Num gesto que causou uma crise diplomática sem precedentes entre Austrália e França, na última quarta feira, o presidente John Biden anunciou o pacto Aukus, pelo qua a Austrália receberá tecnologia militar dos Estados Unidos e Reino Unido para criar submarinos nucleares.

No dia seguinte, a França manifestou sua indignação, denunciando o que viam como uma traição de três aliados, uma “facada nas costas”. O ministro do exterior da França, Jean-Yves Le Drian, chegou a comparar Biden com Trump. Em protesto, o presidente da França, Emmanuel Macron, chamou de volta o embaixador na Austrália, um gesto que geralmente ocorre com países à beira da guerra.

Isso porque a França tinha, desde 2016, negociações com a Austrália para prover submarinos. Sem que os franceses fizessem ideia, os australianos costuraram com americanos e britânicos o fim do acordo pelo qual a França forneceria 16 submarinos convencionais à Austrália. Era uma colaboração prevista para durar 50 anos, num total de US$ 66 bi (R$ 361 bi).

Bomba geopolítica

Mas a razão de o acordo ter um impacto mundial não é apenas uma desavença comercial entre dois países democráticos ricos, mas o que está por trás dessa decisão:

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Os desafios de segurança na região do Indo-Pacífico cresceram significativamente. A modernização militar está ocorrendo numa proporção sem precedentes, as capacidades estão avançando e a pesquisa, expandindo. A vantagem tecnológica apreciada pela Austrália e nossos parceiros está diminuindo.

Comunicado oficial do Governo da Austrália

Quem está modernizando no Indo-Pacífico? A resposta é óbvia: a China. A Austrália se une aos esforços anti-China iniciados pelos Estados Unidos no governo Trump, que incluíram o banimento da Huawei, dos quais Biden não recuou.

A França, em contraste, vinha tentando uma estratégia mais diplomática, e a surpresa pode por em risco a integridade da Otan, a já fragilizada aliança dos países ocidentais criada na Guerra Fria – que Trump também parecia pouco interessado em manter.

Mas a decisão também tem uma explicação tecnológica. É sobre por que a Austrália achava que precisava de submarinos comuns e agora acha que precisa de nucleares.

A decisão da Austrália: submarino nuclear versus convencional

A função militar de um submarino independe de ser convencional ou militar. Seu trabalho é mover-se indetectado, à profundidade, onde o radar não funciona e a opção, o sonar, é bem menos eficiente. É uma ação furtiva: aparecer de surpresa e ou atacar navios ou disparar mísseis contra alvos em terra, e desaparecer novamente para evitar retaliação.

O nuclear no submarino não está nas suas armas, mas sistema de propulsão: um reator nuclear, versus uma composição híbrida diesel-elétrica no convencional.

Submarino nuclear classe Virginia, dos EUA (Imagem: Wikiedia Commons)

Submarinos nucleares e convencionais podem ser feitos para disparar tanto torpedos, especializando-se em atacar embarcações, ou mísseis contra navios ou solo, e esses últimos podem ser convencionais ou nucleares. Hoje, todos os submarinos que disparam mísseis nucleares são nucleares, mas os primeiros não eram e nada impede um país como a Coreia do Norte usar armas nucleares a patir de submarinos convencionais.

Um submarino convencional se move sob a água com um motor elétrico e, em superfície, com um motor a diesel. O motor a diesel é usado para carregar suas baterias, como num carro híbrido não plugin. Assim, ele precisa, de tempos em tempos, emergir e ligar o motor a diesel, e depende do combustível que pode carregar, como qualquer navio.

Submarinos nucleares usam um combustível imensamente mais compacto e potente que diesel: urânio enriquecido. Com isso, eles podem carregar combustível para até 30 anos e tem eletricidade virtualmente infinita gerada pelo reator. Obtendo oxigênio da água por eletrólise, não precisam vir à superfície praticamente nunca. Um submarino nuclear permanece meses sob a água, retornando ao porto para obter suprimentos e trocar de equipe.

Brasil também quer ter o seu

Se a ideia é apenas fazer patrulha das próprias costas, um submarino a diesel está de bom tamanho. Um nuclear serve para ir longe, muito longe, às portas do inimigo, sem que ele perceba. E essa é a razão porque submarinos de mísseis nucleares também costumam ser nucleares: eles são basicamente bases secretas no fundo do mar.

Pela própria forma como explicou a mudança, a razão de um submarino nuclear australiano é óbvia: a China. A ideia é manter o controle do território de forma furtiva, contra os avanços da China.

O Brasil, como a Austrália, também não tem armas nucleares e está desenvolvendo seu programa de submarinos nucleares desde 2012. Ironicamente, o projeto deriva de um submarino convencional francês, o Scorpéne. O SN Álvaro Alberto, como será chamado o primeiro, é do tipo de ataque marítimo, levando torpedos, não foguetes.

No total, hoje, apenas seis países do mundo tem submarinos nucleares: Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido, Índia e (sim) França.

Imagem: FOTOGRIN/Shutterstock

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