Ao passo que a Inteligência Artificial (IA) se tornou o novo foco das big techs, as equipes responsáveis pelas pesquisas relacionadas à ética do setor têm se tornado cada vez menores. Isso, quando existem.

Apesar da competição acirrada por inovações no setor da Inteligência, a diminuição dos funcionários da área vem em meio a demissões em massa nas companhias de tecnologia. O Twitter, Amazon Twitch e Microsoft foram três que liberaram ou realocaram toda a equipe de ética para IA.

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O caso da Twitch

  • Depois de 12 anos online, em 2022, a Twitch percebeu que tinha um problema: a rede é tendenciosa, e mulheres e pessoas negras acusaram a plataforma de sexismo e racismo, como parte de um problema social mais amplo.
  • Os críticos disseram que os algoritmos de recomendação por IA da própria Twitch perpetuavam esses preconceitos e ampliavam o problema.
  • Em resposta, a empresa subsidiária da Amazon montou uma equipe de IA para examinar especificamente esses algoritmos, e passou a realizar pesquisas demográficas para identificar os casos.
  • Na semana passada, porém, as poucas pessoas que compunham a equipe de ética de IA ou foram demitidas, como parte de uma demissão em massa, ou realocadas em outros setores da empresa.

Um ex-funcionário da Twitch, que preferiu se manter anônimo, comentou o caso para o The Washington Post.

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Queríamos tornar o Twitch mais igualitário e também mais seguro para criadores de todas as origens. Isso é um passo atrás.

Ex-funcionário da Twitch

Outros casos e consequências

  • A Twitch não foi a única a reduzir sua equipe de ética.
  • Em novembro de 2022, Elon Musk fez o mesmo no Twitter, em um esforço maior de cortar três quartos do quadro de funcionários.
  • Em janeiro, a Microsoft cortou toda a equipe de Ética e Sociedade, como parte de uma enorme rodada de demissões; o grupo liderava as pesquisas sobre IA responsável na empresa.
  • O movimento de diminuição de equipes de ética vem em um momento de intensa competição entre empresas do setor por inovação, mas mostra que a ética desses programas não é a prioridade.
  • Especialistas em IA ética afirmam que a separação dessas equipes podem resultar no lançamento de produtos nocivos, antes mesmo de suas consequências e riscos serem examinados.
  • A líder da equipe META do Twitter (uma acrônimo para Machine Learning Ethics, Transparency, and Accountability), Rumman Chowdhury, foi demitida em novembro por Musk após realizar programas inovadores, como o “bias bounty”, que localiza parcialidades no sistema do aplicativo.
  • Ela afirma que a ética da IA é “um centro de custo, não um centro de receita” e que empresas inteligentes sabem que isso (não investir em ética) custará caro a longo prazo, mas estão pensando mais no agora.
  • Chowdhury também defende que pode haver vantagens em integrar ética da IA no desenvolvimento de produtos. Empresas de tecnologia como Microsoft e Meta investiram pesado em tecnologia para detalhar os impactos sociais dos seus produtos.

Já a cientista da computação que liderou a equipe de ética de IA do Google, Timnit Gebru, foi demitida de forma polêmica em dezembro de 2020 e se manifestou.

Para mim, parece que eles estão em uma corrida e só querem vencer a corrida, e qualquer um que esteja fazendo qualquer outra coisa é inútil.

Timnit Gebru

Após a saída do Google, ela iniciou uma ONG dedicada a pesquisar danos da IA e buscar soluções. Gebru disse ao The Washington Post que vê as equipes de ética das big techs como “vitrines”, que são rapidamente deixadas de lado quando há cortes de custos.

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Contexto da IA e ética

Além de acontecer simultaneamente com o avanço da IA e as demissões em massa, a redução nas equipes de ética vem em meio a uma onda de IA generativa. Essa nova forma de tecnologia é capaz de gerar conteúdo, interagir com o ser humano e realizar tarefas. O ChatGPT, da OpenAI, o gerador de imagens Midjourney e o Bard, chatbot do Google, são alguns exemplos.

Agora, as pessoas estão expostas e em contato com ferramentas que, antes, ficavam reclusas a laboratórios de testes das big techs. Em contrapartida, a preocupação das empresas é a de ficar para trás em relação aos lançamentos, o que diminui a cautela com a ética, já que não há mais tempo de realizar pesquisas internas e receber feedbacks para entender as reações da IA.

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Reação das big techs

Na terça-feira, 28 de março, acadêmicos e líderes empresariais assinaram uma carta pedindo que empresas de IA suspendessem o treinamento de novos chatbots. O dono e CEO do Twitter, Elon Musk, o cofundador da Apple Steve Wozniak, e o veterano de pesquisas de IA Yoshua Bengio foram alguns dos que assinaram.

A carta defendia que “poderosos sistemas de IA devem ser desenvolvidos apenas quando estivermos confiantes de que seus efeitos serão positivos e seus riscos serão administráveis”.

Futuro da IA generativa

  • A carta de Musk e de outros líderes mostra a preocupação com os riscos da IA generativa.
  • Chowdhury, porém, defende que focar nas questões a longo prazo pode tirar a atenção do que acontece agora.
  • Para ela, a questão não é se a IA se desenvolverá para matar humanos, mas se, conforme os programas amadurecem e são amplamente adotados, não passarão a ter problemas — como falas preconceituosas ou outras questões sociais, parte de um contexto maior.
  • Esses tipos de problemas já adiaram lançamentos de outras ferramentas de IA, como chatbot Tay, da Microsoft, de 2016. O programa rapidamente começou a proferir comentários racistas e a negar o holocausto.
  • A mesma coisa aconteceu com o Bing, também da Microsoft: o chatbot passou a adotar um tom agressivo e uma persona alternativa, chamada de “Sydney“, além de inventar informações, misturar mentiras com fatos e contradizer o ser humano.

Para o ex-funcionário da Twitch, os pesquisadores e membros de equipes de ética de IA que permanecerem nas big techs terão que se adaptar e mostrar a seus empregadores que esse conhecimento ajudará a evitar problemas no futuro. Consequentemente, será feita uma economia financeira.

Estamos defendendo o desenvolvimento seguro e sustentável de produtos.

Ex-funcionário da Twitch

Com informações de The Washington Post.

Imagem: sdecoret/Shutterstock

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