Na próxima segunda-feira (13), uma série de novos dados da missão Gaia, da agência espacial europeia (ESA), serão divulgados e, com eles, informações mais detalhadas sobre a composição química de dezenas de milhões de estrelas da Via Láctea. Segundo a maior parte da comunidade astronômica, a expectativa é que esses novos dados nos ajudem a responder algumas perguntas sobre a nossa “vizinhança” que ainda seguem em pleno mistério.

A missão Gaia foi lançada em 2013 e, rapidamente, tornou-se famosa por ter criado o mais detalhado mapa estelar da Via Láctea. Nele, estão contidas informações extremamente precisas sobre fatores como a posição, a velocidade e a distância de quase 2 bilhões de estrelas – se hoje nós sabemos como usar a observação dos astros com grande profundidade, devemos ao menos parte disso para a missão da ESA.

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Imagem mostra o momento em que a espaçonave da missão Gaia conseguiu fotografar o telescópio espacial James Webb
Imagem mostra o momento em que a espaçonave da missão Gaia conseguiu fotografar o telescópio espacial James Webb (Imagem: ESA/Divulgação)

Como a maioria das missões de grande porte, no entanto, as informações da missão Gaia vão sendo liberadas em séries de dados (ou “datasets”) – cada série abordando uma temática diferente. E a próxima divulgação da agência europeia, que coordena a missão, é a mais aguardada até agora, porque…

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…a Gaia pode nos dizer como a Via Láctea fica “no lugar”

Observar a Via Láctea não é tão fácil quanto possa parecer: você pode pensar que, por morarmos nela, deveríamos saber tudo o que há para saber sobre nosso “bairro espacial”. Na verdade, é justamente por isso que sabemos tão pouco. Existe uma expressão – “ver a floresta em meio às árvores” – que ressalta justamente como é impossível você ter o detalhamento completo de uma área, se você próprio está dentro dessa mesma área.

Com a missão Gaia, isso também é verdade até certo ponto, mas avanços nas técnicas de observação astronômica e coleta e interpretação de dados nos permitirão avançar nossa familiaridade com a Via Láctea a níveis ainda desconhecidos. Por exemplo: existe a possibilidade de que o próximo dataset da missão nos mostre a distribuição da matéria – normal e escura – na nossa galáxia.

“Todas as coisas na galáxia exercem gravidade em relação a todas as estrelas, e é essa gravidade que determina quão rápido uma estrela se move”, disse Jos de Bruijne, cientista do Projeto Gaia, ao Space.com. “Ao medir os movimentos das estrelas, você também pode sondar a distribuição de matéria na Via Láctea. E isso é muito importante para nos ajudar a entender como a galáxia ‘fica no lugar’”.

Um exemplo prático: o consenso científico diz que a Via Láctea tem formato espiral, com quatro braços emanando do centro da galáxia para fora, passando uma ideia de movimento circular. Entretanto, ainda não sabemos muito sobre o tamanho de cada braço, suas posições exatas ou informações sobre suas composições químicas. A missão Gaia pode nos oferecer mais inteligência nesses pontos.

…ela também pode explicar a “deformidade” do disco da Via Láctea

Os primeiros datasets da missão Gaia revelaram que o disco central da nossa galáxia não é um objeto achatado e reto, mas sim uma estrutura com diversas deformações. A sua rotação também não é uniforme, se assemelhando muito mais a um pião de corda quando está perdendo o movimento e começa a se mover “meio torto”, mas ainda no mesmo lugar. Segundo alguns cientistas, isso pode ter sido o resultado de um impacto de proporções galáticas muito, muito antigo.

O próximo dataset da Gaia contém informações sobre os movimentos de mais de 30 milhões de estrelas capturadas na linha de visão da nave que dá nome à missão – basicamente, a velocidade radial (quão rápido uma estrela se aproxima ou se afasta de um telescópio).

Agora, essa informação em si não é novidade – datasets anteriores contaram a mesma coisa de outras sete milhões de estrelas -, mas o volume com que essa informação é atualizada com mais e mais astros oferece um panorama mais generalizado de várias regiões da Via Láctea e, com sorte, poderemos deduzir perturbações de movimentos de estrelas mais próximas do centro, que provavelmente compartilham das deformações do disco central.

A supernova Gaia14aaa, registrada pela espaçonave da missão Gaia em 2014
A supernova Gaia14aaa, registrada pela espaçonave da missão Gaia em 2014 (Imagem: ESA/Divulgação)

…com a Gaia, podemos saber de onde vêm as estrelas

Ok, tecnicamente, nós sabemos onde as estrelas nascem: basicamente, são regiões cheias de gás e poeira cósmica que facilitam o nascimento de novos astros em um processo que leva milhares de anos – os chamados “berçários estelares”.

Entretanto, a missão Gaia pode nos oferecer o que astrônomos chamam de “parâmetros astrofísicos”, medindo diversas informações de estrelas mais jovens e mais antigas e, na prática, seria como rodar um filme da Via Láctea, do seu nascimento até os dias atuais. É verdade que o dataset anterior já nos permitia fazer isso até certo grau, mas a nova liberação de dados promete detalhes desse tipo para algo em torno de 500 milhões de estrelas.

“É como se você tivesse um grupo de meio bilhão de pessoas anônimas e, agora, você poderá saber cada coisinha sobre cada uma delas — seus nomes, suas idades, de onde vieram etc.”, disse de Bruijne.

A grosso modo, a missão Gaia analisou a composição química dessas estrelas. Composições estelares são informações importantes pois funcionam como uma “impressão digital” que remonta aos lugares de onde elas nasceram – e algumas dessas estrelas têm bilhões de anos de vida e não necessariamente surgiram aqui, mas sim fora da Via Láctea.

Na prática, isso significa que podemos rastrear o histórico dessas estrelas e, com sorte, identificar não apenas as que são nativas da nossa região no espaço, mas também quais vieram de fora e, quem sabe, o que as trouxe para cá.

…a Gaia vai nos contar sobre a “infância” da Via Láctea

Pode parecer óbvio, mas a Via Láctea nem sempre foi a Via Láctea. Claro, ela sempre teve esse nome pois os astrônomos precisavam de uma denominação para trabalhar em suas observações. Mas em algum momento antes de 8 a 11 bilhões de anos atrás, nosso “bairro espacial” era bem menor.

Nesse período, um dataset anterior da missão Gaia revelou um impacto galático com uma galáxia menor, chamada “Gaia Encélado”. Nós acabamos devorando e incorporando a pequena invasora, mas não sem alterar a nossa própria composição: foi a “última fusão significativa vivida pela Via Láctea em uma infância bastante violenta”, disse Anthony Brown, astrônomo da Universidade de Leiden.

Hoje, nós sabemos que a Via Láctea absorveu galáxias menores ao longo de seus (estimados) 13,6 bilhões de anos de vida. Astrônomos já tentaram observar situações cataclísmicas – como o choque de galáxias – na Via Láctea até pouco mais de 10 bilhões de anos, mas não são muitas as pistas desses acontecimentos, pelo menos, não da forma que possamos medir daqui da Terra.

A missão Gaia, no entanto, pode nos oferecer muito mais detalhes sobre o histórico estelar da Via Láctea, e isso é um detalhe importante: veja, ao sabermos a composição química, idade e trajetória de milhões de estrelas, nós poderemos adquirir a capacidade de deduzir a linha do tempo pela qual as coisas foram acontecendo e, com isso, traçar um histórico de eventos passados que nos darão mais luz sobre este assunto.

Mas não é só de passado que os dados da missão Gaia viverão: assim como ela vem absorvendo galáxias menores até hoje (a Grande Nuvem e a Pequena Nuvem de Magalhães estão sendo devoradas por nós neste momento), a Via Láctea também sofrerá uma morte bem violenta: daqui mais ou menos cinco bilhões de anos – mesmo período da morte do Sol -, a Via Láctea deve se chocar com Andrômeda, nosso vizinho imediato no espaço.

Nós, humanos, dificilmente estaremos por aqui para ver isso acontecer, mas o próximo dataset da missão Gaia pode nos dar mais informações e nos ajudar a deduzir maiores detalhes de como isso pode se desenvolver.

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