Quando alguém menciona a Bahia, não são muitas as pessoas que vão pensar no estado de maior tamanho do nordeste brasileiro como um pólo de exportação de cacau e outros recursos agrícolas, mas é justamente nisso que vem trabalhando um agricultor suíço que, há pelo menos 40 anos, tem transformado terras vistas como “irrecuperáveis” em referências não só de produção, mas também de consciência ecológica, por meio de um processo que ele classifica como “plantio de água”.

O homem em questão se chama Ernst Götsch (73), natural de Zurique, na Suíça, que veio para o Brasil na década de 1980 . Ele detalhou, em entrevista à BBC Brasil, como conseguiu não apenas tornar a sua região um centro de produção agrícola, mas também apresentar seu trabalho para entidades que vão desde o Grupo Pão de Acúcar até o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

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De acordo com a reportagem, Götsch chegou ao Brasil e adquiriu terras cujos proprietários anteriores haviam destruído quase que por completo, graças a práticas tradicionais do agronegócio. Segundo ele, a área era conhecida por plantações convencionais de mandioca, que esgotaram os recursos da terra e levaram ao assoreamento de 14 riachos próximos – em outras palavras, a ausência de vegetação nas proximidades gerou um acúmulo de terra, lixo e matéria orgânica no fundo das águas, que aos poucos foram secando ou se desviando.

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A prioridade do suíço, então, era justamente a recuperação hídrica das terras, o que foi feito por meio de práticas de reflorestamento de vegetação ciliar – aquelas que beiram corpos d’água – a fim de preservar o solo da erosão, ao mesmo tempo em que cavou valas nos cursos originais dos riachos. Em pouco tempo, o volume de chuvas na área aumentou, ampliando a capacidade hídrica e recuperando o que o governo da época considerava perdido.

“Dentro de pouco menos de dois anos, eu tinha reflorestado tudo”, ele contou à BBC. Eventualmente, seu trabalho chamou a atenção de entidades agrícolas da região, que começaram a procurá-lo para consultorias. Algumas dessas entidades eram próximas ao governo. Uma coisa levou à outra e, hoje, Götsch divide sua renda entre plantações e exportações de cacau – a maior parte, adquirida pelo agronegócio de Portugal -, e palestras onde ele difunde o seu trabalho “plantando água”.

Imagem mostra o agricultor suíço Ernst Götsch, famoso por empregar na Bahia o conceito de viver "plantando água", mais amigável ao meio ambiente
O suíço Ernst Götsch, que veio ao Brasil há quatro décadas, vem implementando práticas agrícolas amigáveis ao meio ambiente, ao mesmo tempo em que promove seus conhecimentos para entidades nacionais e internacionais (Imagem: BBC Brasil, via Youtube)

Evidentemente, o conceito tem um nome técnico – “evotranspiração”, ou seja, apostar na transpiração das árvores replantadas para intensificar a formação de nuvens, que aumenta o volume de água devolvida ao solo por meio de chuvas (um fenômeno conhecido como “rio voador”).

Na prática, o resultado disso foi o aumento de volume pluviométrico – a média de ocorrência de chuvas – em 70%, em uma área que abrange até 8 quilômetros (km) a oeste de sua fazenda.

Antes de deixar a Suíça, Götsch estabeleceu para si mesmo o questionamento: “será que não seria mais inteligente se nos dedicássemos a melhorar as condições que damos às plantas, em vez de tentar adequá-las às condições cada vez piores que lhes oferecemos?”

Imagem mostra duas frutas de cacau em uma árvore, em fazenda na Bahia
Graças aos esforços mais ecológicos e sem uso de produtos químicos e agrotóxicos, a fazenda de Ernst Götsch na Bahia é mundialmente reconhecida como um pólo produtor de cacau e outros recursos naturais (Imagem: BBC Brasil, via Youtube)

Segundo o que ele contou à BBC, isso envolveu o desenvolvimento de práticas de cultivo que imitassem os ecossistemas originais. No caso do Brasil, isso envolveu “respeitar as condições de que cada planta usufruía em seu estado natural, como a quantidade de luz”. conforme trecho da matéria.

Não à toa, nem só de cacau vive a área, que também conta com plantações de abacaxi, café, laranja e bananas, entre outros recursos. Todos esses, contudo, obedecem a condições diferentes de cultivo, então abordagens mais aprofundadas se fazem necessárias.

Isso se traduz em um retorno maior a longo prazo do que, digamos, a introdução de agrotóxicos e outros produtos químicos vistos nas lavouras tradicionais. Para Götsch, essa prática se mostra um investimento alto, com pouco retorno. Considerando que eventualmente o uso desses produtos vai empobrecer ou até mesmo destruir as capacidades de plantio, o agricultor suíço diz que o modelo “traz um balanço energético negativo”, onde é mais cara a produção do que seus resultados.

Imagem aérea mostra fazenda de cacau e outros produtos na Bahia
A maior parte da fazenda de Ernst Götsch virou propriedade protegida pelo governo da Bahia – apenas 5% da região está retida para a moradia dele e de sua família (Imagem: BBC Brasil, via Youtube)

Invariavelmente, isso acaba flertando com pensamentos ligados à política brasileira – algo pelo qual Götsch tece críticas por todos os lados. Sobre o governo do Partido dos Trabalhadores (PT), ele julgou pouco inteligente a implementação de práticas que desencorajaram agricultores a procurarem soluções próprias de longo prazo – eles preferiram esperar o governo agir por eles, entende o suíço.

Já no caso do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), ele é comicamente objetivo: “Não é uma das pessoas mais inteligentes que eu conheço”. Vale lembrar de um relatório recente divulgado pelo Observatório do Clima, que mostrou que o Brasil registrou os maiores aumentos em índices negativos de preservação ambiental na última década – mesmo com a pandemia causando retração da poluição em outros países.

Considerando a idade avançada, Götsch agora divide seu tempo em passar o que aprendeu a gerações mais jovens – ele construiu alojamentos em sua propriedade para receber alunos (a quem chama de “estagiários”), e idealizar projetos internacionais que empreguem seu conceito. “Quando você para de sonhar, não vive mais”, ele disse, pouco depois de comentar sobre planos de “reflorestar desertos” e confessar um princípio de conversa com o governo da Arábia Saudita para a criação de áreas verdes.

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