Na última sexta-feira (10), o Olhar Espacial recebeu o professor doutor Felipe Braga Ribas, que trabalha na caracterização física de pequenos corpos, a partir da observação de ocultações estelares. Ribas é autor líder do trabalho que descreve a descoberta do primeiro sistema de anéis ao redor de um pequeno corpo do sistema solar, o centauro (10199) Chariklo.

O apresentador do Olhar Espacial Marcelo Zurita (canto superior direito) recebeu a divulgadora científica Bruna Marques para uma entrevista com o professor doutor Felipe Braga Ribas, que trabalha na caracterização física de pequenos corpos, a partir da observação de ocultações estelares (canto superior esquerdo). Imagem: Captura de tela – YouTube – Olhar Espacial edição 10/09/2021

Ele trabalha no Departamento Acadêmico de Física (DAFIS) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e atua no Programa de Pós-Graduação em Física e Astronomia (PPGFA), além de coordenar o Clube de Astronomia da Universidade (CAUTEC).

Sob o comando de Marcelo Zurita, presidente da Associação Paraibana de Astronomia (APA); membro da Sociedade Astronômica Brasileira (SAB), diretor técnico da Rede Brasileira de Observação de Meteoros (Bramon) e coordenador regional (Nordeste) do Asteroid Day Brasil, o programa contou com a presença da divulgadora científica Bruna Marques como entrevistadora convidada.

Bruna atua nos projetos Papo Astronômico, Canal Papo Astronômico e Giro Astronômico.

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Ocultações estelares: o que são e como elas podem proporcionar novas descobertas astronômicas

De acordo com Ribas, a ocultação estelar é um fenômeno que ocorre quando um corpo passa na frente de uma estrela de fundo, “uma dessas que a gente consegue ver no céu”. 

“É basicamente quando um objeto passa na frente de uma estrela. E isso nos permite descobrir muitas coisas”, explica o pesquisador. “É muito interessante porque, além de ser uma coisa relativamente simples, no sentido de que a ideia por trás disso é bastante simples, você consegue descobrir coisas fantásticas sem nem ver o objeto, sem que você veja o seu alvo. A estrela se apagou porque o alvo, o objeto, passou na frente e bloqueou a luz dessa estrela. E a gente não está vendo o objeto, está vendo a sua sombra. Então, a gente usa a sombra do objeto para compreender mais sobre ele”. 

Em relação à importância da técnica de observação de ocultações estelares, Zurita destaca: “Ocultações astronômicas são importantes para a astronomia por conta de nos permitir observar objetos pequenos e escuros através da luz das estrelas”.

Nenhum telescópio espacial, segundo Ribas, consegue uma resolução mais precisa do que a alcançada pela técnica de ocultação estelar no estudo de qualquer objeto. “O poder dessa técnica é que a gente passa a ter uma resolução espacial para o estudo do entorno do objeto que é muito superior a qualquer outro telescópio sobre a Terra, rivalizando apenas com uma sonda que vá até o objeto. Todas as outras técnicas, seja Hubble, seja James Webb, seja VLT, enfim, nenhuma tem a resolução espacial que podemos conseguir na ocultação estelar, que pode ser feita com pequenos telescópios”.

Questionado por Bruna sobre a relevância dos astrônomos amadores nesses estudos, Ribas afirma que é fundamental. “Precisamos de pessoas na Terra observando o evento, cobrindo a região da sombra do objeto”. 

Isso porque, segundo o pesquisador, a sombra vista sobre a Terra é basicamente do tamanho do próprio objeto. “Então, se nosso objetivo é analisar um objeto que tenha dezenas ou centenas de quilômetros, nós precisamos de observadores ao longo desse espaço para poder estudar a sombra desse objeto”. 

Cada linha da imagem representa uma parte do objeto que está sendo observado e analisado por cada um dos astrônomos espalhados por toda a extensão da sombra do objeto na Terra. Imagem: Felipe Ribas – via Olhar Espacial edição 10/09/2021

Ribas explica que cada observador, em sua localidade, consegue ver uma linha dessa sombra, e que essas observações, em conjunto, ajudam na melhor compreensão da pesquisa. 

O estudo de ocultações estelares conta com a colaboração de astrônomos amadores espalhados por todo o globo, principalmente na Europa, nos EUA, no Japão e na Austrália.

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E, claro, como brasileiro, Ribas gostaria muito de poder contar com uma participação mais ativa de observadores do país. “Queremos que os brasileiros se tornem cada vez mais atuantes nessa área. Temos a felicidade de contar com a colaboração de alguns brasileiros já, mas gostaríamos de mais”. 

Ele diz que existe uma ferramenta muito simples para ajudar os astrônomos amadores do Brasil a participarem do projeto. “Criamos há pouco tempo um site que contém as ocultações que podem ser vistas do Brasil, que podemos considerar mais acessíveis, ficando mais fácil para o pessoal ajudar, mesmo com telescópios mais modestos”. 

Pesquisador fala sobre a descoberta dos anéis ao redor do asteroide Chariklo

Conforme disse Marcelo Zurita, o sonho de todo observador de ocultações astronômicas é fazer uma descoberta. Normalmente, essas observações permitem a descoberta de asteroides duplos ou luas de asteroides, por exemplo.

E foi o que aconteceu, há oito anos, com Felipe Ribas e sua equipe. Na ocasião, eles estudavam, por meio de ocultação astronômica, o asteroide centauro Chariklo, localizado entre Saturno e Urano. Um asteroide é classificado como centauro quando orbita entre os planetas Júpiter e Netuno – que é a principal região de observação de Ribas.

Representação gráfica dos anéis de Chariklo, descobertos pelo pesquisador brasileiro Felipe Braga Ribas. Imagem: Felipe Ribas – via Olhar Espacial edição 10/09/2021

Mas, o que tornou a descoberta uma das mais interessantes da astronomia é o que eles conseguiram identificar no corpo celeste. “Estávamos fazendo essa observação do Chariklo, que é o maior dos centauros, uma observação como outra qualquer. Só que nós notamos que as curvas de luz mostravam coisas inesperadas”, relata Ribas.

O que a equipe estava percebendo era a existência de pedras antes e após o corpo principal do asteroide. “Num primeiro momento, olhando os dados, achamos que era algo um pouco estranho. Mas, aí, observando bem uma determinada curva de luz, tivemos a certeza: Chariklo tem anéis”.

Segundo Ribas, foi a realização de um sonho. “Se para quem lê ou ouve falar a respeito já parece algo incrível, imagine para nós, que estávamos vivendo aquilo naquele momento”, diz o pesquisador, que liderou o estudo, que foi o tema de seu pós-doutorado.

Zurita explica que essa foi a primeira vez que um sistema de anéis é descoberto em um objeto pequeno. “Até então, só se tinha conhecimento de anéis nos gigantes gasosos e gelados, nos planetas mais distantes do sistema solar. Então, dá para se ter uma ideia da dimensão dessa decoberta”.

Ribas conta que, em 2017, outro sistema de anéis foi descoberto por sua equipe, dessa vez em torno de um planeta anão. “Então, são dois sistemas de anéis conhecidos hoje, além de outros que estão em suspeita e ainda não foram confirmados”.

O que poderia explicar o sistema de anéis ao redor de Chariklo 

Desde a descoberta feita por Ribas, o asteroide Chariklo e seus misteriosos anéis intrigam astrônomos no mundo todo. O professor detalhou os fatores que poderiam explicar o fenômeno.

“Os anéis em torno de Chariklo não se devem a uma atração energética no sentido de magnetismo, mas não deixa de ser uma espécie de energia sim, tendo em vista que eles estão lá por conta do equilíbrio entre a gravidade do objeto, do asteroide, no caso, e as forças que tentam desestabilizar esses anéis”, explica Ribas.

Essas forças citadas pelo pesquisador são, segundo ele, atrações de planetas, a própria pressão da radiação solar, a colisão entre partículas que podem gerar perda de material, entre outras.

“Existem vários fatores, que ainda estamos tentando entender como eles trabalham juntos, que conseguem manter os anéis confinados no local onde se encontram”, disse o pesquisador. 

Segundo Zurita, os anéis são um fenômeno considerado efêmero, do ponto de vista astronômico, ou seja, não duram para sempre. No entanto, de acordo com Ribas, eles duram muito, embora não se saiba precisar por quanto tempo. 

“Acreditamos que existam vários outros anéis espalhados no sistema solar, em torno de pequenos corpos”, disse Ribas, afirmando que tais descobertas podem levar a uma compreensão maior sobre o universo, como a formação da nossa própria Lua, por exemplo. “Claro que não é uma relação direta, não significa que o que acontece com os anéis de Chariklo necessariamente também aconteceu na formação da Lua, mas, sim, são estudos que, em conjunto com outros, podem esclarecer muita coisa”.

Você pode ver (ou rever) o programa Olhar Especial que contou com a participação do professor Felipe Ribas neste link.

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