Há bilhões de anos, as maiores galáxias satélites da Via Láctea – a Pequena e a Grande Nuvem de Magalhães – vêm seguindo uma jornada perigosa. Orbitando uma à outra enquanto são puxadas em direção à nossa galáxia, elas começaram a se desenredar, deixando para trás rastros de detritos gasosos.

Visão da Via Láctea com suas duas maiores galáxias satélites: a Grande e a Pequena Nuvem de Magalhães. Imagem: Peter Gudella – Shutterstock

No entanto, essas galáxias anãs permanecem intactas, e ainda com formação estelar vigorosa em curso, deixando os astrônomos intrigados.

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“Muitas pessoas estavam lutando para explicar como esses fluxos de material poderiam estar lá”, disse Dhanesh Krishnarao, pesquisador assistente do Centro de Voo Espacial Goddard, da NASA. “Se o gás foi removido dessas galáxias, como elas ainda estão formando estrelas?”.

Usando dados do Telescópio Espacial Hubble e de um satélite aposentado chamado Explorador Espectroscópico Ultravioleta Distante (FUSE, na sigla em inglês, um projeto de cooperação internacional entre a NASA, a Agência Espacial Canadense e Agência Espacial Francesa que esteve em operação entre 1999 e 2007), uma equipe de astrônomos liderados por Krishnarao finalmente encontrou a resposta: o sistema Magalhães está cercado por uma coroa, um escudo protetor de gás quente sobrecarregado, que “blinda” as duas galáxias, impedindo que seu material seja desviado pela Via Láctea, permitindo-lhes, portanto, continuar a formar novas estrelas.

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Essa descoberta, publicada nesta quarta-feira (28) na revista científica Nature, aborda um novo aspecto da evolução das galáxias. “As galáxias se envolvem em casulos gasosos, que agem como escudos defensivos contra a ação de outras galáxias”, disse o coautor Andrew Fox, do Instituto de Ciência de Telescópios Espaciais (STScl) da NASA.

Segundo um comunicado da agência, os astrônomos previram a existência da coroa há vários anos. “Descobrimos que se incluíssemos uma coroa nas simulações das Nuvens de Magalhães caindo sobre a Via Láctea, poderíamos explicar a massa de gás extraído”, explicou Elena D’Onghia, pesquisadora da Universidade de Wisconsin-Madison e também coautora do artigo. “Sabíamos que a Grande Nuvem de Magalhães deveria ser massiva o suficiente para ter uma coroa”.

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Embora a coroa se estenda mais de 100 mil anos-luz do sistema Magalhães e cubra uma enorme porção do céu, ela é invisível. “Mapeá-la exigiu vasculhar 30 anos de dados arquivados para medições adequadas”, diz o comunicado da NASA.

“Há muitas modelagens de computador que preveem como galáxias anãs devem interagir ao longo de bilhões de anos, mas não podemos testar a maioria delas porque galáxias anãs são tipicamente muito difíceis de detectar”, disse Krishnarao. “Por estarem bem na nossa porta, porém, as Nuvens de Magalhães oferecem uma oportunidade ideal para estudar a interação e evolução das galáxias anãs”.

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Em busca de evidências diretas da Coroa Magalhães, a equipe vasculhou os arquivos Hubble e FUSE para observações ultravioletas de quasares localizados bilhões de anos-luz do sistema. Quasares são os núcleos extremamente brilhantes de galáxias que abrigam buracos negros supermassivos ativos. 

A equipe explicou que, embora a coroa seja muito fraca para se observar, ela poderia ser visível como uma espécie de neblina obscurecendo e absorvendo padrões distintos de luz brilhante de quasares no fundo. 

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Analisando padrões em luz ultravioleta de 28 quasares, a equipe foi capaz de detectar e caracterizar o material em torno da Grande Nuvem de Magalhães e confirmar a existência da coroa. Como previsto, os espectros quasares contêm assinaturas de carbono, oxigênio e silício que compõem o halo de plasma quente que circunda a galáxia.

Os cientistas também descobriram que a quantidade de gás diminui com a distância do centro da Grande Nuvem de Magalhães. “É um indício perfeito de que essa coroa está realmente lá”, disse Krishnarao. “É realmente um casulo da galáxia para protegê-la”.

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