Desde o ano passado, o governo do Irã tem deixado pistas de sua possível intenção de desconectar o país, ou seja, tirar a internet de seus cidadãos. Tudo começou quando manifestantes contra administração de Hassan Rouhani utilizaram de aplicativos de mensagens e outros apps para marcar protestos no país. Agora, uma nova pesquisa revela que o Irã tem passado por um apagão de conexão, onde dezenas de milhões de pessoas perderam a conectividade e ficaram à mercê de uma rede local controlada. O estudo é da organização de direitos humanos Article 19.

A suspeita é que a rede alternativa de internet esteja sendo desenvolvida no Irã há pelo menos uma década. O apoio de empresas de internet também ajudou o governo a obstruir o fluxo de conexão e criar um ecossistema de serviços online. Como justificativa para a ação, o país tem argumentado pela segurança nacional, mas é fato que todo o esquema também pode ter sido impulsionado por sanções aplicadas pelos Estados Unidos, o que impede que empresas de tecnologia façam negócios no Irã de forma legal.

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Irã possui rede própria alternativa à rede global de internet. Créditos: Basakk/Shutterstock

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Apesar de a Organização das Nações Unidas (ONU) ter deixado claro, desde 2016, ser contra qualquer maneira de restringir ou bloquear acesso à informação em qualquer país por parte de seus governos, o Irã continua sua empreitada rumo à desinformação e desconexão. Vale destacar ainda que a interrupção da internet no país já assumiu várias formas, como bloqueios de serviços como mídia social ou mesmo um desligamento total.

De qualquer maneira, com a consolidação da nova rede de internet, o país torna-se totalmente autônomo para firmar o controle sobre seus internautas. “O Irã provou que está mais avançado do que qualquer outro país disposto a encerrar a internet”, disse Amir Rashidi, diretor de direitos digitais e segurança da organização de direitos humanos Miaan.

Já Mahsa Alimardani, um dos autores da pesquisa do Article 19 e acadêmico do Oxford Internet Institute, define o desligamento da internet no Irã como o culminar de políticas, desenvolvimento tecnológico e controle centralizado.

Desligamentos em 2019

A maioria dos moradores do Irã percebeu o início do desligamento das conexões em 17 de novembro do ano passado, quando grande parte dos provedores de internet (ISPs) tiveram seus sinais cortados. Outras regiões do país já passavam por instabilidade algum tempo antes disso. De acordo com a pesquisa do Article 19, os ISPs receberam um aviso da Autoridade Reguladora de Comunicações do Irã para que interrompessem seus serviços. Acredita-se que esta disposição tenha vindo do Conselho de Segurança Nacional do país. 

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Protestos no Irã no ano passado podem ter levado ao corte de sinal de internet por parte do governo. Créditos: Anton_Medvedev/Shutterstock

Em 16 de setembro, horas após dos aumentos nos preços dos combustíveis, outro motivo para os protestos do ano passado no país, um grupo que monitora desligamentos de internet mapeando endereços IP em tempo real registrou queda de 7% na conectividade no Irã. O coletivo descreveu a ação como a “desconexão mais severa” que já havia rastreado em qualquer outro país por sua “complexidade técnica e amplitude”.

Diante da comoção e suspeitas do que teria motivado o desligamento, o governo iraniano negou o fechamento das conexões, mas justificou segurança nacional. “A internet não foi interrompida, mas os fornecedores de serviços foram instruídos para cortá-la pelo Conselho de Segurança Nacional”, disse na época o ministro de tecnologia do país, Mohammad-Javad Azari Jahromi.

Inícios dos desligamentos

Há registros de que o primeiro desligamento de internet no país tenha ocorrido a primeira vez em 2009. Mas de acordo com um pesquisador do Article 19 que tem conhecimento da infraestrutura técnica do Irã, a ação teria dado errado. “Eles entraram correndo e começaram a cortar coisas, mas o problema era que muitas conexões e serviços cruciais também foram desconectados”, afirmou. Desta forma, bancos pararam de funcionar, assim como embaixadas inteiras e companhias de navegação de carga internacional.

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Desligamentos de internet mais agressivos no país foram percebidos no ano passado. Créditos: CLIPAREA l Custom media/Shutterstock

Mas aqui vale lembrar que no centro da infraestrutura do desligamento online do Irã está a Rede Nacional de Informações (NIN). Trata-se de uma forma de “intranet” local que usa tecnologias construídas no país. Projetada para o tráfego de “conteúdo aprovado pelo estado”, a NIN oferece aos cidadãos velocidades de internet mais rápidas a custos mais baixos, de acordo com um projeto de monitoramento de internet da Universidade de Harvard. Toda a estrutura criada chama a atenção dos moradores, que acabam utilizando do serviço nacional.

Para isto, segundo a pesquisa da Article 19, houve um esforço por parte do governo em incentivar desenvolvedores nacionais a criarem tecnologias locais, com mecanismos de busca domésticos e aplicativos alternativos, principalmente ao Telegram, que foi bloqueado no país em 2018. “Houve muito esforço para promover a versão iraniana do Telegram, a versão iraniana do WhatsApp”, afirmou Alimardani. 

O estudo da Article 19 ainda revela que o desligamento em novembro de 2019 favoreceu a NIN, pois serviços governamentais que funcionam por meio dela permaneceram online apesar de falhas iniciais. Apps imitadores do Uber e os aplicativos de mensagens Balad e Soroush continuaram acessíveis pela rede. “Eles moveram [tecnologia] para dentro do Irã e agora tudo está pronto para que o governo feche a Internet”, disse Rashidi, da Miaan.

Substituir a internet?

Apesar dos indícios, as autoridades do Irã negaram que a NIN seja a futura substituta da internet, mas sim, sirva de auxiliar da internet global. “Estamos nos preparando para cenários em que a Internet será cortada”, disse Mohammad-Javad Azari, ministro de tecnologia do Irã, antes dos protestos em 2019.

Segundo a Article 19, o desligamento de internet em vários países é uma tendência. “Em 2018, registramos 196 casos em todo o mundo. Mas em 2019, registramos 233 países, e a Índia foi o principal responsável pelas paralisações – foi responsável por 181 das paralisações”, relatou Felicia Anthonio, líder em paralisações de internet no grupo de direitos digitais AccessNow. Ainda de acordo com Felicia, Etiópia, Bielorússia, Quirguistão, Argélia, Somália e Paquistão também fecharam suas conexões com a Internet em 2020.

“Quando você olha de onde começamos e onde estamos agora, isso mostra que os governos tendem a copiar algumas dessas medidas apenas para silenciar as pessoas”, destaca Felicia, que também explica que algumas autoridades em países africanos citaram paralisações em outras nações ao justificar interrupções. Neste ponto, cabe lembrar da Rússia, que divulgou plano de uma internet local autônoma, inclusive alegando testes bem-sucedidos no final de 2019.

Assim sendo, pequenas interrupções de internet já têm deixado os moradores do Irã com medo de terem sua conexão totalmente desligada, segundo Rashidi “Toda vez eles esperam outro desligamento da Internet”, fala. Em 2020, tornou-se suspeita uma breve interrupção na conexão de internet em uma área do país.

Fonte: Wired