Enquanto especialistas e líderes faziam discursos e promessas para futuros distantes na Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, a COP27, uma história incrível voltou a ocupar meus pensamentos: a saga do baleeiro Essex, navio que afundou em 1819 no Sul do Pacífico. Vinte marinheiros americanos estavam a bordo.

Desde então, o acidente vem sendo contado e recontado milhares de vezes, e inspirou inclusive a maravilhosa fábula de Moby Dick. A escritora Karen T. Walker, por exemplo, narra brilhantemente o episódio em um TED Talk de 2012 sobre como lidamos com nossos medos, talvez a mais humana das sensações. Não consigo imaginar o terror que aqueles marinheiros sentiram ao naufragar no meio do nada, tão longe de casa.

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Na minha interpretação, o episódio exalta aspectos ligados às nossas atitudes e escolhas do dia a dia. Em especial no que se refere à preservação do meio ambiente.

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O Essex era uma embarcação para caça de baleias. Afundou após ter sido atacado por um cachalote, que abriu um enorme buraco em seu casco. Ou seja, a própria mãe natureza dando um jeito de inverter o papel da caça e do caçador.

Enquanto o navio afundava, os náufragos se arranjaram em três pequenas embarcações baleeiras com rudimentares equipamentos de navegação e escassos volumes de água e mantimentos. Após 24 horas à deriva, tiveram que escolher entre duas opções: avançar na direção de um pequeno arquipélago conhecido como Ilhas Marquesas, a cerca de 1200 milhas de distância, ou velejar 1500 milhas ao sul e torcer para que os ventos os conduzissem a terra firme em algum lugar da América do Sul. Navegar até as ilhas era claramente o mais viável, porém os tripulantes tinham ouvido histórias sobre a prática de canibalismo por lá. Por outro lado, se escolhessem o trajeto mais longo e de destino incerto, corriam o risco de ficar sem alimentos e água a bordo.

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O que fizeram, então? O medo de virar uma refeição para os canibais juntou-se àquele pensamento meio otimista, meio egoísta, que ganha força quando se trata de meio ambiente, de que há de se dar um jeito e o último a ficar sem comida ou oxigênio não serei eu…. Apesar de proximidade das Marquesas, os tripulantes do Essex escolheram o caminho mais longo. Após dois meses em alto-mar, quando foram resgatados por um navio de passageiros, mais da metade dos homens havia morrido. Estavam sem água e comida, em condições deploráveis e tinham eles próprios recorrido ao canibalismo que tanto temiam. O detalhe é que nas Marquesas, próximo do paradisíaco Taiti, não havia canibais.

Voltando aos nossos dias, estamos todos convencidos de que o clima está seriamente afetado pelas emissões de gases de efeito estufa. Nosso destino é um inferno climático, como, aliás, enunciou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, na abertura da COP 27. No entanto, em vez de adotar de imediato medidas que poderiam ajudar a resolver o problema, os líderes globais deslocaram-se em centenas de jatos particulares, que poluem até 14 vezes mais por passageiro que os de carreira, para fazerem promessas de adoção de medidas a longo prazo – o que significa assumir riscos mais graves ainda.

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O problema das medidas de curto prazo é que elas têm o “inconveniente” de requerer investimentos. E os grandes responsáveis pela carbonização do planeta hesitam em adotá-las. Ainda no tema aviação, que segundo a National Geographic responde por 5% do total de emissões do planeta, porcentagem que aumenta a cada ano, já existe solução: um combustível produzido a partir de biomassa, em especial bagaço de cana, que emite até 80% menos carbono que o querosene de aviação. O combustível sustentável para a aviação (SAF, na sigla em inglês), do qual o Brasil poderia ser grande produtor e exportador, requer ações concretas já e incentivos à inovação por parte do governo para se tornar realidade.

No entanto, como os náufragos do Essex, estamos nos desviando para o caminho mais longo, movidos pelo medo – não dos canibais, mas da perda de lucros. Uma lente a nos cegar para a possibilidade de que, se algo não for feito, e rápido, não haverá mais planeta onde possamos auferir nossos lucros.

Assim como os tripulantes do Essex, em vez de enfrentar o problema fazemos promessas para daqui a 20 ou 30 anos entregando-nos às incertezas de um futuro no qual vastas áreas do planeta podem se tornar inviáveis para a vida humana. Os países desenvolvidos, que emitem aproximadamente 70% do total, segundo o instituto de pesquisas WRI Insights, seguem evitando mudar, investir e agir.

Tendemos a optar por perigos mais diluídos e a acreditar que quanto mais distante o horizonte das promessas melhor, achando, sei lá, que os céus vão nos acudir uma hora dessas. Desviamos dos sacrifícios, sem reconhecer que essa escolha, como ocorreu com a tripulação do Essex, pode estar nos levando ao mais trágico dos fins.

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