Uma das principais lutas da comunidade LGBTQIAP+ – (lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, queer, interssexo, agênero, panssexuais e pessoas não-binárias, além de outras identificações) – ainda é pela inclusão no mercado de trabalho. No Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+, celebrado nesta quarta-feira (28), o Olhar Digital traz histórias e caminhos para tornar o setor tech mais inclusivo.

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Não é raro ouvir histórias de quem, em pleno século 21, precisa ocultar a orientação sexual para conseguir uma vaga ou ser aceito num ambiente corporativo. Numa pesquisa feita pela Great Place to Work, por exemplo, apenas 10% das 14 mil pessoas entrevistadas responderam que se declaram LGBTQIAP+.

Apesar das estatísticas ainda demonstrarem esse cenário, há iniciativas que caminham no sentido da inclusão dessa parcela da população. Veja abaixo:

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Histórias de inclusão LGBTQIAP+

Duas mulheres, uma do lado da outra, em escritório trabalhando
(Imagem: Getty Images)

Felipe Birgman, 29 anos, é designer UX/UI na Mouts TI, empresa de tecnologia com sede em Blumenau (SC). Ele, que se declara gay, conta que sua orientação sexual sequer foi uma questão para que ele fosse contratado. “Nunca fui questionado sobre a minha orientação sexual: nem antes, nem durante. Isso nunca foi levado em consideração – o que eu acho bom, porque já mostra que não tem nenhum tipo de preconceito”, disse.

O designer destacou que, para ele, o setor de tecnologia tende a ser mais aberto à diversidade que segmentos mais conservadores, o que pode ser um facilitador para que pessoas da comunidade possam entrar no mercado de trabalho.

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Mesmo assim, ele acredita que ainda haja um longo caminho pela frente. E que são necessárias mais ações afirmativas para que, de fato, haja inclusão e diversidade no mercado de trabalho.

Acredito que a sociedade ainda precisa evoluir muito em relação ao mercado de trabalho para pessoas da comunidade LGBTQIAP+, principalmente para pessoas trans, que têm pouca visibilidade para várias áreas. Acho que ainda precisa ser feito muita coisa, como mais vagas afirmativas para pessoas trans e da comunidade e programas de incentivo de empresas, tanto de tecnologia quanto de outras áreas, porque às vezes são pedidas inúmeras skills [habilidades], mas muitas dessas pessoas nunca tiveram oportunidades para se munir dessas skills.

Felipe Birgman, 29 anos, é designer UX/UI na Mouts TI

Karina Zulauf Tironi, de 23 anos, também acredita que o setor da tecnologia pode ser mais inclusivo – e não apenas com as questões de orientação sexual. Ela, que se declara pansexual (indivíduo que sente atração por pessoas independente do gênero delas, de como se expressam para o mundo e de sua orientação sexual), trabalha há alguns meses na mesma empresa de Felipe e já sentiu segurança para falar sobre sua orientação para alguns colegas.

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Sempre é difícil se sentir 100% confortável onde não sabemos a opinião das pessoas sobre a orientação sexual do outro. Somente recentemente compartilhei com algumas colegas, mas ainda me sentindo receosa de falar mais sobre isso. Não houve nenhuma situação, é mais sobre um receio de que falar sobre isso seja como colocar um elefante no cômodo.

Karina Zulauf Tironi, assistente de Recursos Humanos na Mouts TI

A gestora de Recursos Humanos da Mouts TI, Gláucia Hahnemann de Souza, explicou que a empresa não tem atualmente um programa específico de vagas afirmativas apenas para pessoas da comunidade LGBTQIAP+, porque todas as vagas são para todos os públicos. Ela também apontou uma evolução significativa do setor de tecnologia na busca por perfis diversos.

Cada vez mais percebemos em diferentes áreas e clientes um maior foco na valorização da diferença. Percebo que a área de tecnologia, inclusive comparada à outros segmentos, visualiza o quanto podemos potencializar as equipes e o negócio tendo perfis diferentes. Vemos muitas quebras de paradigma, e com isto conseguimos ter maior inovação e desenvolvimento, pois visões de mundo diferentes têm muito a agregar.

Gláucia Hahnemann de Souza, gestora de Recursos Humanos da Mouts TI

Contexto

Homem trabalhando em escritório usando dois notebooks e um monitor grande
(Imagem: iStockPhoto)

Segundo a pesquisa Orgulho no Trabalho, realizada pelo LinkedIn em 2022, 21% das pessoas que fazem parte da comunidade LGBTQIAPN+ não se sentem confortáveis para partilhar a orientação sexual ou identidade de gênero no ambiente de trabalho.

Além disso, 47% dos entrevistados afirmaram que as empresas em que trabalham não têm práticas de promoção da igualdade ou que eles não sabem da existência dessas ações.

Ainda segundo a mesma pesquisa, 43% das pessoas alegam ter sofrido algum tipo de discriminação, principalmente velada, seja por parte de colegas ou pela liderança.

O mercado de trabalho é formado por pessoas e cada indivíduo possui valores pessoais e ideais. Entretanto, muitas vezes essas crenças se tornam limitantes e estão recheadas de estereótipos, o que impacta todo o percurso das pessoas que fazem parte de grupos sub representados no ambiente corporativo, desde o processo seletivo até oportunidades de crescimento de carreira.

Anabel Carvalho Martins Filardi, que trabalha no setor de Empregabilidade da Escola da Nuvem

Anabel atua no mercado de tecnologia, pois a Escola da Nuvem é uma organização sem fins lucrativos que visa garantir a educação e a empregabilidade de pessoas em situação de vulnerabilidade social para que elas consigam ingressar no setor de cloud computing.

Segundo a especialista, essa realidade geral não é diferente no setor tech, já que ele é “predominantemente masculino, branco e heteronormativo”.

O primeiro desafio [que enfrentamos], que acaba gerando todos os demais, são os vieses inconscientes. A partir deles surgem os primeiros julgamentos num processo seletivo e a falta de representatividade, [que culminam] nas barreiras enfrentadas por pessoas diversas para alcançarem ascensão profissional. [Isso também pode ser visto na] desigualdade salarial e no dia a dia com as micro agressões, que surgem em comentários inadequados e piadas ofensivas.

Anabel Carvalho Martins Filardi, que trabalha no setor de Empregabilidade da Escola da Nuvem

Para Anabel, esse desafio é o maior de todos e o mais difícil de ser combatido, pois é “algo invisível. E por não ser consciente para as pessoas, isso dificulta o processo de mudança. É realmente difícil de se trazer [os vieses] para o nível de consciência e então mudar percepções e comportamentos, pois muitos deles são tão enraizados em nossa sociedade e rotina que são naturalizados. Para mudar a realidade que vivemos hoje, é essencial que cada pessoa crie consciência de seu lugar de fala e privilégios”, opina.

Como construir um ambiente seguro para pessoas LGBTQIAP+

Homem de costas vestindo bandeira LGBTQIAP+ em parada na rua
(Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Segundo ela, o primeiro passo para tornar o mercado de trabalho mais inclusivo é fazer com que as pessoas tragam para a consciência os seus vieses inconscientes, pois, só assim, será possível mudar. “Muitas organizações fazem isso trazendo treinamentos e palestras sobre o assunto, principalmente para as lideranças. Depois, podemos pensar na construção de um ambiente com acessibilidade, que seja fisicamente e psicologicamente seguro para pessoas diversas. O desafio dessa etapa é que alguns pontos podem não ser tão evidentes”, explicou.

Por exemplo, alguns tipos de assédio e micro agressões, como comentários inapropriados e ‘piadas’ ofensivas que passam despercebidas devido a naturalização desse comportamento. Mesmo assim, elas impactam negativamente na vida de pessoas diversas. Algumas empresas criam códigos de conduta e canais de escuta para que o público diverso tenha garantia de sua segurança [e possa fazer relatos do que está acontecendo].

Anabel Carvalho Martins Filardi, que trabalha no setor de Empregabilidade da Escola da Nuvem

Segundo Anabel, é urgente que esteja nesse processo de inclusão a igualdade salarial e a promoção de iguais oportunidades de crescimento dentro das organizações. “Para isso, é importante que a liderança seja aliada à pauta da Diversidade e Inclusão. Também pode-se considerar a criação de grupos de afinidade para atuar em comitê e em frentes de inovação e estratégia para a empresa”, conclui.

Porém, tudo isso só terá efeito se a inclusão estiver integrada à estratégia da empresa como um todo, não só dentro de uma área específica ou como um projeto apartado, segundo Anabel.

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