Um tipo diferente de gelo – chamado de “gelo super iônico” – é formado no centro de Urano e Netuno, resultado da alta temperatura e pressão encontradas nos dois planetas. Cientistas da Universidade de Chicago, porém, conseguiram reproduzir o material aqui na Terra, publicando um paper com suas conclusões no jornal Nature Physics.

Não é a primeira vez que o “gelo super iônico” é visto na Terra: cientistas já conseguiram reproduzí-lo no passado. Entretanto, ele foi apenas visto por um breve instante durante um teste que envolveu ondas de choque direcionadas em uma gota d’água. Desta vez, eles conseguiram criá-lo e mantê-lo para que pudesse ser analisado.

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Ilustração de cubos de gelo, simbolizando o gelo super iônico existente em planetas distantes
Um tipo específico de gelo que existe em Urano e Netuno foi reproduzido com sucesso na Terra, e pode nos ajudar a entender melhor a formação de planetas distantes e a capacidade de hospedar vida (Imagem: Belozerova Daria/Shutterstock)

“Foi uma surpresa, pois ninguém achava que essa fase [do gelo] iria aparecer até atingirmos pressões muito mais altas”, disse Vitali Prakapenka, professor e cientista do Advanced Photon Source (APS), um escritório e um acelerador de partículas que compartilham o nome e estão a serviço do Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE). “Entretanto, nós conseguimos mapear com muita precisão todas as propriedades desse novo gelo, o que constitui uma nova fase da matéria, graças a poderosas ferramentas à disposição”.

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O estudo de núcleos planetários é um de bastante dificuldade. Mesmo aqui na Terra, nós só conseguimos cavar até algo próximo de 12 km para dentro do nosso planeta. Quando tentamos ir além, as rochas passaram a se comportar mais como borracha, moléculas mais básicas – como as que formam a água – começaram a se alterar, e equipamentos maciços derreteram frente à imensa pressão e temperatura crescente.

Por causa disso, nosso entendimento no assunto depende quase exclusivamente da formulação de teorias que podemos testar em laboratório. Usando o APS, Prakapenka e seus colegas conseguiram acelerar elétrons a uma velocidade próxima à da luz, isolando as duas partículas em dois pedaços de diamante – o material mais duro da Terra – a fim de simular a pressão vista em ambientes extremos.

A princípio, os primeiros dados fizeram Prakapenka pensar que algo havia saído errado, talvez uma reação química indesejada tenha sido desencadeada – algo comum com experimentos envolvendo água. “Mas quando eu desliguei o laser e a amostra voltou à temperatura ambiente, o gelo voltou ao seu estado original”, ele contou. “Isso significa que a mudança vista foi estrutural, reversível, e não de natureza química”.

“Imagine uma grade ou treliça”, ele continuou, “com átomos de oxigênio nos cantos e conectada por hidrogênio. Quando o gelo se transforma nesse formato super iônico, essa grade se expande, permitindo que os átomos de oxigênio permaneçam firmes em suas posições. A grosso modo, é como se fosse um oxigênio sólido boiando em um mar de hidrogênio”.

O interessante é que, em termos técnicos, os cientistas descobriram um novo estado da matéria. Nós aprendemos na escola sobre os três estados principais da água – sólido (gelo), líquido (água) e gasoso (vapor). O “gelo super iônico”, porém, constitui um novo campo de estudo: sabemos que ele é sólido, mas logo de cara, ele já apresentou propriedades diferenciadas – ele é consideravelmente mais escuro pois interage com a luz de forma diferente, e o material em si é menos denso.

A parte surpreendente vem por essa fase ter aparecido antes do esperado: ela já foi teorizada há anos, mas estimativas afirmavam que a fase só apareceria após a aplicação de mais de 50 gigapascais de pressão – ou, em termos comparativos, a mesma condição do combustível de um foguete antes da ignição. O experimento de Prakapenka e da Universidade de Chicago chegou no ponto em “apenas” 20 megapascais.

Os cientistas ainda vão estudar toda a gama de propriedades desse “novo gelo”, mas já existe certa ansiedade por resultados. Isso porque essas referidas propriedades têm influência no campo eletromagnético de um planeta. No nosso caso, por exemplo, nosso campo nos protege de raios cósmicos e a intensa radiação solar. Consequentemente, nosso planeta tem um panorama específico para a geração e abrigo da vida.

No caminho contrário, Mercúrio, que é próximo demais do Sol, e Marte, cuja atmosfera desapareceu há bilhões de anos, têm um visual desértico em suas superfícies porque possuem virtualmente zero proteção contra esses ataques.

Segundo Prakapenka, o gelo super iônico vai desencadear vários novos estudos.

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