Em mais um episódio do “mexe comigo para você ver o que acontece”, a “mãe natureza” nos deu dois serial killers de peso – literalmente: “Starboard” e “Port”, duas orcas (Orcinus Orca) vêm matando tantos tubarões brancos (Carcharodon carcharias) que renderam um estudo de impacto ambiental inteiramente dedicado a elas.

Tubarões brancos são grandes predadores primários (ou “superpredadores”) dos mares, podendo chegar até 6 metros (m) de comprimento, várias fileiras de até 300 dentes serrados e nadar a velocidades de até 56 quilômetros por hora (km/h). Em resumo: um torpedo vivo com muitos dentes, gosto por carne e que sente cheiro de sangue a enormes distâncias.

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Tubarões brancos têm dentes adaptados para rasgar e destroçar presas, tornando-os predadores extremamente eficazes que unem voracidade, tamanho e velocidade
Tubarões brancos têm dentes adaptados para rasgar e destroçar presas, tornando-os predadores extremamente eficazes que unem voracidade, tamanho e velocidade (Imagem: Martin Prochazkacz/Shutterstock)

Do outro lado, as orcas – vulgarmente chamadas de “baleias assassinas” mesmo não sendo baleias (mas totalmente assassinas, como você vai descobrir logo abaixo) – podem chegar a 10 m de comprimento e pesar até nove toneladas (9.000 kg), mas julgando apenas pela aparência, parecem mais uma bolacha “Oreo” com um sorriso recheado de dentes.

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As duas baleias em questão foram nomeadas devido a uma similaridade: suas barbatanas dorsais estão viradas de lado, como se fosse um “topete” – a que tem a barbatana para a direita é “Port” (“Bombordo”, na tradução) e aquela virada para a esquerda é “Starboard” (“Estibordo”).

As orcas "Port" e "Starboard", que vêm ganhando notoriedade por assassinarem tubarões brancos no litoral da África do Sul
As orcas “Port” e “Starboard”, que vêm ganhando notoriedade por assassinarem tubarões brancos no litoral da África do Sul (Imagem: Kelly Baker/SharkWatch SA)

Aos números: desde 2017, cerca de oito cadáveres de tubarões brancos foram identificados pelos pesquisadores da Dyer Island Conservation Trust, na África do Sul. Alguns, inclusive, estavam “chipados” – ou seja, haviam sido capturados pela ONG, marcados com sistemas de localização e monitoramento e, em seguida, devolvidos ao mar.

Esses cadáveres apresentavam intensos sinais de luta e vários órgãos a menos: salvo por apenas um dos casos, todos os corpos estavam sem o fígado e, em pelo menos um deles, o coração também havia sido arrancado.

Vale lembrar, até aqui, que isso não é exatamente incomum: orcas tendem a “trombar” com tubarões a fim de virá-los de cabeça para baixo, induzindo um efeito conhecido como “imobilidade tônica” – o tubarão, basicamente, fica incapaz de se mexer e pode até se afogar. A partir daí, as orcas estraçalham a “barriga” e buscam primeiro o fígado, o órgão com maior concentração de sangue e carne nutritiva. Entretanto, combates entre as duas espécies não são lá muito frequentes e orcas normalmente evitam esses confrontos.

A ONG percebeu, no entanto, que a quantidade de avistamentos de tubarões brancos caiu grandemente por toda a região litorânea da África do Sul – Gansbaai, sobretudo, era um terreno dominado por eles, e agora têm poucos exemplares dos animais, como resposta à presença ampliada das orcas.

“O que parece que estamos testemunhando é uma estratégia de ‘evitação’ de encontros em larga escala, parecida com o que vimos com os cães selvagens do Serengeti na Tanzânia, quando estes responderam ao aumento de presença de leões”, disse Alison Towner, bióloga especializada no estudo de tubarões brancos e autora primária do estudo. “Quanto mais orcas aparecem, mais tubarões desaparecem”.

Gansbaai fica a mais ou menos 120 quilômetros (km) da Cidade do Cabo. Ao longo de todo ano, a presença de tubarões brancos fez da região um grande pólo turístico para quem quer observar esses animais. No entanto, Towner disse que, “assim que a primeira orca foi avistada”, um cadáver de tubarão branco encalhou em uma praia próxima.

Nos anos seguintes, outros cinco corpos foram encontrados – completamente destroçados e sem o fígado. Todos os encontros com os cadáveres sucediam avistamentos de uma das ou as duas “baleias”, que parecem andar em conjunto, como uma dupla dinâmica cartunesca.

O corpo (do que sobrou) de um tubarão branco, identificado por ONG sul-africana como uma das vítimas das duas orcas que apareceram em seus territórios
O corpo (do que sobrou) de um tubarão branco, identificado por ONG sul-africana como uma das vítimas das duas orcas que apareceram em seus territórios (Imagem: Marine Dynamics/Dyer Island Conservation Trust/Hennie Otto/Reprodução)

Seis meses contados a partir do primeiro avistamento das orcas, o número de encontros com tubarões brancos caiu – eram em média seis por dia, descendo para um. A detecção de animais monitorados por chip também caiu para zero, de uma média de três a oito por dia antes dos ataques. E dos animais monitorados que sobreviveram, dados de GPS mostram que eles estavam nadando a centenas de quilômetros de distância de onde viviam – alguns ficando longe por seis meses ou mais.

A situação, embora cartunesca em vários aspectos, tem impactos reais na natureza: com o sumiço dos tubarões brancos, um novo tubarão – o tubarão-cobre (Carcharhinus brachyurus) – deu o ar da graça. Bem menor em tamanho, essa espécie é normalmente devorada pelos tubarões brancos, mas com os grandalhões dentuços em processo de migração, eles perderam o medo de avançar sobre seu território – e isso pode impactar toda a cadeia alimentar local.

A ONG ainda não sabe o que fez essas duas orcas, especificamente, se especializarem em atacar tubarões brancos. Os pesquisadores especulam que “Port” e “Starboard” fazem parte de uma subespécie de animais, identificável pelos dentes achatados, com temperamento mais volátil e comumente encontrada em águas escandinavas. Em tese, a queda da oferta de presas em seus habitats originais pode tê-las levado a Gansbaai.

Entretanto, todas essas teorias são especulativas e maiores observações das duas “baleias” são necessárias. O problema é que, sempre que alguém as vê, um tubarão morto aparece logo em seguida. Embora a contagem oficial de corpos seja de oito, é bem provável que elas tenham matado bem mais (orcas comem, em média, algo entre 45 kg e 135 kg por dia), e esses outros corpos, ao invés de pararem em alguma praia, podem ter afundado no mar aberto.

O estudo completo está disponível no African Journal of Marine Science.

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