Desde que a luneta de Galileu Galilei observou outros planetas pela primeira vez há mais de 400 anos, a humanidade se questiona se estaríamos sozinhos no Universo. Da mesma forma, também nos questionamos o que aconteceria se um dia, a Terra fosse visitada por criaturas alienígenas. Será que eles apenas nos observariam? Ou zoariam nossas plantações? Ou será que iriam preferir aniquilar toda a humanidade e explorar os recursos do nosso planeta?

Em uma noite de 1938, as respostas para estas questões vieram como um pesadelo para cerca de 6 milhões de pessoas nos Estados Unidos. A invasão da Terra por marcianos foi noticiada em uma das rádios mais ouvidas da costa leste americana. E os alienígenas, em gigantescas máquinas, atacavam as cidades e dizimavam a população. Só que tudo aquilo não passou de uma brincadeira, de muito mal gosto.

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1938 foi um ano “meio tenso”. As crises financeiras e a iminência de uma Segunda Guerra Mundial dominavam os pensamentos por todo o planeta. Em muitos lugares, os programas de rádio ajudavam a aliviar essas tensões, e quase toda família americana tinha um rádio naquela época.

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Na costa leste dos Estados Unidos, as rádios CBS e NBC disputavam a audiência de um público de milhões de pessoas. Nas noites de domingo, o jovem Orson Welles dirigia “The Mercury Theatre On Air” da CBS, que apresentava adaptações de obras literárias clássicas para o rádio. Já na NBC, o programa “The Chase and Sanborn Hour” era o campeão absoluto de audiência. Mas não naquele 30 de outubro de 1938.

À esquerda: Orson Welles em seu programa “The Mercury Theater On Air” da Rádio CBS - Fonte: Acervo CBS | À direita, programa “The Chase and Sanborn Hour” da Rádio NBC
À esquerda: Orson Welles em seu programa “The Mercury Theater On Air” da Rádio CBS – Fonte: Acervo CBS | À direita, programa “The Chase and Sanborn Hour” da Rádio NBC. Créditos: NBC

Às 8h da noite, a CBS apresentou sua atração, a adaptação da obra “A Guerra dos Mundos” de H. G. Wells, de 1898. Na sequência, um rápido prólogo narrado por Orson Welles e, a partir daí, o que se segue pode-se ser chamado de inadequado, espetacular, inconsequente ou genial. Ou tudo isso junto. Mas certamente foi algo grandioso, e que mudou para sempre a história da comunicação.

Ilustração do artista brasileiro Henrique Alvim Corrêa para a edição francesa de 1906 de “A Guerra dos Mundos” de H. G. Wells
Ilustração do artista brasileiro Henrique Alvim Corrêa para a edição francesa de 1906 de “A Guerra dos Mundos” de H. G. Wells. Créditos: Henrique Alvim Corrêa

Welles finalizou seu prólogo sem deixar claro se a história teria acabado ou não. Mas ela continuaria simulando como os eventos d’A Guerra dos Mundos seria narrada pela rádio. A programação fictícia contava com muita música apresentada pelo radialista que todos conheciam, e no decorrer do programa, começaram a surgir boletins informativos, claro, com a mesma vinheta de sempre.

Em um deles, o radialista informa que uma atividade incomum havia sido observada em Marte, como se algo tivesse sido lançado em direção à Terra. Em outro boletim, é transmitida uma entrevista com um famoso astrônomo explicando que não há com que se preocupar.

Cena da série “A Guerra dos Mundos” exibida na BBC
Cena da série “A Guerra dos Mundos” exibida na BBC. Créditos: Divulgação BBC

As interrupções começam a ficar mais frequentes quando informam o avistamento de meteoros em várias partes do mundo. Um deles teria caído bem próximo, em Nova Jersey, e então, um jornalista é enviado até o local. Ao chegar lá, invés de um meteorito, ele encontra um estranho objeto cilíndrico e metálico. E enquanto todos tentavam entender o que seria aquilo, chegavam novos relatos de objetos semelhantes caindo em outras partes do planeta.

A narrativa vai ficando cada vez mais intensa e logo, não há mais música na rádio, apenas a cobertura ao vivo dessa invasão marciana. Àquela altura, mesmo quem acompanhou atentamente o início, estaria, no mínimo, muito confuso. Os que não prestaram atenção, ou que sintonizaram no meio da programação estariam bastante sujeitos a acreditar naquela história. Os efeitos especiais e a entrega dos atores em seu papel, fazia tudo aquilo parecer real.

Orson Welles e a equipe de músicos e atores interpretando A Guerra dos Mundos na Rádio CBS
Orson Welles e a equipe de músicos e atores interpretando A Guerra dos Mundos na Rádio CBS. Créditos: Acme Telephoto

E a história seguiu. De dentro dos cilindros surgiram gigantescos robôs sustentados por três longas pernas metálicas. Do alto, eles lançavam raios de calor e fumaça tóxica, destruindo as cidades e dizimando a população. Até mesmo o poderoso exército americano foi completamente aniquilado pelas máquinas alienígenas. Na rádio, o apresentador cobriu toda a ação até que o último correspondente fosse calado. Era o fim…

Depois de uma longa pausa, Orson Welles volta a narrar o final da história e encerra o programa, revelando que nada daquilo fora real, mas já era tarde. O pânico e a histeria coletiva já haviam tomado conta de milhões de pessoas. Muitos queriam fugir. As casas ficaram vazias, as ruas cheias e as igrejas, abarrotadas. As linhas do serviço de emergência ficaram congestionadas.

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Embora não exista confirmação de nenhuma fatalidade provocada por aquele tumulto, há quem diga que pessoas morreram em acidentes e outras se suicidaram aterrorizadas pelos fatos narrados. E algumas semanas depois, foram resgatadas pessoas escondidas, que teriam fugido para as colinas naquela noite.

E se todo aquele tumulto causado pela Guerra dos Mundos de Orson Welles serviu para alguma coisa boa, foi que depois daquilo, o mundo passou a discutir de forma mais séria o poder da comunicação e as responsabilidades que vinham junto com esse poder. Leis e mecanismos de controle foram criados para evitar que um dia, um episódio como aquele ocorresse novamente. Mas aconteceu. E várias vezes.

Recortes de jornais da época destacando o terror gerado pela apresentação d’A Guerra dos Mundos de Orson Welles
Recortes de jornais da época destacando o terror gerado pela apresentação d’A Guerra dos Mundos de Orson Welles

Depois daquela interpretação no rádio teatro, a obra de H. G. Wells se tornou ainda mais famosa. Ganhou várias adaptações para o cinema e televisão. A Rádio CBS foi processada, mas conseguiu aumentar sua audiência. The Mercury Theater On Air ganhou um patrocinador e Orson Welles se tornou um dos maiores cineastas da época. Sua versão d’A Guerra dos Mundos foi adaptada em outras rádios mundo afora, mas nunca foi tão real e aterrorizante, quanto naquele 30 de outubro de 1938, o dia em que sofremos a pior invasão alienígena que nunca aconteceu.

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