Segundo um levantamento feito pelo Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, na sigla em inglês), 35 mil pessoas morreram na Europa entre 2016 e 2020 devido a infecções motivadas pela resistência a antibióticos, medicamentos antimicrobianos que agem sobre microrganismos inibindo seu crescimento. 

De acordo com informações da RTP, o órgão alertou em comunicado que o impacto na saúde já pode ser comparado ao da gripe, tuberculose e aids juntos. Entre as bactérias mais resistentes observadas nos casos da Europa estão: Acinetobacter, frequentemente encontradas em pacientes já hospitalizados; Klebsiella pneumoniae, presente no trato gastrointestinal, também é um dos importantes patógenos de infecções hospitalares; e o fungo Candida Auris, identificado em 2010 e já famoso por ser muito resistente, causa infecções graves e se espalha com facilidade em ambientes de saúde. 

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Entre os medicamentos antimicrobianos estão os antibióticos, antifúngicos, antivirais e antiparasitas. O processo ocorre a partir do uso excessivo dos remédios. Com o consumo errado, principalmente no que diz respeito ao tempo de uso e dosagem, uma bactéria antes considerada comum dribla o efeito da droga para sobreviver e, a partir de uma mutação, se multiplica e se espalha de forma evoluída.

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Vale destacar que isso não significa que bactérias comuns não sejam tão perigosas quanto as consideradas “super”. Recentemente, a ex-jogadora de vôlei e treinadora Isabel Salgado morreu devido a uma inflamação pulmonar causada por uma bactéria que gerou insuficiência respiratória aguda. Chamada de Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA), a condição é considerada grave e afeta mesmo pessoas sem comorbidades e fisicamente ativas. Apesar do diagnóstico, a família da atleta não deu detalhes sobre outras possíveis complicações ou particularidades do quadro clínico.

Uma pandemia de superbactérias? 

O problema de saúde com as chamadas superbactérias — por serem resistentes aos medicamentos — é um debate antigo, e que as organizações de saúde vêm tentando resolver há alguns anos. Contudo, com o passar do tempo, a questão de saúde pública aumenta, ficando mais difícil controlar. Análises de especialistas já consideram a resistência a antimicrobianos uma pandemia.  

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Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgado em abril deste ano apontou, inclusive, não apenas o excesso e uso incorreto dos fármacos como algo que contribui para a criação dessas superbactérias, mas o descarte inapropriado desses fármacos, que contamina água e solo. 

Imagem: shutterstock

Um estudo global publicado este ano no periódico científico Lancet revelou que 1,2 milhão de pessoas morreram em 2019 devido a infecções bacterianas resistentes. Outras 4,95 milhões também foram a óbito por razões associadas. A análise considerou 204 países e concluiu que a resistência aos fármacos já é uma das principais causas de morte no mundo. A pesquisa ainda apontou que as infecções iniciais eram comuns e tratáveis, como doenças respiratórias e da corrente sanguínea, mas já não respondiam ao tratamento tradicional aplicado. 

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“Esses novos dados revelam a verdadeira escala da resistência antimicrobiana em todo o mundo e são um sinal claro de que devemos agir agora para combater a ameaça. Estimativas anteriores previam 10 milhões de mortes anuais por resistência antimicrobiana até 2050, mas agora sabemos com certeza que já estamos muito mais próximos desse número do que pensávamos”, afirmou o coautor do estudo, Chris Murray, professor do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, em um comunicado. 

O relatório destacou que ações imediatas e urgentes precisam ser colocadas em prática. Algumas sugestões citadas pelos pesquisadores incluem otimizar o uso de antibióticos existentes, tomar mais medidas para monitorar e controlar infecções e fornecer mais financiamento para desenvolver novos antibióticos e tratamentos. 

“Com o esgotamento das ações terapêuticas, infecções que hoje são conhecidas por ter um tratamento simples, poderão, no futuro, causar danos maiores ao organismo, na medida em que teremos menos recursos para combatê-las”, acrescentou Ana Paula Assef, pesquisadora da Fiocruz, à CNN. 

Imagem: shutterstock/borzywoj

A covid-19 influenciou nas superbactérias? 

As consequências da pandemia da Covid-19 na medicina ainda devem ser sentidas por muito tempo e devem, inclusive, impactar no surgimento de outras doenças. Considerando o início do surto do vírus, no qual o consumo acelerado de antibióticos, tanto em pacientes com coronavírus quanto em tentativas infundadas de tratamentos precoces, aumentaram, o cenário pode, sim, ter contribuído para o aparecimento de superbactérias. 

É o caso do uso da azitromicina, que segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), aumentou sua venda em 150% em 2020, mesmo com autoridades de saúde comprovando a ineficácia do tipo de tratamento para a covid. 

Nos EUA, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) também alertou sobre o risco do uso de antibióticos sem necessidade contra a covid-19. Segundo o órgão, a situação representa uma ameaça à saúde pública. 

“Durante a pandemia foram utilizadas tantas carbapenemas [um tipo de antibióticos] que em alguns países, como o Chile, temos os níveis de resistência que esperávamos ter em 2030. Aceleramos 10 anos. Estamos muito alarmados”, contou González Zorn, catedrático da Faculdade de Veterinária da Universidade Complutense de Madri, ao El País

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Imagem: Gorodenkoff/Shutterstock

Pesquisadores já estudam soluções 

Embora ainda não exista um protocolo ou opções de fármacos que consigam driblar a resistência de superbactérias, além dos cuidados básicos para o consumo de antimicrobianos, a comunidade científica já estuda soluções para o problema de saúde. 

Um grupo de pesquisadores da Texas A&M University e da Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, descobriram uma forma de superar essa resistência com uso da luz, um tipo de terapia fotodinâmica antimicrobiana (aPDT) — uma reação química desencadeada pela luz visível.   

O método de tratamento conseguiu enfraquecer as bactérias a ponto de pequenas doses de antibióticos já conseguirem eliminá-las efetivamente. “É um passo na direção certa contra bactérias resistentes”, diz o artigo. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).  

outra equipe identificou uma molécula que pode controlar essas bactérias e proteger o organismo. Chamada de fabimicina, a molécula pode ser usada para combater algumas das infecções mais difíceis que os humanos podem contrair: o tipo bactérias gram-negativas, um grupo de patógenos difíceis de matar que comumente estão por trás de infecções do trato urinário, pulmões e da corrente sanguínea. Este estudo foi publicado na ACS Central Science. 

Ambas as pesquisas, bem como outras relacionadas ao tema, ainda estão em fase de desenvolvimento. Assim, por ora, a recomendação de especialistas da área, como médicos, é o uso de antibióticos apenas com prescrição de um profissional de saúde, além de seguir as dosagens e horários definidos. Também é importante não compartilhar ou usar as sobras do remédio ao fim do tratamento. Hábitos de higiene também são importantes, como lavar as mãos e alimentos que serão consumidos. 

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