Em entrevista recente, a jornalista e historiadora americana Anne Applebaum fez uma afirmação polêmica que, para muitos, soou como censura das redes sociais. Na tentativa de advertir sobre o uso desenfreado das redes pelo mundo, ela afirma que “o radicalismo é capaz de matar” e levanta a bandeira de que “chegou a hora de regular as redes sociais”.

Aos 56 anos, Anne é uma intelectual conservadora e foi editora das revistas The Economist e The Spectator. Como historiadora, consolidou seu prestígio com diversos estudos que lhe renderam prêmios. Em seu novo livro “O Crepúsculo da Democracia” (Record), ela narra a aparição de um novo fenômeno: “a adesão de intelectuais a ideias autoritárias de governos populistas” e alerta para a “escalada de populismo e autoritarismo”. “Ideias autoritárias se alimentam da insatisfação profunda das pessoas com os rumos da vida moderna e as mudanças sociais e demográficas das últimas décadas”, afirma. 

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O uso crescente das redes sociais. Créditos: Freepik
O uso crescente das redes sociais. Créditos: Freepik

A escritora afirma que a democracia liberal passou a ser questionada graças à frustração da população com as “complicações” para aprovar novas leis, dando a sensação de governos inoperantes. Segundo ela, na maioria das democracias liberais as pessoas acham que os líderes, de quem esperam mudança, não têm o controle.

“Não há caminho de volta ao passado. Países democráticos terão que reinventar o modo de fazer política. A chaga da polarização causa estragos não apenas nos EUA, mas também no Brasil, Polônia e Filipinas. Como estes países não comungam a mesma cultura, o fenômeno que une as divisões radicais são as mudanças no ecossistema da informação, ou seja, a influência das redes sociais”, conclui. Ela cita a invasão do Capitólio, por exemplo, como uma explosão da raiva insuflada por anos de polarização nas redes sociais.

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A necessidade da regulação de uso nas redes sociais

Para Anne, essa é a única forma de lidar com o extremismo e evitar situações extremas. “Não se trata de censura nas redes sociais, mas de adequação dos algoritmos das plataformas ao interesse público. Hoje, a lógica das redes é dar relevância a qualquer conteúdo que traz engajamento, por isso elas têm tantas fake news e discursos irracionais. Os algoritmos estimulam os usuários a fazerem coisas deprimentes na Internet. É preciso inverter a lógica, dando relevância ao que nos une e à informação confiável”, afirma.

Quando questionada se isso não seria um controle das redes, a jornalista defende que a regulação seja feita por órgãos independentes, sem qualquer tipo de manipulação política. “Talvez seja hora de pensar por que, ao lado das redes que já existem, não pode haver serviços públicos do gênero”. Como exemplo, ela cita Taiwan, que criou fóruns públicos de debate sobre problemas que galvanizam a população com resposta “excelente” por parte das pessoas.

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Anne Applebaum foi signatária da carta aberta dos intelectuais americanos condenando a chamada “cultura do cancelamento”. Ela se posiciona sobre o assunto afirmando achar “feio” o comportamento de grupos que perseguem pessoas na Internet. “É assustador constatar que a violência online pode descambar para agressões reais. Na Polônia, fui alvo de campanhas muito ativas de difamação. A TV estatal ainda propaga ataques contra mim e meu marido, o político e ex-ministro da Polônia, Radoslaw Sikorski. Espalharam até que eu faria lobby contra os interesses do País no exterior. Já me incomodei, mas aprendi a viver assim. Parei de me importar”, finaliza.

Fonte: Revista Veja