Um artigo publicado na revista Environmental Technology descreve um novo modelo de reator anaeróbico de baixo custo, que funciona com um biofilme bacteriano preso a uma espuma de poliuretano, capaz de reduzir em até 70% a concentração de compostos nitrogenados do esgoto sanitário.

De acordo com o autor do projeto, a remoção do nitrogênio é alcançada ainda em poucas estações de tratamento de esgoto no Brasil, enquanto na Europa e nos EUA já acontece com maior facilidade. Imagem: Wanna Thongpao – Shutterstock

Para alcançar esses resultados, os cientistas aperfeiçoaram um modelo matemático que permite entender e prever o mecanismo de remoção do nitrogênio no biofilme formado por bactérias que transformam os compostos nitrogenados em gás nitrogênio, que é inofensivo para o meio ambiente.

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Sob a orientação do professor Eugenio Foresti, da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP), e com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o trabalho foi conduzido por uma equipe liderada pelo engenheiro ambiental Bruno Garcia Silva para sua tese de doutorado em engenharia hidráulica e saneamento.

“A remoção do nitrogênio é alcançada ainda em poucas estações de tratamento de esgoto no Brasil, enquanto na Europa e nos EUA já acontece com maior facilidade. A ideia é trazer a infraestrutura necessária para a nossa realidade”, disse Garcia em comunicado da Agência FAPESP. “Aqui geralmente se usa o reator anaeróbio, que gera um efluente com baixa carga orgânica, e isso dificulta o processo de remoção do nitrogênio”.

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Retirada de compostos nitrogenados do esgoto é essencial para evitar contaminação

Segundo o pesquisador, a retirada dos compostos nitrogenados (entre eles nitrito, nitrato e amônia) tanto do esgoto doméstico quanto do industrial é essencial, pois eles podem contaminar corpos d’água superficiais (lagos, represas, córregos e igarapés) e subterrâneos (como grandes aquíferos), favorecendo o crescimento descontrolado de bactérias, algas e plantas, em um processo chamado eutrofização.

Além disso, Garcia explica que o consumo de água contaminada por nitratos pode levar ao desenvolvimento de doenças como a metahemoglobinemia, conhecida como síndrome do bebê azul. Mais comum em crianças, a patologia pode causar dor de cabeça, tontura, fadiga, letargia ou até mesmo choque, além de depressão respiratória grave e alterações neurológicas, como convulsões e coma, nos casos mais graves.

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Biofilme bacteriano formado sobre a espuma de poliuretano converte compostos nitrogenados do esgoto em gás nitrogênio, removendo-os da água. Créditos: Bruno Garcia Silva – imagens cedidas ao Olhar Digital

“Quando acontece a proliferação de algas, uma das consequências que temos visto em represas como a Billings, por exemplo, é a morte de peixes por falta de oxigenação da água. Você perde uma área que poderia ser de abastecimento, de lazer ou ambos pelo excesso de algas, que são muito difíceis de serem removidas do meio líquido”, destaca Foresti.

O principal diferencial do novo modelo de reator é o biofilme, que se forma por um processo biológico em que bactérias criam uma espécie de película sobre uma espuma de poliuretano. A configuração do equipamento possibilita o que os pesquisadores chamam de “contradifusão”, ou seja, o oxigênio é inserido no lado oposto ao dos contaminantes.

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“O oxigênio será transportado para dentro da espuma porque, assim, permanece apenas onde é necessário para que a reação ocorra. Não queríamos esse gás em contato com a matéria orgânica o tempo todo, pois as bactérias consumiriam todo o oxigênio para degradá-la e não sobraria nada para consumir o nitrito e o nitrato”, explica Garcia. “Por isso, inserimos o oxigênio do outro lado do biofilme. A ideia é que a matéria orgânica que chega ao biofilme pelo lado oposto possa ser oxidada não apenas pelo oxigênio, mas também por nitrito e nitrato”.

Segundo o pesquisador, quando não há oxigênio entrando no reator, a amônia permanece inalterada. No entanto, quando chega à parte em que há entrada de oxigênio, começa a se transformar em nitrito e nitrato. “Como a única saída é pelo biofilme, os compostos atravessam essa barreira por difusão em direção contrária à da matéria orgânica. O encontro da matéria orgânica no contrafluxo cria condições ótimas para a remoção desse nitrito e desse nitrato, porque já não há oxigênio e há a matéria orgânica necessária para a desnitrificação”.

Clima no Brasil favorece o uso de reatores anaeróbios

Foresti explica que os reatores anaeróbios (em que a matéria orgânica é degradada por bactérias que não precisam de oxigênio para viver) estão sendo cada vez mais utilizados pelos municípios brasileiros por causa do clima do país, que é mais quente que o do hemisfério Norte

As altas temperaturas permitem uma atividade maior das bactérias para decompor a matéria orgânica. Já na Europa e nos EUA é o contrário, pois com temperaturas baixas o processo é diferente: a matéria orgânica presente na fase líquida, depois da remoção do lodo, é oxidada por processo aeróbio (que envolve o oxigênio).

Por causa dos custos, segundo Foresti, os compostos nitrogenados não são totalmente retirados aqui no Brasil e acabam sendo liberados diretamente na natureza. “Este novo modelo de reator é destinado a desenvolver uma segunda etapa para o tratamento das estações de esgoto, mais fácil e barata, visando tecnologias e parcerias futuras”.

Garcia teve a colaboração de cientistas do laboratório do professor Robert Nerenberg, da Universidade de Notre Dame, no estado norte-americano de Indiana, onde foi pesquisador visitante entre 2019 e 2020.

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“A diferença do meu projeto para o deles é que, em vez de usar a espuma de poliuretano, por lá eles usam uma membrana semipermeável – semelhante a um canudinho cheio de ar dentro”, explica. “Em contato com a água, esse canudinho permite a passagem do oxigênio, mas não da água, e o biofilme cresce aderido à essa superfície. Ou seja, através das paredes desse canudo é que se fornece oxigênio para as bactérias. Então, o oxigênio vem de dentro para fora, e a água está fornecendo a amônia e a matéria orgânica. É o mesmo sistema de contradifusão. A diferença é que aqui nós utilizamos um material mais simples e barato”.

Segundo ele, no biofilme, a bactéria cresce aderida à superfície. “Mas não seria um filtro propriamente dito, porque não oferece uma resistência mecânica à passagem de uma partícula. O que esse reator faz, na verdade, é servir de material de suporte para que a bactéria cresça e consuma a matéria orgânica solúvel e os compostos nitrogenados”.

Em um programa de cooperação entre a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e a FAPESP, os pesquisadores pretendem testar o novo modelo com o esgoto real do município paulista de São Carlos, que já passou por um reator anaeróbio na estação de tratamento operada pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto São Carlos (SAAE). Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Instituto Mauá também fazem parte desse programa de cooperação e vão desenvolver outros sistemas a serem testados.

Segundo o orientador da pesquisa de Garcia, esse método é o primeiro a utilizar o processo de contradifusão dessa forma aqui no Brasil. “Ele comprovou o conceito para uma água residuária sintética. A eficiência encontrada com essa configuração de reator foi bem maior do que a observada em pesquisas anteriores, mas ainda precisamos avaliar vários fatores”.

Por enquanto, a nova configuração foi testada em laboratório. Novos projetos ainda precisam validar a eficiência, pois não é possível prever como o equipamento vai se comportar com grandes quantidades de efluentes. Além disso, é necessário testar o sistema usando esgoto real, doméstico e industrial, já que, até então, as amostras foram de esgoto sintético, preparado pela própria equipe.

“Talvez seja preciso melhorar o desenho e a geometria. Como eu consigo otimizar esse desenho para ter maior área superficial por volume de reator para baratear? Esse trabalho dá as bases, os fundamentos para que se continue pensando nesse processo e, também, a ferramenta, que é o modelo matemático”, finaliza Garcia.

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