatado previamente que 20% dos átomos de hidrogênio e 40% dos de hélio nesses aglomerados estavam ionizados — níveis incomumente altos, especialmente no caso do hélio.

Os pesquisadores acreditam que as duas estrelas receberam ajuda de pelo menos outras quatro fontes de radiação ultravioleta. Entre elas, três anãs brancas — remanescentes de estrelas de tamanho semelhante ao do Sol — e a própria bolha quente local.

A região rarefeita da bolha teria sido cavada por explosões de supernovas de dez a 20 estrelas, que aqueceram o gás e fizeram com que ele emitisse radiação ionizante na forma de raios X e ultravioleta, “tostando” as nuvens interestelares ao redor do sistema solar.

A ionização dessas nuvens, porém, não é permanente e deve desaparecer conforme os átomos recuperarem elétrons livres, voltando a um estado neutro. Esse processo pode durar alguns milhões de anos.

Epsilon e Beta Canis Majoris também têm tempo limitado. Enquanto o Sol, com 4,6 bilhões de anos, deve viver por mais cinco bilhões antes de se apagar como uma anã branca, estrelas tão massivas queimam seu combustível muito mais rapidamente. É provável que ambas explodam como supernovas nos próximos milhões de anos.

Elas, entretanto, estão longe demais para representar risco à Terra. Suas mortes explosivas, por outro lado, devem produzir um espetáculo impressionante. “Uma supernova explodindo tão perto vai iluminar o céu“, disse Shull. “Será muito, muito brilhante, mas distante o suficiente para não ser letal.”

Moléculas de hidrogênio
Nuvens interestelares locais são compostas por átomos de hidrogênio e hélio na forma de gás e poeira (Imagem: Corona Borealis Studio/Shutterstock)

A pesquisa foi publicada no fim de novembro no The Astrophysical Journal.

Rodrigo Mozelli é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e, atualmente, é redator do Olhar Digital.