Durante toda a história da humanidade, o conhecimento astronômico foi determinante para o estabelecimento das grandes civilizações para seu desenvolvimento e para suas quedas também. Um bom exemplo disso ocorreu há 570 anos, quando um eclipse lunar foi decisivo para um dos episódios mais marcantes da história moderna: a queda de Constantinopla.

Constantinopla era capital do Império Bizantino, também conhecido como Império Romano do Oriente. Era o lado grego do que sobrou do imponente império romano desde seu declínio e queda no Século V. A cidade foi fundada no ano 330 pelo imperador Constantino, que gostou tanto daquele local, que trouxe a capital romana para lá e deu à cidade o nome de Constantinopla em sua própria homenagem. 

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Ela era a cidade mais bem fortificada de todo o planeta e foi, por 8 séculos, a maior e mais rica da Europa, famosa por sua arquitetura imponente, como o Palácio Imperial, a catedral de Santa Sofia, a Torre de Gálata, e é claro, as imensas muralhas que cercavam toda a cidade, que juntamente com um formidável complexo de defesa, fizeram de Constantinopla, uma fortaleza impenetrável por mais de mil anos.

[ Representação artística de Constantinopla do Século XV – Créditos: Jean-Claude Golvin ]

Mas em 1453, o jovem sultão Maomé II, decidiu que a conquista de Constantinopla deveria ser seu primeiro grande triunfo como soberano do Império Otomano. Aquele não era, nem de longe, um objetivo muito simples. Constantinopla estava localizada em uma posição estratégica, no melhor caminho que ligava a Europa à China e às Índias com quem os europeus mantinham importantes relações comerciais. Por isso, apesar do Império Bizantino estar em decadência, sua capital permanecia forte e era protegida por tropas cristãs europeias lideradas pelo carismático rei Constantino XI. 

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Além disso, aquela não seria a primeira vez que algum pretenso conquistador tentaria a glória de ultrapassar aquelas impenetráveis muralhas. Antes de Maomé II, a cidade já havia resistido à outros 22 cercos, de persas, germânicos, hunos, ávaros, búlgaros, russos e dos próprios otomanos, que já haviam tentado tomar Constantinopla em outras 3 oportunidades. 

[ Pintura de Fausto Zonaro representando o exército de Maomé II transportando seus navios por terra até o Corno de Ouro – Fonte: wikimedia.org ]

Só que o Sultão estava decidido a conquistar a capital do império Bizantino. Então, em 5 de abril de 1453, ele iniciou um cerco em torno da cidade com um exército de 100 mil soldados, uma esquadra de 125 navios e cerca de 70 canhões, que eram uma maravilha da engenharia de guerra turca, capazes de lançar projéteis de 600 quilos e tinham como principal objetivo destruir as muralhas de Constantinopla.

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O início do cerco foi de intensos bombardeios, que danificavam as muralhas durante o dia, mas que eram reparadas pelos bizantinos durante a noite. Assim, mesmo com todo o esforço da artilharia otomana, o dia seguinte amanhecia como se nada tivessem feito. Durante os dias que se seguiram, inúmeras tentativas de tomar a cidade foram feitas pelos otomanos. Algumas, escalando os muros, outras, pelas brechas abertas pelos canhões e até mesmo através de túneis cavados por baixo das intransponíveis muralhas. Todas elas foram repelidas pelos soldados que guardavam Constantinopla. 

Em uma dessas tentativas, os otomanos tentaram um ataque pelo mar. Constantinopla tinha um porto natural em um estuário ao norte da cidade chamado de “Corno de Ouro”. Além de fortemente protegido, o Corno de Ouro era fechado por uma enorme corrente que cruzava a entrada do estuário e só era baixada para permitir a entrada de embarcações controladas pelos bizantinos. 

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Durante o cerco, navios com suprimentos enviados pelo papa e pela Sicília, driblaram o bloqueio otomano e se aproximaram do Corno de Ouro. Com a corrente baixada para sua entrada, navios otomanos tentaram interceptar os navios e forçar sua entrada no estuário, mas acabaram fracassando em mais essa tentativa.

Ainda assim, nada disso fazia Maomé II desistir de seu objetivo. Num ato de genialidade e desespero, ele ordenou que uma estrada fosse construída através da floresta para que eles pudessem levar seus navios, por terra, até o Corno de Ouro e assim pudessem impedir a chegada de mais suprimentos e reforços para a resistência bizantina. 

[ Posições bizantinas e otomanas no Cerco de Constantinopla após o transporte, por terra, de navios até o Corno de Ouro : Imagem: wikimedia.org ]

Depois de um mês e meio de cerco, Constantinopla estava cercada por todos os lados, bombardeada diuturnamente, mas resistindo bravamente a cada investida do inimigo. Liderados pelo Rei Constantino XI, os soldados bizantinos não tinham outra alternativa a não ser sobreviver. Já no lado otomano, o desânimo tomava conta. A cada tentativa fracassada de tomar a cidade, seu objetivo parecia mais distante. Entre os generais, já era consenso que um acordo de paz seria o melhor caminho. Mas ainda faltava convencer o Sultão disso. 

Só que em 22 de maio daquele ano, ocorreu um fenômeno celeste que mudaria o rumo daquela história. Um eclipse lunar. 

Todos nós sabemos que um eclipse lunar ocorre quando o Sol, a Terra e a Lua estão alinhados e a Lua entra na sombra da Terra, o que escurece sua superfície, dando a ela uma coloração avermelhada. Mas naquela época, o fenômeno ainda era visto de forma muito supersticiosa, como um sinal de grandes mudanças. Então, quando a Lua nasceu eclipsada naquela noite, provocou reações diferentes nos dois exércitos, o que acabou virando o jogo em favor dos otomanos.

Curiosamente, foram os mesmos gregos, ancestrais dos que ali representavam o que sobrava do império romano, quem explicaram os eclipses e previram pela primeira vez sua ocorrência. Só que depois de mil anos de escuridão, período em que a ciência foi suprimida no ocidente pelos dogmas religiosos, os bizantinos, cristão ortodoxos, não foram capazes de compreender que aquele era apenas um fenômeno da natureza. Só se lembraram de uma profecia milenar que dizia que Constantinopla existiria enquanto a Lua brilhasse sobre ela. Eles interpretaram o eclipse como um sinal da queda de Constantinopla.

Já do lado otomano, igualmente religioso, mas que não abominava a ciência, o eclipse foi utilizado de forma estratégica. Avisado com antecedência da ocorrência do fenômeno, o sultão Maomé II aproveitou a chamada “Lua de Sangue” para motivar sua tropa. Eles prepararam com cuidado um último, massivo e decisivo ataque, que ocorreu em 29 de maio de 1953. Na tarde daquele dia, Maomé II entrou triunfante pelas muralhas da cidade. Constantinopla, que era o sonho de Osmã, fundador do império otomano, havia finalmente sido conquistada.

[ Pintura de Fausto Zonaro retratando o Sultão Maomé II entrando triunfante pelas muralhas de Constantinopla – Fonte: wikimedia.org ]

Mas a importância daquele fato vai muito além da história de otomanos e bizantinos. A queda de Constantinopla mudou, de fato, o curso da história. 

Junto com Constantinopla, chegou ao fim também o Império Bizantino e, para muitos historiadores, a Idade Média. A cidade passou a se chamar Istambul, o caminho para as Índias foi fechado e a partir de então, para manter suas relações comerciais com o Oriente, a Europa precisava traçar rotas marítimas até lá. Foi então que se iniciaram as Grandes Navegações.

E como sabemos que com as Grandes Navegações, se iniciou a colonização do Brasil e das Américas, podemos afirmar que aquele eclipse lunar de 22 de maio de 1453, o eclipse que ajudou a derrubar Constantinopla, também marcou o início da nossa história.