Após casos como o apresentado no documentário “Golpista do Tinder”, no qual um homem é acusado de enganar mulheres a partir da conquista amorosa para roubá-las, um tema muito importante começou a pautar a internet e as discussões entre psicólogos: o abuso emocional.  

O tipo de abuso psicológico afeta tanto a saúde mental quanto a física, trazendo um misto de sentimentos e reações difíceis de controlar. Casos ocorrem tanto em relacionamentos entre casais, como no centro familiar, além do profissional e social, sendo as mulheres as mais afetadas pelo sofrimento — no que diz respeito a golpes pela internet e relações conjugais. 

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Segundo pesquisa realizada pelo dfndr lab, laboratório especializado em segurança digital da PSafe, uma em cada cinco mulheres já foi vítima de golpes ou ameaças virtuais. Entre elas, o maior medo de 75% das entrevistadas é o de ter suas informações pessoais vazadas na Internet. 

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De acordo com a psicóloga e especialista em Psicologia Clínica pela PUC de SP, Vanessa Gebrim, geralmente esses golpistas são pessoas com perfil manipulador com a necessidade de colher o máximo de informações para cometer o crime. “Eles têm no seu repertório emocional a arte de estabelecer relações com a caridade, a piedade ou, no outro sentido, pela ganância. Ou seja, ou é o coitadinho ou é o esperto. Mas o ponto em comum desses tipos sentimentais é que ele sensibiliza a vítima para obter vantagem”, alertou a especialista. 

Ainda de acordo com ela, suspeitar sobre solicitações de valores financeiros, pagamentos de contas ou transferências é fundamental para não entrar nos golpes.  

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Imagem: shutterstock

“É muito comum no golpe de romance a pessoa pedir dinheiro para o pagamento de viagens, de forma que encontros virtuais possam se tornar um encontro pessoalmente. Para não cair nesses golpes, o ideal é não ficar passando informações pessoais que jamais devem ser passadas em situações desse tipo, a não ser que você tenha confiança extrema no indivíduo que está pedindo ou no serviço utilizado”, complementou. 

Mayra Cardozo, especialista em Direitos Humanos, Penal e stalking, acrescentou que o abusador geralmente “mora longe”, deixando para vítima o sonho de que “um dia se encontrarão”, mas mantendo um distanciamento presencial para que se permaneça a idealização. 

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“Os golpistas enchem a vítima de amor, até que elas estejam apaixonadas, para começar a executar as manobras financeiras. Muitas vezes sugerem uma viagem em casal, solicitando o cartão da vítima. Ou pedindo uma ajuda financeira para isso ou para aquilo. Digamos que os golpistas mais aperfeiçoados não vão deixar a vítima saber que eles passam por uma dificuldade financeira, geralmente eles passam a imagem de ricos e milionários, mas que o cartão não passou por algum motivo específico”, explicou. 

Ela também pontuou que eles vão sempre ter desculpas elaboradas para fazer um jogo de manipulação com a vítima até que ela ceda, em casos de resistências maiores eles ameaçam “terminar” o “relacionamento virtual” porque estão “chateados” por a vítima não confiar neles.  

“Até que um dia, após conseguir o que querem, bloqueiam a vítima e desaparecem gerando tristeza, angústia e traumas emocionais e patrimoniais.” 

Imagem mostra uma mulher deprimida, deitada sobre a cama com um rosto triste
Imagem: Rawpixel.com/Shutterstock

Como identificar um abusador emocional? 

Segundo Cardozo, “geralmente esses golpistas aparecem como o príncipe encantado, eles são perfeitos, bem-educados e amorosos, querem um compromisso e falam ser a primeira vez deles no aplicativo, deixam bem claro que querem construir uma família. Eles são constantes, mandam mensagens todo dia e toda hora, mandam flores, resumindo, eles fazem um “love bombing” [bombardeio de amor] até que a vítima tenha certeza de que encontrou o que a sociedade sempre introjetou em sua mente que estava ‘faltando’”. 

Conforme o psicólogo Luiz Mafle, professor de Psicologia e Doutor em Psicologia pela PUC Minas e Universidade de Genebra, conhecer os sinais são importantes principalmente porque os abusos tendem a ser percebidos apenas quando a pessoa já está adoecendo.  

“Muitas vezes a pessoa está em um quadro depressivo ou passando por doenças psicossomáticas, e ela não percebe que isso tem origem na relação, achando que tem algum problema, se sentindo invalidada, incapacitada. Porém, os primeiros sinais estão quando a pessoa abusada começa a duvidar de tudo que diz, se afasta dos amigos, da família, a intenção do abusador é que ele seja a única pessoa em quem você acredita, então o principal [sintoma] é esse isolamento social”, destacou. 

Gebrim adicionou que para identificar o abuso emocional relacionado a ganância por dinheiro, um tipo de estelionatário emocional, há duas atitudes iniciais: o envio de presentes e dinheiro pelo abusador, a fim de ganhar a confiança da vítima, deixando-a emocionalmente envolvida. 

“Há também golpes de estelionato onde o criminoso se passa por estrangeiro e diz que está enviando um presente. Um tempo depois, outro golpista se passa por funcionário dos Correios e afirma que o presente ficou preso na alfândega, sendo necessário pagar uma alta quantia para a liberação. Como evitar: sempre tente encontrar a pessoa pessoalmente em local público para confirmar que ela é quem diz. Nunca transfira dinheiro para namorados virtuais.” 

Homem mascarado fazendo um telefonema
Imagem: shutterstock

É possível denunciar um abusador emocional? 

A melhor forma de denunciar um abusador é por canais oficiais como ligar para o número 180, a central de atendimento à mulher ou buscar uma delegacia da mulher. “Caso se sinta muito fragilizada, o que é comum, o ideal seria buscar alguém que a acompanhe para fazer essa denúncia, pois às vezes a pessoa está tão fragilizada que não se sente capaz de denunciar”, orientou Mafle. 

Desde 2021, violência psicológica é crime, a lei 14.188/2021 estipula que causar danos emocionais que vise degradar ou controlar as ações da vítima é considerado violência psicológica, definindo reclusão de seis meses a dois anos. 

Como sair de uma relação abusiva? 

É fundamental para a saúde da vítima sair de uma relação abusiva, esse é um momento do grande alívio, segundo Mafle. “A melhor maneira de sair de uma relação abusiva é o rompimento, não há possibilidade de diálogo ou transformação, muito pelo contrário, tem vezes que a pessoa utiliza o argumento de que vai melhorar, buscará ajuda para tentar manter esse relacionamento. Nesse momento é importante buscar familiares e amigos para ajudarem na recuperação do abuso”, aconselhou o psicólogo. 

Os profissionais alertam também para outros tipos de golpes a partir de aplicativos de relacionamento, como o caso de extorsão mediante sequestro — o que pode levar ainda a outros crimes e mais impactos emocionais. 

Gebrim concluiu dizendo que aquela frase “quando a esmola é grande o santo desconfia” é real, sempre desconfie quando a situação parece muito boa para ser verdade. O mesmo vale para pessoas conhecidas pedindo dinheiro. 

Cardozo, a especialista em perseguições pela internet, também enfatizou que, no caso de novas amizades, é fundamental fazer uma verificação do perfil e buscar amigos em comum. Jogar as fotos da pessoa no Google, pesquisar a vítima. Ficar alerta também com o “love bombing” e verificar se as coisas não estão “muito intensas” ou indo rápido demais.  

“Nunca passe dados de cartões de crédito e evite fazer transferências, sempre que o assunto dinheiro surgir fique atenta. Faça perguntas sobre a vida dele, e verifique se existe coerência em suas narrativas, mas, o mais importante é: se relacione com pessoas que possuem alguém que possa te dar uma referência, opte por relacionamentos virtuais em que existam amigos em comum”, concluiu a profissional. 

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