Em 26 de janeiro, a FDA (similar à Anvisa) tirou do mercado o Evusheld, medicamento que estava sendo usado em pessoas cujos sistemas imunológicos não conseguiam responder bem ante às vacinas contra a Covid-19.

O motivo pelo qual o remédio deixou as prateleiras foi, segundo o FDA, que ele é ineficaz ante mais de 90% das variantes atualmente em circulação nos EUA.

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“Estávamos analisando os dados”, diz Robert Carnahan, diretor associado do Centro de Vacinas Vanderbilt. “Já tínhamos lamentado a perda do Evusheld e sabíamos que isso era uma questão de tempo.” Esta era a última droga feita a partir de anticorpos humanos desenvolvida para combater a Covid-19.

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Drogas feitas à base de anticorpos – também conhecidas como anticorpos monoclonais – têm sido importante arma contra o vírus. Destinado a impulsionar o sistema imunológico, essas medicações mostraram que podem manter pacientes de alto risco longe dos hospitais.

Nos últimos dois anos, o FDA autorizou vários deles para o tratamento de pacientes com quadros leves a moderados de Covid-19, enquanto o Evusheld foi concebido como profilaxia, ou seja, o Evusheld era injetado. Os demais eram em uma única infusão. Mas, um a um, eles foram falhando em suas missões conforme o vírus mutava.

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O problema com os anticorpos monoclonais existentes é que eles se ligam com pequeno pedaço de vírus conhecido como domínio de ligação ao receptor, parte da proteína de pico.

Durante a pandemia, esta parte se mutou constantemente, dando lugar a novas variantes e subvariantes que os anticorpos monoclonais atuais não podem mais reconhecer e neutralizar.

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Em novembro de 2022, o FDA revogou a autorização do bebtelovimab, o último dos tratamentos anticorpos contra a Covid-19, alegando que a droga não conseguiu neutralizar as subvariantes BQ.1 e BQ.1.1 da variante Omicron, responsáveis por mais de 57% dos casos no momento.

Tais subvariantes foram rapidamente suplantadas pela XBB.1.5, que representava cerca de dois terços dos casos no começo de fevereiro, segundo o Centro para Controle e Prevenção de Doenças.

Drogas antivirais, como a Paxlovid, ainda são eficazes ante a XBB.1.5 e outras linhagens da Omicron, pois usam um diferente mecanismo para alcançar o vírus. Desenvolvido para “sequestrar” o processo de replicação do SARS-CoV-2, antivirais fizeram o vírus parar de copiar a si mesmo e se multiplicar no corpo.

Paxlovid é utilizado em crianças de 12 anos ou mais e em adultos com risco alto de contrair a Covid-19 em níveis mais severos. Um estudo publicado em dezembro descobriu que a droga reduziu o risco de hospitalização ou morte desses pacientes infectados pelas subvariantes do Omicron em 44%, se comparado aos demais infectados que não receberam a medicação.

Contudo, a aceitação do Paxlovid já não está mais em questão. Houve certa confusão sobre quais são permitidos e, antes, se fazia necessário resultado positivo do teste de Covid-19 para se obter uma receita.

O FDA, porém, acabou com tal exigência em 1º de fevereiro, o que pode ajudar mais pessoas a terem acesso ao remédio quando ele é mais eficaz, ou seja, nos primeiros dias de sintomas.

“É muito mais conveniente para os pacientes obter a medicação em uma farmácia do que por meio de uma infusão de um anticorpo monoclonal, especialmente quando a assistência médica está tão escassa atualmente”, diz Danielle Wales, médica de cuidados primários no Albany Medical Center, em Nova York.

Mas nem todos podem ter acesso ao Paxlovid. A droga pode interagir com longa lista de medicamentos e anticoagulantes. Ann Woolley, médica infectologista no Brigham and Women’s Hospital, em Boston, EUA, disse que, até alguns meses atrás, pacientes que não podiam receber a medicação teriam obtido anticorpos monoclonais.

Agora, o hospital trocou o tratamento desses pacientes para o antiviral remdesivir, vendido sob o nome comercial Veklury, o primeiro tratamento aprovado para Covid-19, em outubro de 2020.

Mas há algumas desvantagens. “O problema e limitação com o remdesivir é que é administrado com IV ao longo de três dias. Então, é mais difícil para os pacientes terem que ir a um local receber infusão por três dias”, ela diz. “Isso ainda limita o número de pacientes que podem ser tratados, pois há vagas limitadas.”

Lagevrio, ou molnupiravir, é outra opção de antiviral para pacientes que não podem tomar o Paxlovid. Também é em formato de pílula, mas é menos efetivo.

Carnahan afirma que ainda há necessidade de anticorpos monoclonais, pois as pessoas que não têm boa resposta imunizante das vacinas estão agora virtualmente desprotegidas contra o vírus. “Para elas, é como se tivessem voltado ao primeiro dia da pandemia”, ele pontua. “As consequências por adquirirem uma infecção pode ser muito terrível para eles.”

Outro estudo recente que revelou dados de mais de 150 mil pacientes adultos na Grã-Bretanha entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2022 descobriu que pacientes imunocomprometidos tem 44% de alto risco de morte por Covid-19 do que os que têm sistemas imunológicos saudáveis.

A equipe de Vanderbilt e outras seguem pesquisando por anticorpos mais fortes que podem se tornar novas drogas, incluindo as preventivas, como Evusheld. Mas é um constante jogo de gato-e-rato. “O vírus mudou tão rapidamente que os esforços para descobrir anticorpos parou no meio do caminho”, Carnahan lamenta.

“As variantes estão mudando a cada três meses.” Seu grupo poderia encontrar um anticorpo que seria eficaz contra uma variante atual, apenas para ser classificada como inútil por uma nova variante meses depois.

A natureza de mudanças naturais do vírus também faz ser difícil conduzir ensaios clínicos humanos e obter novo antivírus para pacientes a tempo de funcionar ante as variantes atuais.

Em um encontro em dezembro, fabricantes de medicamentos pediram aos reguladores dos EUA e Europa que considerem adotar novos padrões para a aprovação de medicamentos de anticorpos, especialmente aqueles desenvolvidos para pessoas imunocomprometidas.

Eles sugeriram que novas drogas à base de anticorpos que são similares aos previamente autorizados não deveriam ter que passar por grandes ensaios clínicos para testar sua eficácia. Ao invés disso, testes extensivos em laboratório e pequenos testes de segurança, como aqueles feitos pela vacina anual de gripe, talvez sejam suficientes.

Pesquisadores agora estão buscando o grande anticorpo, um que seria mais duradouro e eficaz em muitas variantes da SARS-CoV-2, incluindo as que talvez imerjam no futuro. A equipe de Carnaham identificou o que ele chama de “pequeno painel de anticorpos”, que, ao menos em laboratório, trabalha contra toda a existência das variantes de Covid-19, incluindo a XBB.1.5. Agora, eles estão buscando uma empresa parceira que possa avanças no desenvolvimento desses anticorpos e testá-los em testes clínicos. O grupo já teve como parceiro com a AstraZeneca, que comercializou o Evusheld.

Cientistas da Regeneron Pharmaceuticals, a companhia biotech localizada nos Nova York que criou um dos tratamentos com anticorpos monoclonais, identificou um anticorpo que se conecta a uma região fora do domínio de ligação ao receptor. “Conseguimos identificar um anticorpo contra um local do vírus que é bem conservado”, significando que essa parte do vírus não mudou muito, segundo Christos Kyratsous, que dirige a pesquisa de doenças infecciosas na Regeneron. “Está conservado desde o início da pandemia até hoje. É um anticorpo bem raro, porque, diferente de outros anticorpos, que são conectados a esses locais conservados, este é extremamente potente.”

E isso lhe dá esperança de que anticorpos feitos em laboratório desenvolvidos para reconhecer este local continuará funcionando, mesmo se o domínio de ligação do receptor do vírus continuar a se mutar no futuro.

Ainda, Kyratsous afirma que muitas vezes há troca entre amplitude e potência. Pode haver muitos anticorpos que se ligam a muitas variantes, mas não a neutralizam direito. Até agora, este parece fazer as duas coisas. Em ensaios clínicos neste verão, a Regeneron planeja testar o anticorpo como profilaxia e tratamento para a Covid-19.

Em dezembro, a AstraZeneca começou a testar possível substituto para o Evusheld em testes com pacientes imunocomprometidos. Em estudos de laboratório, o novo anticorpo de ação prolongada demonstrou neutralizar todas as variantes de SARS-CoV-2 testadas até o momento, incluindo variantes que se mostraram resistentes a outros anticorpos monoclonais, de acordo com comunicado da empresa em janeiro.

A empresa diz que pretende disponibilizar o novo anticorpo no segundo semestre de 2023, aguardando aprovação regulatória. Ela estima que cerca de 2% da população global poderia se beneficiar de anticorpos monoclonais para proteção contra a Covid-19.

Para o resto da população, Adarsh Bhimraj, médico de doenças infecciosas do Hospital Metodista de Houston, no Texas, EUA, acredita que nossas vacinas e antivirais atuais serão suficientes. “Não estamos em 2020, onde não temos remédios e a pandemia está causando muitas mortes e internações”, diz.

Ele diz que deveria haver barreira mais alta para obter anticorpos aprovados para o tratamento de Covid-19, agora que antivirais eficazes estão disponíveis e as taxas de mortalidade e hospitalização caíram.

Ele acha que os fabricantes de medicamentos devem ser capazes de mostrar que novos anticorpos podem aliviar os sintomas e reduzir a duração da doença, em vez de simplesmente manter as pessoas fora do hospital. “O que importa para os pacientes deve ser estudado em ensaios”, diz ele.

Por enquanto, o FDA recomenda que clínicas e hospitais mantenham os medicamentos de anticorpos monoclonais existentes à mão, caso variantes suscetíveis a eles apareçam novamente nos EUA.

“Embora os anticorpos monoclonais não funcionem agora, sempre existe a possibilidade de que as variantes circulantes da Covid-19 mudem para que os anticorpos monoclonais possam funcionar novamente no futuro”, diz Wales. “Ainda não sabemos isso.”

Via Wired

Imagem destacada: Shutterstock

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