Conheça o experimento científico que já dura 80 mil gerações

Embora a evolução seja praticamente impossível de observar, um experimento de décadas vem acompanhando milhares de gerações de uma bactéria
Flavia Correia17/12/2025 14h55
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Um cientista do Experimento de Evolução a Longo Prazo fazendo uma das trocas diárias de frascos de bactérias. Crédito: LTEE
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Estudar a evolução é um desafio porque as mudanças nos seres vivos costumam ocorrer ao longo de milhares ou milhões de anos. À primeira vista, isso parece tornar impossível observar o processo em laboratório. No entanto, um experimento iniciado há mais de três décadas mostrou que a evolução pode, sim, ser acompanhada em tempo real.

O responsável por essa iniciativa é o biólogo norte-americano Richard Lenski. Em 24 de fevereiro de 1988, ele deu início ao chamado Experimento de Evolução a Longo Prazo, conhecido pela sigla LTEE. O estudo acompanha, até hoje, a evolução de bactérias ao longo de dezenas de milhares de gerações.

Em resumo:

  • Com o objetivo de acompanhar a evolução de um ser vivo, Richard Lenski iniciou um experimento longevo;
  • O estudo acompanha bactérias Escherichia coli por milhares de gerações;
  • Doze populações idênticas são transferidas diariamente para ambiente controlado;
  • A rápida reprodução permite observar milhares de gerações e congelar amostras comparativas;
  • Resultados mostram adaptação contínua, mutações elevadas, mesmo sob condições constantes.
A Escherichia coli (E. coli), bactéria causadora de diarreia, Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU), sepse (infecção generalizada), entre outras condições, protagoniza o experimento que atravessa milhares de gerações. Crédito: Saiful52 – Shutterstock

Pandemia de Covid-19 interrompeu o experimento

O experimento começou com 12 frascos contendo colônias idênticas da bactéria Escherichia coli, uma espécie não patogênica muito usada em pesquisas científicas. Todos os dias, cerca de 1% das bactérias de cada frasco é transferido para um novo recipiente com uma solução açucarada diluída, onde elas voltam a crescer.

Esse processo se repete diariamente há 37 anos, com raras interrupções, como durante a pandemia de Covid-19. As bactérias se multiplicam rapidamente, consumindo toda a glicose disponível em poucas horas. Depois disso, permanecem em repouso até a próxima transferência.

A reprodução da E. coli ocorre por fissão binária, quando uma célula se divide em duas. Em condições ideais, a população cresce cerca de 100 vezes por dia, o que equivale a aproximadamente seis gerações diárias. Isso permite observar milhares de gerações em poucos anos.

A cada 500 gerações, parte das bactérias é congelada com proteção especial. Essas amostras podem ser reativadas no futuro, o que possibilita comparar bactérias atuais com suas versões ancestrais. Os pesquisadores chamam esse recurso de uma espécie de “viagem no tempo” científica.

Com esse método, a equipe investiga questões difíceis de responder apenas observando a natureza. Entre elas estão se a evolução ocorre de forma gradual ou em saltos, se existe um limite para a adaptação e se populações idênticas evoluem do mesmo modo em ambientes iguais.

Alexa Morton, cientista do LTEE, acompanha a evolução do experimento – com o marco de 80 mil gerações ao fundo. Crédito: LTEE

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Processo já rendeu mais de 100 estudos

Os resultados vêm sendo publicados ao longo dos anos. Mais de 100 artigos científicos já analisaram diferentes aspectos do experimento. Uma das principais conclusões é que, mesmo em um ambiente constante, a adaptação continua ocorrendo, embora em ritmo cada vez mais lento.

Os cientistas também observaram que algumas linhagens desenvolveram taxas de mutação mais altas, tornando-se chamadas de “hipermutadoras”. Essas mudanças estão ligadas a falhas nos mecanismos de reparo do DNA, mas, ainda assim, o custo imediato para as bactérias é relativamente pequeno.

No fim das contas, como destaca o site IFLScience, o LTEE oferece uma prova direta do funcionamento da seleção natural. Em 2024, o experimento ultrapassou a marca de 80 mil gerações observadas, tornando-se o mais longo da história em número de gerações. E, por enquanto, não há previsão de encerramento.

Flavia Correia
Redator(a)

Jornalista formada pela Unitau (Taubaté-SP), com Especialização em Gramática. Já foi assessora parlamentar, agente de licitações e freelancer da revista Veja e do antigo site OiLondres, na Inglaterra.