Em 1977, a ONU – Organização das Nações Unidas reconheceu o dia 8 de março como “Dia Internacional da Mulher”. É uma data que celebra a luta das mulheres pelas igualdades de direitos e condições de trabalho. Mas quem procurar o porquê desse dia ser celebrado no 8 de março, não vai encontrar uma resposta muito simples. 

O 8 de março já era adotado como o dia da mulher desde 1917 na Rússia, quando cerca de 90 mil operárias protestaram contra as más condições de trabalho, a fome e a participação russa na guerra. O início do Século XX foi um período de intensas lutas pelos direitos das mulheres. 

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[ Manifesto de operárias russas contra às más condições de trabalho em 1917 – Fonte: wikimedia.org ]

Naquela época houveram várias outras manifestações e iniciativas de criação de um Dia da Mulher nos Estados Unidos, na Rússia e em toda a Europa. Mas segundo a Organização Internacional do Trabalho, o fato que marcou a história para a celebração moderna do Dia Internacional da Mulher foi um incêndio em uma fábrica têxtil de Nova Iorque, que matou 123 trabalhadoras, em 25 de março de 1911.

Só que a história que vou contar hoje não é, mas bem que poderia ser, o motivo do Dia Internacional da Mulher ser celebrado no dia 8 de março. A história de Hipátia de Alexandria, uma mulher que fez a diferença no seu tempo, mas que sofreu e morreu por conta da ignorância e do preconceito, há mais de 1600 anos. 

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Hipátia foi uma das mulheres mais influentes no Egito no início do Século V. Era uma cientista e trabalhava na Biblioteca de Alexandria, que era a maior fonte de conhecimento de todo mundo. Lá estava armazenado grande parte de tudo aquilo que já havia sido escrito pelo homem, em qualquer área do conhecimento e da literatura.

[ Hipátia de Alexandria em cena do filme Ágora, que conta sua história – Créditos: Telecinco Cinema, MOD Producciones e Himenóptero  ]

Ela era filósofa, matemática, astrônoma, médica e diretora da escola de filosofia neoplatônica em Alexandria. Na Astronomia, Hipátia cartografou corpos celestes, confeccionou planisférios, revisou o Almagesto de Ptolomeu e aprimorou o astrolábio. 

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Numa época em que as mulheres viviam à sombra de seus maridos, Hipátia, apesar de muito bonita e de possuir uma grande quantidade de pretendentes, preferia se dedicar aos seus estudos e seu trabalho. Tinha o perfil de uma mulher feminista e independente, uma revolução para a sociedade machista daquele tempo. Mas seu pensamento progressista conflitava diretamente com um poder crescente naquela época.

Alexandria era, há tempos, governada por Roma e Hipátia tinha grande proximidade com Orestes, o Governador Romano do Egito. Entretanto, a vida de Orestes no poder não era nada fácil. O mundo passava por transformações com a Igreja Católica expandindo seu poder e tentando eliminar a influência e cultura pagãs. No Egito, seu representante maior era Cirilo, o Bispo de Alexandria, e seu poder, por diversas vezes, se confundia com os poderes do Governador Orestes. Os cristãos do Egito, seguidores de Cirilo, tinham um histórico de conflitos contra os judeus, pagãos e contra as autoridades egípcias, inclusive quase vitimando Orestes.

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Cirilo tinha grande desprezo por Hipátia, além dos motivos políticos, ele a considerava um símbolo do paganismo, por sua dedicação ao trabalho e à Ciência. Mas além de estudar muito, Hipátia também ensinava, tinha muitos discípulos que vinham de várias partes do mundo para aprender com ela. Seu local de trabalho, a Biblioteca de Alexandria, maior fonte do conhecimento humano de todo mundo, era considerado pela Igreja como um templo do paganismo. E isso incomodava muito a Cirilo. 

Segundo o historiador Sócrates de Constantinopla, Cirilo acreditava que ela estava competindo com o cristianismo, levando para longe de Cristo homenagens que pertenciam a ele. Ela estaria roubando de Deus os seus direitos e, por isso, deveria cair.

Todos esses fatos, faziam de Alexandria do início do Século V, uma verdadeira panela de pressão. E no ano de 415, essa panela começou a estourar.

Na tarde de 8 de março daquele ano, quando voltava do Museu de Alexandria, Hipátia foi atacada e arrancada de sua carruagem por uma multidão de cristãos enfurecidos. Ela foi arrastada pelas ruas da cidade até uma igreja, onde foi violentada, teve suas roupas rasgadas e sua carne arrancada dos ossos por conchas afiadas. Depois de morta, seu corpo despedaçado foi queimado fora dos limites da cidade e todos os seus trabalhos, destruídos.

[ Ilustração de Louis Figuier de 1866 representando Hipátia sendo arrastada pelas ruas de Alexandria antes de ser brutalmente assassinada – Fonte: wikimedia.org ]

Isto aconteceu pouco tempo depois de Orestes ter ordenado a execução de um monge cristão, que havia atacado o Governador a pedradas. A execução deste monge enfureceu o Bispo Cirilo e seus correligionários. Não se sabe ao certo sobre um possível envolvimento de Cirilo na morte de Hipátia. Mas depois desse episódio, Orestes desistiu de sua disputa com Cirilo e abandonou Alexandria.

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Os assassinos de Hipátia jamais responderam por esse crime. A Biblioteca de Alexandria foi incendiada e o mundo mergulhou em um longo período de mil anos de trevas na Ciência. Já Cirilo seguiu ampliando seu poder e sua influência no mundo cristão, sendo inclusive santificado depois de sua morte. Hoje, ele é conhecido por todos como “São Cirilo” e talvez você tenha um “santinho” dele aí na sua casa.

Hipátia foi uma mulher muito à frente do seu tempo. Sua história de superação dos paradigmas da época poderia ter influenciado o mundo a abandonar seus preconceitos e seu machismo. Poderia ter evitado os séculos de trevas e nos levado a um outro patamar científico e de valorização do conhecimento. Entretanto, Hipátia de Alexandria, a mulher que viveu pela Ciência e foi morta pela ignorância, pode fazer diferença no mundo mais de 1600 anos depois, inspirando meninas e mulheres a buscarem o caminho do conhecimento e superarem as adversidades para conquistar o mundo, que Hipátia lutou para tornar melhor.

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