O cometa C/2021 A1, popularmente conhecido como “Cometa Leonard”, passará pela órbita de Vênus em dezembro de 2021, em uma proximidade tão rara que eles quase vão se tocar, de acordo com paper produzido por Qicheng Zhang, cientista de astronomia baseado no Instituto Caltech, ligado à Nasa, nos EUA.

O cometa Leonard é o que especialistas chamam de “cometa de trajetória hiperbólica”, o que significa que seu percurso é tão longo que ele nunca passa pela mesma região duas vezes no tempo de vida de um ser humano. No caso dele, estamos falando de uma vez a cada 80 mil anos.

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Imagem mostra um cometa, similar ao Leonard, que passará por Vênus em dezembro
Um cometa de trajetória hiperbólica, como é o caso do Cometa Leonard, não facilita a sua observação aqui da Terra, mas cientistas ainda têm esperança de que seus efeitos em Vênus, em dezembro desse ano, possam ser vistos por nós. Imagem: above the sky/Shutterstock

Quando ele cruzar a órbita de Vênus, em dezembro, cientistas estimam que sua passagem poderá ser vista da Terra por meio de telescópios. Entretanto, uma outra possibilidade tem intrigado especialistas: a de que o cometa pode gerar uma chuva de meteoros e, se isso acontecer, será possível para nós observá-la daqui.

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Para isso, é importante estabelecer duas coisas: as condições pelas quais uma chuva de meteoros ocorre, e as condições de que a observação de corpos celestes em Vênus seja possível. Segundo especialistas ouvidos pelo Space.com, o segundo planeta do nosso sistema solar impossibilita qualquer visualização do céu a partir de sua superfície — a atmosfera de dióxido de carbono é grossa demais e o gás é perene, então sempre há nuvens no céu.

Entretanto, isso ocorre “apenas” até cerca de 55 km de altitude. Passando dessa marca, as condições da atmosfera de Vênus se assemelham muito com as da Terra, com temperatura e pressão surpreendentemente próximas da nossa casa, segundo Paul Byrne, da Universidade de Washington.

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“É o único lugar no sistema solar onde a temperatura ambiente e condições de pressão são presentes e, provavelmente, um astronauta poderia se apoiar ao corrimão de algum tipo de ‘gôndola’ com um aparato de respiração, mas fora isso, poderia até usar camiseta”, disse o especialista.

Já a chuva de meteoros ocorre em situações relativamente específicas: a mais comum é quando um cometa deixa um rastro de poeira cósmica no caminho da órbita de um planeta — mais ou menos como o cometa Swift-Tuttle faz com as “Perseidas”, a chuva de meteoros que você pode observar a olho nu em regiões como o norte e o nordeste brasileiro.

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No caso de Vênus, isso virá a acontecer em dezembro, pois o planeta passará justamente pelo ponto onde, teoricamente, o Cometa Leonard terá passado três dias antes. Dadas as condições de observação de objetos celestes em Vênus, é possível que isso possa ser visto por nós. Possível, porém muito pouco provável:

“Tem muitos fatores desconhecidos que podem afetar muito as coisas”, disse Qicheng Zhang. “As chances de observarmos esse evento não são particularmente boas, mas elas não estão fora do campo de possibilidades e não seria de todo surpreendente se enxergássemos algo”.

O problema, segundo Zhang, é que o Cometa Leonard não parece ter produzido uma longa nuvem de poeira cósmica, e dadas as projeções do que seria necessário para assegurar a ocorrência — e nem tanto a observação — de uma chuva de meteoros em Vênus, não temos como afirmar nem se o cometa estava ativo. Para isso, seria necessário que o Leonard estivesse em atividade a uma distância do Sol de 500 a mil vezes em relação à da Terra.

“Isso é muito, muito longe, antes mesmo do cometa ter sido descoberto”, disse Zhang, “Não sabemos nem se ele estava ativo nessa distância. Se tivermos uma detecção ativa de meteoros em Vênus neste evento, então ele nos diria que o cometa era bem ativo a distâncias maiores do Sol”.

O especialista ainda vai mais longe, especulando que, matematicamente, a única coisa que mudaria esse paradigma seria um evento explosivo com o cometa, “do tipo que poucos exemplares na história já produziram”. Isso seria ainda mais raro do que uma chuva de meteoros em Vênus observável da Terra.

Em outras palavras: é muito difícil, mas não necessariamente impossível.

Na história, esse tipo de situação não é inédita: em outubro de 2014, o cometa C/2013 A1 (Siding Spring) veio da Nuvem de Oort e passou pelo lado escuro de Marte. Três horas depois, o planeta vermelho cruzou com a sua trilha de poeira. A olho nu, não vimos nada, mas o orbitador MAVEN, da Nasa, conseguiu capturar a assinatura de magnésio despejada pelo cometa na atmosfera do planeta.

A situação de dezembro, porém, é bem diferente: enquanto Marte tem quatro orbitadores, três veículos de exploração terrestre (os rovers Curiosity e Perseverance, da Nasa; e o Zhurong, da China) e um helicóptero remoto de pequeno porte (Ingenuity, da Nasa), Vênus conta com apenas um orbitador — o japonês Akatsuki. Além disso, o Leonard nunca passará tão perto de Vênus quanto o Siding Spring passou de Marte.

Os dois devem chegar ao seu ponto mais próximo a uma distância de 50 mil km — isso, contando a cauda do cometa. Se considerarmos apenas o seu corpo, a distância aumenta para 4,3 milhões de km. O que nos favorece, neste caso, é o posicionamento: a Terra, Vênus e o Sol estarão orientados de forma que seus lados mais brilhantes estejam visíveis entre si. E considerando que Vênus está bem mais próximo da Terra do que Marte, Zhang diz que pode ser possível enxergarmos um “tímido flash” do evento venusiano, se ele vier a ocorrer. 

Ele antecipa que telescópios menores — mesmo os amadores com mais equipamentos profissionais — seriam os mecanismos ideais para isso. O telescópio espacial Hubble, porém, ficaria “cego” nesse caso, pois Vênus estaria próximo demais do Sol para ele produzir qualquer imagem.

Finalmente, Zhang ressaltou que, independente do que acontecer, essa será a última chance: segundo seus cálculos, é quase certo que o restante do nosso sistema solar por onde o cometa Leonard passar deve bagunçar a sua órbita de forma mais incisiva, ao ponto de sua próxima passagem — daqui a 80 milênios — seja bem longe daqui, perdida em pontos remotos do espaço.

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